Jornada Pantaneira
Relatório Ministério da Guerra
Operações Ativas do Exército e Fatos Ocorridos no Teatro da Guerra
[…] Releva, entretanto, dizer-vos alguma coisa da Expedição, que pelo Sul da Província de Mato Grosso opera no intuito de desalojar o inimigo, nessa Província ainda senhor de importantes posições.
Na paciência, e na resignação com que tem afrontado as intempéries, os trabalhos e as provações de uma ingrata campanha, tem-se tornado ela digna do reconhecimento nacional.
Segundo a máxima do maior Capitão do século, a primeira qualidade do soldado é a constância em suportar as fadigas e as privações; o valor é a segunda: a primeira, exuberantes provas já tem dado de que possuem, em alto grau, as praças da Expedição; quanto à segunda, somente aguardam com ansiedade o momento de encontrarem o inimigo para patenteá-la.
No importante e minucioso relatório da respectiva comissão de engenheiros, que figura entre os anexos, e para o qual chamo a vossa atenção, achareis todos os pormenores da longa marcha rodeada de perigos, e cheia do contrariedade, que fez a mesma Expedição até o Coxim, e deste ponto até a Vila de Miranda, onde ela chegou, às 13h00, do dia 17 de setembro do ano próximo findo.
Até o Coxim lutou ela com muitas dificuldades de toda a espécie; naquele ponto, porém, dura e cruel foi a provação por que passou.
Além de uma epidemia, que arrebatou a muitos oficiais, contando-se entre eles o seu digno comandante, Brigadeiro José Antônio da Fonseca Galvão, falecido a 13 de junho do ano passado, viu-se a Expedição a braços com a penúria e a fome; pois que por causa das grandes distâncias, em Sertões inóspitos, e de se tornarem intransitáveis as estradas em consequência das abundantes chuvas, não puderam ali chegar a tempo os recursos de antemão preparados pelo governo.
Tomou conta do comando das Forças o Tenente-coronel Joaquim Mendes Guimarães, tendo logo procurado remover todas as dificuldades para mudar o acampamento de um lugar que tão fatal estava sendo aos seus comandados.
A 13 de julho, apresentou-se e assumia o comando da Expedição o Coronel José Joaquim de Carvalho, e tratou logo do estabelecimento de uma enfermaria, e deu providências em ordem a proporcionar melhor cômodo às praças da Expedição.
E, reconhecendo a urgente necessidade de uma estrada fácil ao transporte dos recursos inteiramente indispensáveis à Expedição, e acumulados em diversos depósitos, por estarem de todo intransitáveis as estradas de comunicação entre esses depósitos e Coxim, e se inutilizarem nas estações invernosas, mandou o Coronel Carvalho proceder aos estudos, exames e reconhecimentos convenientes, e deliberou, à vista dos esclarecimentos obtidos, ordenar a abertura de uma estrada que, passando por Coxim, se dirigisse a Nioaque por bons terrenos, poupando-se assim trinta léguas de trânsito por caminhos difíceis.
Em 13 de dezembro último, comunicou-me o referido Coronel estar concluída a obra, e entregue ao trânsito público a estrada, que já era frequentada por carros e tropas com víveres e fardamento, gastando-se apenas a quantia de 2:652$000 com tão importante melhoramento.
A 24 de julho, pôs-se a Expedição em marcha, e passando sempre pelos mesmos transes ([1]), chegou no fim do 10 dias ao Rio Taboco, em cuja margem direita acampou a espera de víveres, para depois prosseguir na sua marcha; no entanto fizeram-se os reconhecimentos, explorações e preparativos necessários.
Felizmente chegaram os recursos esperados; à carestia ([2]) substituiu tal ou qual abundando; e as praças da Expedição restabelecerão as suas forças físicas, e receberam o necessário fardamento.
À vista de tão lisonjeiro estado, ordenou-se o prosseguimento da marcha, levantando-se acampamento, no dia 5 de setembro; a 6, chegou a Expedição à margem direita do Rio Aquidauana, no lugar fronteiro do denominado ‒ Porto do Souza –; até o dia 14, consumiu-se o tempo na passagem do Rio, e, no dia 15, continuou a Expedição a sua marcha até a Vila de Miranda, onde, como já vos informei, entrou, no dia 17.
À medida que nossas forças avançavam, os paraguaios iam abandonando as posições mais próximas, por eles ocupadas na sua traiçoeira invasão, e fugiam deixando somente, como prova de sua existência, vestígios do seu canibalismo ([3]).
Quando as nossas forças chegaram à Vila de Miranda, estava completamente livre da invasão todo o Distrito, desde o Coxim até a margem direita do “Apa”, que inteiramente evacuados se achavam os pontos do Souza [no Aquidauana], Espenidio [no Taquaraçu], Santa Rosa [no Brilhante], Vacaria, Forquilha, Nioaque, Colônia dos Dourados e Miranda, Desbarrancado e outros pequenos postos tomados pelos invasores.
Tendo-se notícia de estar ainda ocupado por forças inimigas o ponto de Albuquerque, e por conseguinte interceptada a comunicação fluvial entre a cidade de Cuiabá e Miranda, deliberou o comandante da Expedição preparar-se para avançar sobre aquele ponto, para o que pedia a cooperação do Presidente da Província, tomando várias providências, e organizando uma pequena flotilha de botes e canoas.
O Governo, porém, tinha ordenado por aviso de 30 de abril do ano passado que o Cel José Joaquim de Carvalho respondesse a Conselho de Guerra; e, não tendo ainda o Presidente da Província conhecimento da resolução mandando suspender os processos militares enquanto durar a guerra, ordenou o mesmo Presidente que o Cel Carlos de Moraes Camisão seguisse a tomar conta do comando da Expedição, a fim de ser cumprida a ordem do Governo; e o Cel Carvalho ciente da deliberação a seu respeito, passou a 24 de dezembro o comando da Expedição ao Tenente-coronel Juvêncio Manoel Cabral de Menezes, e seguiu logo para a capital da Província.
No dia 1° de janeiro do corrente ano, chegou o Cel Camisão ao acampamento das Forças Expedicionárias, tomou o seu comando, e tratou de dar-lhe nova organização, tirando-lhes o caráter de um Corpo de Exército, e trazendo com isso não pequena economia para os cofres públicos.
Naquela época compunham-se as referidas Forças de 2.081 praças; e, mediante a solicitude e atividade do Presidente de Goiás na remessa de recursos, nada aí lhe faltou; o estado sanitário, porém, era o pior possível: uma epidemia rebelde a todos os esforços empregados pelos médicos dizimou em grande número as fileiras da Expedição, circunstância esta que aconselhava a mudança do acampamento o quanto antes.
Por isso ordenei-a, indicando o ponto de Nioaque como o mais conveniente para nele estacionar a Expedição, ficando ela ali mais próxima do Rio Apa, onde o inimigo conserva alguns pontos fortificados e possíveis de serem batidos e ocupados pelas nossas Forças além da grande vantagem resultante da aproximação destas Forças à nossa fronteira, cobrindo ao mesmo tempo o Sul da Província de Mato Grosso, e prevenindo a continuação das correrias dos vândalos por aquele lado.
Para tão conveniente transferência de acampamento fizeram-se todos os preparativos, tomando-se as devidas providências, e ordenaram-se as necessárias explorações; em uma das quais o Capitão de índios, Lapagate, com alguns dos seus, seguiu até o “Apa”, encontrando na fronteira um ponto ocupado por 20 paraguaios que foram batidos completamente, escapando-se somente cinco.
Segundo comunicou-me o Coronel Camisão, pôs-se ele em marcha, a 7 de janeiro, para Nioaque, e em 27 do mesmo mês tinha chegado àquele ponto e predispunha-se, em cumprimento das ordens do Governo, a marchar sobre o “Apa” com as forças do seu comando, que, inflamadas de sentimentos patrióticos, desejam cruzar as suas armas com as do inimigo.
Sem combater, sem despender um só tiro, e unicamente com a sua aproximação, conseguiram essas Forças fazer o inimigo desertar de posições importantes; e muito se deve esperar de uma Expedição, que tão sobranceira e resignada se mostrou nos diversos transes por que tem passado.
O inimigo a teme, pois consta ter ele fortificado Corumbá com um navio do guerra e 109 praças, conforme o Presidente de Mato Grosso participou ao Governo em ofício, de 23 de fevereiro último.
Na cidade de Cuiabá existia pronta uma força de 3.000 homens com 8 bocas de fogo de Calibre 4 raiadas; bem armadas e municiadas, em breve se reuniram as forças expedicionárias ao Sul da Província, para com elas obrar contra o inimigo.
Cumpre-me declarar-vos que ao Governo Imperial não tem sido indiferente a dedicação, constância e resignação nos sofrimentos, e bem assim o valor nos combates, patenteados pelos defensores do Estado no teatro dos acontecimentos: aos que se distinguem por ações meritórias, segundo as Ordens do Dia dos respectivos chefes, remunera com postos de acesso, ou com condecorações honoríficas do Império; aos inutilizados, voluntários ou de linha, a ponto de dificilmente proverem os meios de sua subsistência, concede pensões; as praças de pret ([4]), que regressam inválidas, são recolhidas no respectivo asilo, onde, com toda a humanidade, recebem alimento, o curativo de suas moléstias e o fardamento necessário; os oficiais Voluntários da Pátria, inutilizados por ferimentos, tem as honras do posto: as viúvas e filhos dos bravos, que sucumbem por moléstias adquiridas em serviço de campanha, são amparados da miséria, pois além do meio soldo a que têm direito; recebem uma pensão equivalente; e ultimamente Sua Majestade o Imperador, querendo dar uma prova de quanto considera os serviços relevantes dos mais bravos das nossas Forças em operações, houve por bem por Decreto n° 3.853, do 1° de maio deste ano, criar uma medalha de bravura.
Na órbita de suas atribuições, o Governo Imperial nada tem esquecido dos serviços daqueles que, com sacrifício de todas as suas comodidades, com sacrifício até da própria vida, longe da sua Pátria, e de tudo quanto lhes é caro, defendem com denodo os direitos e a honra do Império.
É um dever sagrado que o Governo cumpre, solicitando, por meu intermédio, vos digneis de aprovar o mais breve possível as pensões concedidas, a fim dos agraciados poderem entrar no gozo deste benefício, que de algum modo os abriga da miséria.
Ao terminar esta sucinta narração dos principais fatos ocorridos desde maio do ano passado em relação às operações militares das forças do Império, apresento-vos o resumo dos contingentes remetidos da Corte, desde aquele mês, para engrossarem as fiteiras do nosso Exército em operações.
De onde se vê que somente de agosto até hoje, tem ido engrossar as Forças em operações, por parte do Ministério da Guerra, 19.223 praças. (RMG, 1867)
Por Hiram Reis e Silva (*), Bagé, 15.03.2023 – um Canoeiro eternamente em busca da Terceira Margem.
Bibliografia
RMG, 1867. Operações Ativas do Exército e Fatos Ocorridos no Teatro da Guerra – Brasil – Rio de Janeiro ‒ RJ – Relatório do Ministério da Guerra – Tipografia Nacional, 1867.
(*) Hiram Reis e Silva é Canoeiro, Coronel de Engenharia, Analista de Sistemas, Professor, Palestrante, Historiador, Escritor e Colunista;
- Campeão do II Circuito de Canoagem do Mato Grosso do Sul (1989)
- Ex-Professor do Colégio Militar de Porto Alegre (CMPA);
- Ex-Pesquisador do Departamento de Educação e Cultura do Exército (DECEx);
- Ex-Presidente do Instituto dos Docentes do Magistério Militar – RS (IDMM – RS);
- Ex-Membro do 4° Grupamento de Engenharia do Comando Militar do Sul (CMS)
- Presidente da Sociedade de Amigos da Amazônia Brasileira (SAMBRAS);
- Membro da Academia de História Militar Terrestre do Brasil – RS (AHIMTB – RS);
- Membro do Instituto de História e Tradições do Rio Grande do Sul (IHTRGS – RS);
- Membro da Academia de Letras do Estado de Rondônia (ACLER – RO)
- Membro da Academia Vilhenense de Letras (AVL – RO);
- Comendador da Academia Maçônica de Letras do Rio Grande do Sul (AMLERS)
- Colaborador Emérito da Associação dos Diplomados da Escola Superior de Guerra (ADESG).
- Colaborador Emérito da Liga de Defesa Nacional (LDN).
- E-mail: [email protected].
[1] Mesmos transes: mesmas aflições. (Hiram Reis)
[2] Carestia: escassez. (Hiram Reis)
[3] Do seu canibalismo: da sua selvageria. (Hiram Reis)
[4] Praças de pret: eram contratados por dias de trabalho (de pret) e os Oficiais por contratos de três anos. (Hiram Reis)
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