Continuamos a repercutir o oportuno artigo de meu caro Amigo, Irmão e Mestre Higino Veiga Macedo.
Minha Aprendizagem – Parte II
(Higino Veiga Macedo)
- Surgimento do Líder
Do que tenho observado, e até praticado, o homem é alçado LÍDER segundo a temporariedade das situações. Se em situações de “tempo de bonança” (Líder de conveniência ou ocasião), se de “tempo de crise” (Líder Verdadeiro) e se de “tempo de caos” (Líder herói e Instituído).
a. De Tempo de Bonança
Em tempo de bonança, as dificuldades são amenizadas e o líder tem seu esforço dirigido para as realizações de cunho político (aqui entendido como “a relação com a polis”). Só politicamente terá legitimidade para exercer a autoridade e respaldo para exercer a liderança em tempo de bonança (paz). Geralmente neste período, os líderes florescem devagar, amadurecendo lentamente no meio onde convive. Ao contrário do que muitos pensam, não nascem espontaneamente e de chofre. É cultivado. O poder do líder, nesta situação, está na fala. É a sua grande arma. A fala tem que ser bem colocada. Se muito elaborada literalmente, parecerá petulância; se chula parecerá falta de qualidade do líder e reduzirá sua força de conduzir os liderados. A retórica e o sofisma serão ferramentas para o descrédito do líder.
O líder, dessa situação “tem que”:
- Ouvir todas as opiniões, mesmo as mais disparatadas;
- Ser flexível para considerar as ideias exequíveis e rejeitar as ideias inaplicáveis; e
- Ser rígido para executar o combinado e decidido.
Se fizer concessões que faça as grandes, de modo abrangente, e anuncie que são concessões. Nunca fazer pequenas concessões, pois logo se tornarão grandes problemas. Também não aceitar: concessões para si; não aceitar nepotismo; ou, privilégios a cooperadores. Qualquer benesse, nesses moldes, mesmo dada com unanimidade da maioria dos liderados, será depois cobrada por um líder negativo para justificar sua discordância. Não confundir recompensa ou reconhecimento com favorecimento.
A bonança é também o período do aparecimento dos falsos líderes. Geralmente são aventureiros que, possuindo ambição, mas sem preparo intelectual, se arvoram em defensores dos oprimidos e saem aos berros contra alguém ou alguma coisa para chamar a atenção dos liderados e, pelo barulho, chamar a atenção para sua pessoa. Gostam de anunciar que estão falando em nome da classe, da associação, da corporação, da instituição. Classifico-os em: líderes de conveniência e líderes de ocasião. Serão líderes de conveniência, se o momento convier ao seu interesse ou ao do grupo ou ao do partido (facção). São os líderes de assaltos, sequestros ou desvio de valores públicos; são atividades contra a segurança pública; serão líderes de ocasião se o momento for oportuno. O exemplo mais retumbante é dos líderes de piquete, os insufladores de greves, os discursadores de palanques partidários.
Esses falsos líderes, acabada a conveniência ou a ocasião que os levaram a se manifestar, serão substituídos por outros mais capazes, pelos liderados. Em muitos casos, eles são manipulados, por um verdadeiro líder, como marionetes. São os inocentes úteis.
b. De Tempo de Crise
Nesta ocasião aparece o Líder Verdadeiro. Muitas vezes, despercebida a sua presença, mas ele, ao solucionar a crise, falará a linguagem dos liderados.
Em tempo de crise, os falsos líderes e os líderes de ocasião perecem. Não tendo autoridade respaldada pelos liderados, os seus argumentos, fundamentados no grito, na ameaça, na bravata e no esbravejar serão sufocados pela realidade. Aí não terão plateia, nem local para suas manifestações falsas, e falhas, ecoarem.
Nesta ocasião o poder do líder está na AUTORIDADE. A Força Moral será a sua maior arma. Suas ordens terão que ser cumpridas. Não poderá se dar ao luxo de ouvir a todos os que queiram opinar. O melhor será escolher um grupo de pessoas, experientes, que lhe sirvam de conselheiros para rápidas trocas de ideias, mas ter autoridade de decidir.
As informações serão poucas e as decisões terão que ser rápidas. Usando o ensinamento cartesiano, depois de avaliar as informações possíveis, toma-se uma decisão, traça-se um plano, que não será bom e, durante o desenrolar dos acontecimentos, vá aperfeiçoando-o ajustando-o com a realidade e com novas informações. Em função da extensão da crise, para não ser desobedecido e assim perder a autoridade, deverá usar de diferentes graus de violência.
É preciso evitar que, por executar sua ordem nesses graus de violência, alguém morra. Em situação de crise é preciso estabelecer cuidadosos planos para atender feridos, mulheres, crianças e os velhos.
Ao negociar uma crise, o líder nunca se reúne sozinho com o grupo antagônico. A reunião tem de ser aberta para que os seus liderados saibam por diferentes bocas aquilo que foi tratado. Qualquer negociação à porta fechada, por mais sincero que ele (líder) seja ao revelar o que foi tratado, haverá um halo de negociata em desfavor dos liderados. O líder tem que saber muito bem o “o quê, e o por quê” de algo ou de alguma coisa que motiva os liderados a enfrentar a crise. O “como e o quando” serão resolvidos com a solução da crise.
c. De Tempo de Caos
Há estudiosos que afirmam ser o caos também uma forma de organização aleatória. No caos, em geral o Líder é Instituído. Quanto mais caótico for o ambiente mais poder é exigido do Líder. O Poder está no Equilíbrio Emocional. O autocontrole e a racionalidade serão exigências constantes. A força moral do líder, nessa situação, está no exemplo que espelha. Um líder nunca pode desesperar. Mesmo que aconteça, terá que “engolir” o desespero, senão perderá de imediato a confiança dos liderados. Cabe o ditado de um reino mouro: “nunca chorar como fraco quando se deve lutar como forte”.
Os exemplos de situações de caos mais palpáveis são: os dos filmes onde o líder de tripulações, de navios perdidos, é o seu comandante; nas catástrofes naturais – as autoridades locais; e … nas guerras, os comandantes.
Será necessário conhecer bem seus liderados para que no momento oportuno os use como especialistas naquilo que for preciso: dirigir ou pilotar algo, demolir ou construir coisa; dirigir ou orientar grupos.
O líder terá que ser duro no cumprimento do que foi combinado. Terá que usar diferentes graus de violência, até a da eliminação sumária, se for o caso. A ação nefasta de um covarde poderá levar a pânico uma população ou grupo. E pessoas em pânico estão muito próximas da estupidez dos animais.
O líder terá que assumir, solitariamente, o ônus das decisões. No máximo, um ou dois amigos para trocar ideia e não como consultores.
Não haverá tempo para ouvir alguém e muito menos fazer algo ou alguma coisa nas condições ideais. As informações serão escassas e, por isso, muita decisão será tomada por intuição (por conduta, na linguagem militar). A intuição nasce com o acúmulo de conhecimentos adquiridos, que depois de determinado momento, começa a produzir ideias novas e próprias. A intuição tem diferenciado o líder em geral do Líder Herói.
- O Líder Militar
O militar, por ser um profissional que lida muito perto da morte violenta, tem que ser um líder formado e adestrado para atuar, em tempo de caos, como o é o ambiente de combate no tempo de guerra, com:
- Naturalidade;
- Racionalidade extrema; e
- Autocontrole profundo.
Tem que ser, ao mesmo tempo, líder de tempo de bonança e de tempo de crise, pois a guerra implica em administrar as cidades e países conquistados ou reconquistados. O líder militar não pode se ajustar à situação apenas de bonança, mesmo em tempo de paz. Nesta situação, bonança, ele age unicamente como um chefe. E é na paz que se treina para a guerra, inclusive a liderança. Particularmente, descreio dos chamados Testes de Reação de Líderes dos cursos militares. Acho que são apenas testes de resistência à extrema fadiga e que nesta situação terão que tomar decisões. É resposta pessoal, apenas, e não de liderados.
O líder militar deve ser “pescado” dentro do seu meio, isto é, quando terceiro sargento, entre terceiros sargentos e indicado por eles; se for segundo tenente, entre segundos tenentes e indicado por eles. Se forem incluídos os segundos-sargentos e ou os primeiros tenentes sendo mais antigos, e com um mínimo de liderança, polarizarão para si a indicação, pelo respeito arraigado à hierarquia. Tais indicações, ao longo da carreira e juntamente com uma avaliação de desempenho (conceito lateral), deveriam ser o produto principal para o conceito geral e a consequente modelagem do perfil profissiográfico tão atual hoje no Exército Brasileiro. A compreensão errada de hierarquia e de disciplina induz à visão distorcida de líder e têm sufocado muitos líderes novos. É fundamental a todos os militares de carreira se adestrarem em liderança.
Será inadmissível um militar se acovardar no combate. A tranquilidade a apresentar, mesmo aparente, será adquirida com os fatores: conhecimento profissional, o adestramento e higidez física. [sublinhei]. Assim conquistará o respeito dos superiores, pares e subordinados que é a essência da lealdade.
Particularmente, acho que o “líder militar primordial” está no comandante de pelotão e no comandante de companhia. É aí que se vive intensamente o horror da guerra (caos). Em outros escalões, há no máximo o aspecto de “tempo de crise”. Um ex-combatente da Segunda Guerra Mundial, brasileiro, da arma de engenharia e comandante de pelotão de engenharia de acompanhamento, especialista em campos de minas e armadilhas, Paulo Nunes Leal, disse-me que, no estertor da morte, o soldado chama pela mãe e pelo nome do Tenente (seu comandante de pelotão). Na ausência da mãe, o soldado confia no Tenente.
Há em literaturas militares, uma passagem jocosa sobre um chefe militar da Segunda Guerra Mundial. Diziam que ele ia para o combate de corpo e alma: a alma dele e o corpo dos soldados. Mesmo jocoso, o caso revela verdade: quanto mais alto for o comando mais afastado da linha de combate estará, o que é lógico e necessário.
O “conhecimento profissional” é o primeiro fator que levará um líder militar a conquistar a confiança de seus subordinados. O líder tem que dominar todos os detalhes de todos os afazeres de sua especialidade (infantaria, cavalaria, engenharia…). Embora em tempo de paz seja uma heresia, mas na guerra dirigir, operar, fazer funcionar tudo o que estiver ao seu dispor e alcance será uma necessidade e poderá salvar vidas. Se não souber tem que saber buscar quem sabe.
O “adestramento” é outro fator importante. O treinamento repetitivo, das atividades, é desgastante. Somente um líder será capaz de motivar os subordinados de que o exaustivo treinamento é que fará, na hora do pânico, o cérebro ordenar ao corpo e este realizar algo necessário, mecanicamente, instintivamente. A velha máxima de que “o suor poupa o sangue” sempre foi muito atual mesmo antes de ser cunhada pelo gênio a que a fez.
A “higidez física” é uma componente que não se resume apenas na saúde como a palavra higidez significa. Esta saúde tem que significar o corpo sem doença e extremamente treinado fisicamente. Elas agirão sinergicamente até o limite genético da pessoa. Não se deseja um atleta de alto nível, mas sim um corpo que resista à fadiga, à intempérie, e a doenças. Infelizmente muitos setores do Exército Brasileiro ainda consideram a educação física um castigo. Não repararam que a atividade física deixou de ser apenas um componente da atividade militar para ser uma componente de saúde pessoal. Os homens das atividades privadas não medem dinheiro para, mesmo pela madrugada, melhorar sua condição física. E os militares ganham (faz parte do salário) para isso, pois no seu período de trabalho está previsto o horário da educação física.
O líder militar é de difícil estudo. Os que estudam o comportamento humano são os psicólogos. Por serem psicólogos, nunca serão militares e nunca estarão em combate. Se houver militar psicólogo dificilmente irá para combate, pois ao se dedicar à segunda formação dificilmente estava ajustado à primeira e terá valores distorcidos. Por isso, talvez quando se tiver um combatente que, depois dos conflitos, se torne psicólogo é que se terá uma melhor avaliação. Assim mesmo terá enorme dificuldade, pois a visão do soldado é uma, do sargento é outra, do capitão é outra diferente e do general outra muito diferente.
Esta é uma visão de um militar que sempre esteve pronto para uma guerra que, felizmente, em trinta e cinco anos não aconteceu – mas estava profissionalmente, adestradamente e saudavelmente preparado, todos os dias, dos trinta e cinco anos de caserna.
Tive, algumas vezes, o ego massageado por companheiros que me nomeavam LÍDER. Nunca estudei os compêndios especializados sobre Liderança. A não ser o velho Manual de Chefia e Liderança (C-20-10). Entretanto, li vários compêndios biográficos de grandes comandantes. De Alexandre, o Grande, até as histórias e exemplos do meu saudoso Guru PAULO NUNES LEAL. Nunca quis ser CHEFE; busquei ser LÍDER.
Há tratados apologéticos sobre Chefia. Eu só fui Chefe pela descrição burocrática da função da organização a que pertenci. Sempre busquei ser líder. Por isso montei um quadro, que começou com três linhas e foi crescendo à medida que eu amadurecia. Não sei quando comecei; sei que terminei em 2007 e a aqui a postei:
Para fechar, registro algumas “REGRAS” que me impus:
- Sempre tratei subordinados como tratei superiores. Perante os superiores tive a humildade de reconhecer que eles sabiam, da arte militar, mais que eu. Perante os subordinados eu me impunha com conhecimentos muito acima dos deles e assim o respeito por mim floria com naturalidade; e isso me levou a constantes estudos da arma;
- Desde aspirante, tratei o recruta com particular atenção. Para mim o recruta está para a atividade militar como a criança de sete anos está para a alfabetização. Assim como a criança terá a complexidade das letras e números e a aprendizagem da socialização, assim o recruta terá a complexidade da guerra e a aprendizagem de viver em coletividade, em comunidade e em sociedade;
- Sempre tratei qualquer subordinado como companheiro de viagem tendo eu mais conhecimento, ou mais velho. O companheirismo nunca ultrapassou os limites da formalidade necessária no ambiente de quartel e nem da informalidade imprescindível nas lides de trabalho duro das construções rodoviárias;
- Sempre fiz, dos que me rodeavam, uma equipe onde cada um sabia exatamente o que fazia, inclusive eu. Pelo exemplo, sempre demonstrei “o quê” queria, “quando” queria, “como” queria, “porque” queria e por “quanto” queria…
- Nunca comandei oficiais: tenentes a tenentes-coronéis; comandei futuros coronéis e comandantes.
- Por todos os lugares que passei, deixei amigos cujos olhos denunciavam que eram mais que amigos: eram “frater” no significado do latim.
Se elas, estas regras, forem úteis a alguém, ficarei lisonjeado.
Campo Grande, 03 de abril de 2002.
(Higino Veiga Macedo)
Por Hiram Reis e Silva (*), Bagé, 25.04.2023 – um Canoeiro eternamente em busca da Terceira Margem.
(*) Hiram Reis e Silva é Canoeiro, Coronel de Engenharia, Analista de Sistemas, Professor, Palestrante, Historiador, Escritor e Colunista;
- Campeão do II Circuito de Canoagem do Mato Grosso do Sul (1989)
- Ex-Professor do Colégio Militar de Porto Alegre (CMPA);
- Ex-Pesquisador do Departamento de Educação e Cultura do Exército (DECEx);
- Ex-Presidente do Instituto dos Docentes do Magistério Militar – RS (IDMM – RS);
- Ex-Membro do 4° Grupamento de Engenharia do Comando Militar do Sul (CMS)
- Presidente da Sociedade de Amigos da Amazônia Brasileira (SAMBRAS);
- Membro da Academia de História Militar Terrestre do Brasil – RS (AHIMTB – RS);
- Membro do Instituto de História e Tradições do Rio Grande do Sul (IHTRGS – RS);
- Membro da Academia de Letras do Estado de Rondônia (ACLER – RO)
- Membro da Academia Vilhenense de Letras (AVL – RO);
- Comendador da Academia Maçônica de Letras do Rio Grande do Sul (AMLERS)
- Colaborador Emérito da Associação dos Diplomados da Escola Superior de Guerra (ADESG).
- Colaborador Emérito da Liga de Defesa Nacional (LDN).
- E-mail: [email protected].
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