Jornada Pantaneira

Hotel Real dos Inválidos (Come to Paris)

Francisco Solano López (Biografia)
Parte II

II

Em 16 de outubro de 1862 assumiu a presidência da República. Entrava nos planos da acentuação de sua autoridade ante o mundo civilizado uma grande Guerra. O Império do Brasil tinha a hegemonia da América do Sul. O Brasil era pois o inimigo, natural.

Desde os primeiros dias do seu Governo a preocupa­ção da Guerra o dominou; mandou desde logo cons­truir na Europa 3 encouraçados e adquirir 50 canhões modernos. Tudo serviria de pretexto.

O “ultimatum” do plenipotenciário brasileiro, Conse­lheiro Saraiva, ao Governo da República Oriental do Uruguai motivou do Governo do Marechal López o protesto de 30.08.1864. Estava lançada a luva, e a 12.11.1864, deu-se o apresamento, no porto de Assunção, do “Marquês de Olinda” a cujo bordo seguia o Coronel Carneiro de Campos, novo Presidente do Mato Grosso que morreu prisioneiro tendo sofrido as mais duras provações.

Após esse ato de hostilidade que nenhum princípio autorizava, o Marechal rompeu as relações diplomá­ticas com o Império, com fundamento na ocupação por forças imperiais da cidade do Mello capital do Departamento Oriental de Cerro-Largo, conforme reza a nota do Ministro de Estrangeiros D. José Bérges ao Sr. Vianna de Lima, plenipotenciário do Brasil.

Dois dias antes, 10.11.1864, López havia reunido no acampamento do Cerro Leon os notáveis de Assun­ção, entre os quais figuravam os personagens mais importantes da hierarquia civil, militar o eclesiástica, e submetera à consideração da assembleia, pela últi­ma vez, a grave questão do momento.

Pela undécima vez a seleta reunião manifestara una­nimemente a afirmação de que a Guerra era ne­cessária e imprescindível.

De entre todos, um homem apenas conservara-se reservado e silencioso, sem proferir uma palavra, se bem que houvesse aderido à resolução final da assembleia.

Esse homem era o Ministro das Relações Exteriores, D. José Bérges, ilustrado cidadão e o personagem de mais respeito e competência nos negócios do Estado; era dotado de apreciáveis qualidades pessoais que lhe haviam granjeado a maior consideração no conceito de todos.

Esse homem ilustre que não se deixara arrastar pela vertigem sanguinolenta que transviava todos os espíritos nessa época sombria de sua terra, calava, profundamente comovido, no fundo da alma desolada de patriota, a certeza do desastrado insucesso da temerária empresa em que a nação ia ser caprichosa e cegamente empenhada.

D. José Bérges havia sido plenipotenciário no Rio de Janeiro e conhecia perfeitamente os extraordinários recursos de que poderia dispor o Império na even­tualidade de um conflito internacional, e não duvida­va do resultado inevitável da campanha.

Calou, porém, dentro do peito tudo o que o conhecimento real das coisas lhe ditava; conhecia tão bem a tenebrosa situação histórica da sua terra que compreendia que a manifestação sincera do seu pensamento, a externação franca de seu conselho privaria por certo a nação de serviços que ele estoi­camente considerava que lhe seriam muito precisos no período difícil em que ela ia entrar, para que os fosse comprometer sem proveito opondo-se a uma resolução a que fatalmente arrastaria a desvairada exaltação dos ânimos.

López porém, conhecia o modo de pensar do seu ilustre Ministro.

E é curioso saber-se agora que no correr da campa­nha o ditador processou e fuzilou todos os principais funcionários que lhe aconselharam a declaração da Guerra e cujos nomes guardava cuidadosamente em uma lista, não excluindo mesmo seus dois irmãos e cunhados e o que é mais, o próprio D. José Bérges.

Dissolvida a reunião, López até alta noite indeciso e preocupado passeou, completamente só pelos som­brios corredores do Quartel General. Nessas longas horas de tenebrosa meditação a cabeça febril do Presidente deveria ter sido teatro de uma luta desesperadamente travada entre a razão serena, calma e vidente e a ambição impetuosa, sôfrega e desvairada.

Uma circunstância ocasional determinou talvez a resolução desastrada de López.

A madrugada o veio surpreender na terrível insônia. O clarim da casa da ordem ressoou estridente e musical, levando os acordes matutinos ao dormido acampamento. Logo outros clarins responderam, e outros e outros ainda, e os tambores vieram juntar ao concerto original o acompanhamento monótono dos seus rufos marciais.

Em pouco, no meio dessa música desencontrada, que sucedeu ao longo silêncio mortal daquela noite sem fim, o Corpo de Exército formava-se em frente à casa em que, ignorado, velava o Presidente e as fanfarras marciais estrugiram em meio dos vivas e aclamações entusiásticas levantados ao General e que se foram repetindo, como o desdobramento de um eco fantástico, de Divisão em Divisão, de Corpo em Corpo, às derradeiras linhas dos últimos Batalhões.

López, nesse momento conteve com as mãos ambas no peito o coração palpitante. O inesperado espe­táculo acabava de lhe transviar a exaltação ambi­ciosa. A Guerra estava resolvida. (LANGGAARD MENESES) (Continua…)

Por Hiram Reis e Silva (*), Bagé, 17.05.2023 – um Canoeiro eternamente em busca da Terceira Margem.

Bibliografia   

LANGGAARD MENESES, Rodrigo Octavio de. Homens e Coisas do Paraguai – Solano López e José Diaz – Brasil – Rio de Janeiro, RJ – Revista Brasileira – Sociedade Revista Brasileira – Segundo Ano – Tomo VI, 1896.   

(*) Hiram Reis e Silva é Canoeiro, Coronel de Engenharia, Analista de Sistemas, Professor, Palestrante, Historiador, Escritor e Colunista;     

  • Campeão do II Circuito de Canoagem do Mato Grosso do Sul (1989)
  • Ex-Professor do Colégio Militar de Porto Alegre (CMPA);
  • Ex-Pesquisador do Departamento de Educação e Cultura do Exército (DECEx);
  • Ex-Presidente do Instituto dos Docentes do Magistério Militar – RS (IDMM – RS);
  • Ex-Membro do 4° Grupamento de Engenharia do Comando Militar do Sul (CMS)
  • Presidente da Sociedade de Amigos da Amazônia Brasileira (SAMBRAS);
  • Membro da Academia de História Militar Terrestre do Brasil – RS (AHIMTB – RS);
  • Membro do Instituto de História e Tradições do Rio Grande do Sul (IHTRGS – RS);
  • Membro da Academia de Letras do Estado de Rondônia (ACLER – RO)
  • Membro da Academia Vilhenense de Letras (AVL – RO);
  • Comendador da Academia Maçônica de Letras do Rio Grande do Sul (AMLERS)
  • Colaborador Emérito da Associação dos Diplomados da Escola Superior de Guerra (ADESG).
  • Colaborador Emérito da Liga de Defesa Nacional (LDN).
  • E-mail: [email protected].

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