Antropólogo da Unesp analisa histórico de invasões de garimpeiros ao território Yanomami e os desafios da nova operação de remoção empreendida pelo governo federal. Paulo Santilli explica que forças armadas apoiavam o garimpo como forma de promover a ocupação do Norte do país. “Essas retiradas de garimpeiros já ocorreram sucessivas vezes no passado. Mas toda a estrutura que deveria mantê-los longe foi desmantelada”, diz.
O governo Lula (PT) iniciou nesta semana a megaoperação de retirada de garimpeiros ilegais na Terra Indígena Yanomami, em Roraima. O ministro da Defesa, José Múcio, vai ao estado para coordenar a iniciativa junto aos comandantes das Forças Armadas. A nova gestão petista acredita que existam ao menos 15 mil garimpeiros ilegais no local, mas o número pode chegar a 40 mil. Durante sua campanha, Lula sinalizou que uma das prioridades seria a redução a zero da exploração ilegal em terra indígena, problemas que se agravaram durante o governo Jair Bolsonaro.
Ao todo, o território yanomami tem cerca de 96 mil km². Não há um número exato de quantos invasores exploram o local ilegalmente. De acordo com autoridades envolvidas no processo, estima-se que, na previsão mais otimista, a megaoperação dure no mínimo dois meses, mas as Forças Armadas já se preparam para um período mais amplo.
Ainda no início desta semana, foram ventiladas inúmeras notícias e vídeos nas redes sociais registrando a fuga dos garimpeiros e o caos que essa movimentação está gerando na região. O ministro da Justiça, Flávio Dino, afirmou que os garimpeiros têm saído, e que o governo está acompanhando o fluxo de saída. Segundo Dino, a previsão é que esse movimento se amplie nos próximos dias. A expectativa é que, em breve, pelo menos 80% desse contingente que ultrapassa as 15 mil pessoas tenha deixado o território yanomami.
Dino chamou a situação de afastamento compulsório e disse que as ações da pasta estarão voltadas à apreensão e destruição de equipamentos e de pistas clandestinas de pouso de aeronaves. Segundo o ministro, a ação pode envolver a prisão em flagrante de pessoas. Oficialmente, o governo tem evitado dar detalhes sobre como irá proceder no processo.
Nesse bojo também há relatos de que também estão fugindo assustados da região muitos outros profissionais que não são garimpeiros. Isso inclui mulheres que trabalham no apoio à atividade local, mas não diretamente no garimpo ilegal, entre outros.
Segundo informações na mídia brasileira, o clima é de desespero, causado pela falta de transporte, de informações e, agora, também de comida.
Em 30 de janeiro, o presidente assinou um decreto em que autorizava a Aeronáutica a controlar o espaço aéreo sobre o território indígena Yanomami. Interdição de aviões do garimpo. Aviões e equipamentos de apoio à mineração ilegal poderão ser interditados por agentes da PF (Polícia Federal), do Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Renováveis) e de demais órgãos do governo, nos casos em que forem constatadas atividades ilícitas. Durante o governo Bolsonaro, esse controle foi praticamente inexistente.
Paulo José Brando Santilli, antropólogo e professor da Unesp, campus de Araraquara, relata os impactos devastadores do garimpo ilegal em Terra Yanomami. “O garimpo ilegal é devastador em Terra Yanomami ou em qualquer outra região que abrange povos indígenas e nativos de forma geral. Em termos ambientais essa atividade gera poluição da água com mercúrio e outros metais pesados, promove o desmatamento entre outros problemas. Em relação aos aspectos sociais e culturais, o garimpo ilegal é vetor de inúmeras pandemias: malárias, doenças venéreas, sarampo e gripes fortes que para essa população pode ser letal. Essas populações têm outras defesas orgânicas, mas não contra essas epidemias. Então, nas aldeias, quando uma pessoa cai com febre ou com malária ela deixa de ir à roça, caçar, pescar e aí vem a fome que gera estados de calamidades, dizimam vidas. Além disso, esses espaços acabam criando conjuntos de homens que assediam índias, exploram mulheres, tráfico de drogas e armas, enfim, devastam os povos indígenas”
Santilli explica que a grande parte dos garimpeiros é financiada por empresários e apoiada por políticos locais que se beneficiam de alguma forma dessas situações degradantes. “É uma estrutura ampla que envolve logística, transporte aéreo, de embarcações, maquinários de empresários que estreitam conexão com políticos locais, que são beneficiados com essas questões que também estão associadas ao tráfico de drogas e extração de madeira. Trata-se de um conjunto montado e articulado. Foi o tempo que o garimpeiro se dirigia a essas regiões por meio de anúncios ou espontaneamente. Por outro lado, vale sinalizar que muitas dessas pessoas que migram para esses lugares também estão numa posição difícil, pois enfrentam fome, miséria, crimes entre outras explorações que também levam à morte desses garimpeiros”.
Com vasta experiência no assunto, o antropólogo da Unesp destaca que esta ação do governo, apesar de não ser inédita, é fundamental para preservar os Yanomami e outras populações indígenas. “Esta ação é imprescindível para que o convívio na região não envolva essa violência e mortandade que estamos assistindo. Essa também não é a primeira vez, nem segunda, nem terceira.
“A primeira grande invasão ocorreu por ocasião da abertura da Rodovia Perimetral Norte, durante o final dos anos setenta e início dos oitenta, quando milhares de garimpeiros foram para região. Posteriormente, ainda no governo Sarney, houve um decreto instituindo a criação de 18 reservas garimpeiras no interior deste território onde viviam os Yanomami.”
Ele explica que no início dos anos 1990 houve a retirada dos garimpeiros. Essa decisão foi tomada, de forma espetaculosa, pelo presidente Fernando Collor ainda em seu primeiro dia de mandato. Ele sabia que a questão Yanomami receberia holofotes junto à mídia internacional e poderia lhe render visibilidade. “Collor apareceu em trajes militares enquanto ocorria a explosão de pistas de garimpo”, lembra.
“A atual ação pode dar novos rumos ao cenário. Se houver uma atuação dos índios em parceria com órgãos de controle, associações indigenistas, pesquisadores e a presença do Estado por meio das Forças Armadas e PF, eu acredito que os povos e suas terras possam ser respeitados. Isso tudo tem um custo alto. Entretanto, se houver interesse por parte das autoridades, essa nova fase pode gerar possibilidades de manter uma situação adequada, resultando no crescimento demográfico das populações, na criação de novas aldeias, nos espaços de roças e em uma relação mais saudável, com condições básicas de cidadania, e na erradicação das doenças e da degradação ambiental”, diz.
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