Jornada Pantaneira
Francisco Solano López (Biografia)
Parte III
III
Durante a longa campanha, López teve ocasião de desenvolver toda a energia e tenacidade de que era capaz uma têmpera de ferro. Não foi propriamente um guerreiro; sempre se conservou fora das linhas de combate e não dirigia pessoalmente a ação dos seus exércitos. E ele tinha razão para colocar a sua pessoa ao abrigo das contingências da Batalha.
Realmente, concentrando em si todos os poderes da Nação, era o símbolo vivo do Governo, encarnava todo o seu sistema administrativo e uma vez suprimido o ditador ou desaparecido do Teatro da Guerra, estava tudo acabado.
Ele era sobretudo um audaz e um voluntarioso, de tal sorte que exercia entre seus súditos uma influência dominadora e absoluta. Todos tremiam ao seu aspecto e ninguém ousava falar em sua presença sem ser interrogado. Cruel e sanguinário, era muito irregular nas suas afeições.
Tão facilmente cumulava de honras e proventos a um obscuro soltado, como desautorizava e rebaixava o mais prestimoso e reputado General. Desconfiava de todos, não acreditava na honra do cavaleiro, na lealdade militar. Tinha um número muito pequeno de íntimos; nunca fazia elogios aos soldados e oficiais e ostentava não ligar importância alguma aos Generais.
Nada comunicava do que ocorria de notável nem permitia que qualquer pessoa, sem exceção, comunicasse a outrem os sucessos de que tinha notícia ou fizesse a quem quer que fosse perguntas a respeito do que porventura soubesse. No Exército apenas cumpriam-se, às vezes mecânica e inconscientemente, as ordens do ditador assim se explica como acontecimentos de grande importância não se tornavam públicos e sobretudo não chegava notícia deles ao campo dos aliados senão muito tempo depois de ocorridos. Mesmo sobre questões de detalhe, cujo conhecimento interessava à boa administração das Forças, López guardava a mais absoluta reserva.
O chefe do Estado Maior não soube jamais a cifra exata das forças efetivas do Exército. Desta e de outras circunstâncias que López queria conservar secretas, apenas ele e mais um ou dois íntimos tinham ciência e se porventura qualquer de seus Generais houvesse cometido a indiscrição de pretender devassar qualquer destes segredos, teria sido imediatamente fuzilado.
A essa atmosfera pesada, a esse regime de terror que o Marechal infundia em torno de sua autoridade, correspondia uma obediência incondicional e tácita que não era a subserviência podre dos tímidos e covardes porque era o fruto de uma educação religiosa absolutamente passiva e do um exaltamento patriótico levado ao delírio que faziam da pessoa do ditador a simultânea encarnação de Deus e da Pátria.
Alguns fatos se deram que pintam caracteristicamente a intensidade da força autoritária do ditador. Certo dia, em 20.07.1865, López ordenou a um dos Generais que fosse prender o General Robles, Chefe Superior da Divisão do Sul e o trouxesse com segurança à sua presença.
‒ Que forças levo, senhor?
Perguntou o emissário, que era o General Barrios, cunhado do ditador.
‒ Um Ajudante de Ordens e esta nota escrita, respondeu o Marechal entregando-lhe um pedaço de papel dobrado e lacrado.
O emissário partiu, embarcou no vapor “Igurei” e saltando no porto do Empedrado dirigiu-se à tenda do General em Chefe, que ao avistá-lo veio ao seu encontro de mãos estendidas.
‒ Alto lá, disse Barrios, entregando-lhe o papel, não aperto a mão de quem venho prender por ordem superior.
O General Robles, quebrou o selo da carta e leu tranquilamente a ordem do ditador. Achava-se ele no meio de trinta mil homens a que disciplinara e que lhe votavam uma dedicação extrema. Era a única autoridade a que obedeciam havia três anos, desde a formação do acampamento de Cerro Leon.
Pois bem, terminada a leitura, o velho General, cheio de serviços e fadigas, tirou calmamente a espada do cinturão e a entregou ao companheiro. Ao outro dia, chegava à presença de López e era fuzilado como réu de alta traição à Pátria.
Esse mesmo Barrios pouco tempo sobreviveu ao infeliz camarada. Era o cunhado do López, então General de Divisão e Ministro da Guerra e da Marinha; na manhã de 12.08.1866, apresentou-se ele, em S. Fernando, ao Presidente que estava escrevendo; cortejou polidamente e esperou a dois passos de distância. Decorridos quinze minutos, López, que não lhe havia correspondido ao cumprimento, levantou a cabeça e, fulminando-o com o olhar formidável dos maus momentos, rugiu:
‒ Fiz-lhe depositário de minha confiança, supondo-o um leal servidor; estou persuadido do que você é indigno dela. Retire-se de minha presença.
Barrios, o homem então de mais importância no Exército, tremeu dos pés à cabeça, dificilmente encontrou a porta e seguiu pela rua cambaleando como um ébrio. Em casa atirou-se como um louco à esposa, que era irmã de López; segurando-a pelos cabelos, arrastou-a pelo chão, pisou-lhe o rosto com o tacão das botas até ensanguenta-la toda e, deixando-a prostrada e desfalecida, degolou-se com uma navalha. (LANGGAARD MENESES) (Continua…)
Por Hiram Reis e Silva (*), Bagé, 19.05.2023 – um Canoeiro eternamente em busca da Terceira Margem.
Bibliografia
LANGGAARD MENESES, Rodrigo Octavio de. Homens e Coisas do Paraguai – Solano López e José Diaz – Brasil – Rio de Janeiro, RJ – Revista Brasileira – Sociedade Revista Brasileira – Segundo Ano – Tomo VI, 1896.
(*) Hiram Reis e Silva é Canoeiro, Coronel de Engenharia, Analista de Sistemas, Professor, Palestrante, Historiador, Escritor e Colunista;
- Campeão do II Circuito de Canoagem do Mato Grosso do Sul (1989)
- Ex-Professor do Colégio Militar de Porto Alegre (CMPA);
- Ex-Pesquisador do Departamento de Educação e Cultura do Exército (DECEx);
- Ex-Presidente do Instituto dos Docentes do Magistério Militar – RS (IDMM – RS);
- Ex-Membro do 4° Grupamento de Engenharia do Comando Militar do Sul (CMS)
- Presidente da Sociedade de Amigos da Amazônia Brasileira (SAMBRAS);
- Membro da Academia de História Militar Terrestre do Brasil – RS (AHIMTB – RS);
- Membro do Instituto de História e Tradições do Rio Grande do Sul (IHTRGS – RS);
- Membro da Academia de Letras do Estado de Rondônia (ACLER – RO)
- Membro da Academia Vilhenense de Letras (AVL – RO);
- Comendador da Academia Maçônica de Letras do Rio Grande do Sul (AMLERS)
- Colaborador Emérito da Associação dos Diplomados da Escola Superior de Guerra (ADESG).
- Colaborador Emérito da Liga de Defesa Nacional (LDN).
- E-mail: [email protected].
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