Pesquisa da Fiocruz Rondônia revela pela primeira vez a predominância de genótipo D do vírus da hepatite B (HBV), mais específico da região Sul do Brasil, entre os indígenas do estado de Rondônia. Trata-se de um estudo inédito realizado com a população indígena Wari-Amazônia e que tem como objetivo esclarecer os genótipos e subgenótipos do vírus circulante.

Rondônia é o segundo estado com maior número de casos de hepatite B no Brasil (foto: Rodrigo Mexas) – Postada em: FIOCRUZ

A presença dos genótipos A e D sugere influência da afrodescendência, além da colonização europeia. Nas populações de origem indígena, há predomínio do genótipo F. “A predominância do genótipo D representa que a doença hepática está mais avançada quando comparada aos genótipos A e B, por exemplo”, pontuou a pesquisadora Deusilene Vieira, coordenadora do estudo.

A especialista ressalta a importância da vacinação para hepatite B. “Ela certamente contribui para prevenção para hepatite D, considerando que ocorre somente em pacientes infectados pelo vírus da hepatite B”, explicou. “A baixa cobertura vacinal é reflexo da dificuldade dos indígenas em ter acesso aos cuidados de saúde. Isso refletiu na baixa adesão ao calendário vacinal contra hepatite B na região, o que pode gerar também uma maior duração da infecção”, completou a cientista.

Rondônia é o segundo estado com maior número de casos de hepatite B no Brasil. A doença é a segunda maior causa de óbitos entre as hepatites virais no país. Em Porto Velho, capital do estado, há atualmente 7.977 pacientes crônicos cadastrados no Ambulatório de Hepatites do Centro de Pesquisa em Medicina Tropical (Cepem), referência no atendimento aos pacientes em Rondônia.

“O resultado não representa uma maior agressividade da doença, porém relaciona os movimentos migratórios na região. Os dados são, portanto, evidências de que o assunto precisa ser melhor explorado pela comunidade científica”, observou a pesquisadora.

Intitulado Avaliação molecular dos vírus das hepatites B e Delta na população indígena Wari-Amazônica Ocidental, o artigo foi divulgado na revista científica da Sociedade Brasileira de Doenças Infecciosas (SBI) e buscou caracterizar os genótipos e subgenótipos do HBV em indígenas portadores crônicos do HBV e coinfectados com hepatite Delta (HDV).

Iniciado em 2007,o estudo vem sendo atualizado constantemente, por meio de análises de dados epidemiológicos, sociodemográficos, sorológicos e moleculares de indígenas residentes nas cidades de Guajará-Mirim e Nova Mamoré, localizadas no estado de Rondônia. Localizado no Norte do Brasil, Rondônia conta com difícil acesso aos serviços  de saúde, hábitos culturais de risco e fatores migratórios de indígenas entre aldeias – o que favorece a endemicidade da infecção pelo vírus da hepatite B (HBV) e coinfecção pelo vírus da hepatite Delta (HDV).

De acordo com os pesquisadores, as características virais do HBV (genótipo, carga viral, mutações específicas) e coinfecção com HDV são determinantes no curso da infecção, mas são desconhecidos na região da análise.

Estudo

A prevalência de hepatite B encontrada em indígenas localizados na região de fronteira entre Brasil e Bolívia foi de 2,8% (168/5908). Desses, um total de 41 indígenas (27 monoinfectados com HBV e 14 coinfectados com HDV) foram voluntários no estudo. A população da pesquisa foi composta por indígenas de ambos os sexos, maiores de 18 anos.

O estudo mostra que 49% dos participantes tinham histórico familiar de infecção por hepatite B (HBV) e mais da metade da população tinha pelo menos 40 anos (59%). A doença foi mais frequente em indígenas do sexo masculino (66%) do que do sexo feminino (34%).

A média de tempo de infecção por HBV foi de 12,6 anos. O total de 65,9% dos indígenas foi positivo para o DNA-HBV. Dos positivos, 39% foram mono infectados e 27% coinfectados com o HDV.

Na caracterização genotípica, observaram-se os genótipos A, D e F – sendo a frequência de 40,7% para o genótipo D (HBV-D), 33,3% genótipo F (HBV-F) e 25,9% A (HBV-A). “Nossos achados mostraram uma diversidade de genótipos de HBV, que também é encontrada em outras regiões geográficas brasileiras. A vigilância genômica em locais endêmicos para hepatite B favorece as medidas preventivas de saúde pública para diminuição da infecção por HBV e, consequentemente, HDV em regiões endêmicas para os vírus”, ressaltou a pesquisadora.

Com o consentimento dos participantes, as amostras biológicas de soro para análise molecular foram coletadas pela equipe do laboratório de Virologia Molecular da Fiocruz-RO. O material foi elaborado em parceria com o Laboratório de Virologia Molecular, o Centro de Pesquisa em Medicina Tropical (Cepem), a Universidade Federal de Rondônia (UNIR) e o Centro Universitário Aparício Carvalho (FIMCA). O estudo foi aprovado pelo Conselho Nacional de Ética em Pesquisa (Conep) e seguiu os termos determinados por ele.

Hepatites

O termo hepatite é definido como inflamação do fígado podendo ser decorrente de diferentes causas, tais como doença autoimune, uso de medicamentos, consumo excessivo de álcool, infecção bacteriana, parasitária e viral. A hepatite B se torna crônica em 5 a 10% dos pacientes adultos, caracterizada pela persistência do HBsAg (antígeno de superfície do vírus da hepatite B) por 6 meses ou mais na circulação sanguínea. Porém, os recém-nascidos têm maior risco de evoluir para forma crônica durante a transmissão vertical, chegando a 90% de chances.

As hepatites ocasionadas por vírus, chamadas de hepatites virais, são distribuídas mundialmente e conhecidas pelo importante impacto epidemiológico na saúde pública. Os principais agentes virais causadores das hepatites virais são os vírus da hepatite B (HBV), os vírus da hepatite C (HCV) e os vírus da hepatite D ou Delta (HDV). No caso da hepatite B, a transmissão pode ocorrer por vias verticais e horizontais.

“A transmissão vertical ocorre pela exposição do recém-nascido ao vírus durante o parto. Já a transmissão horizontal, pode ocorrer por diversas formas. Alguns exemplos são o contato sexual desprotegido, compartilhamento de lâminas de barbear contaminadas, alicates não esterilizados que são utilizados em procedimentos de manicures, como também escovas de dentes ou seringas, realização de tatuagens e procedimentos dentários ou cirúrgicos”, explicou a especialista.

Dados recentes

De 2000 a 2020, foram registrados 17.540 óbitos relacionados a esse agravo no país; desses, 53,4% tiveram a hepatite B como causa básica. Em 2020, o maior coeficiente de mortalidade em todo o período verificou-se na região Norte, com 0,4 óbito por 100 mil habitantes.

De acordo com dados do Boletim Epidemiológico de Hepatites Virais de 2022, ligado ao Ministério da Saúde, 264.640 casos confirmados de hepatite B no Brasil no período de 2000 a 2021 foram notificados. Desses, 14,5% estão concentrados na região Norte. Em 2021, a taxa de detecção foi de 3,4 casos para cada 100 mil habitantes. De 2011 a 2021, verificou-se que as taxas de detecção das regiões Sul, Norte e Centro-Oeste foram superiores à taxa nacional (à exceção de 2018, quando a região Centro-Oeste apresentou valor igual à nacional).

Regina Castro (Agência Fiocruz de Notícias) – PUBLICADO POR: FIOCRUZ – Pesquisa revela prevalência de genótipo da hepatite B entre indígenas de RO (fiocruz.br)

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