Descendo o Rio Branco            –            (final) 

Novo Airão – CECMA (28 a 29.08.2019)

Novo Airão / Manaus
(28 a 29.08.2019)

28.08.2019 (Novo Airão / AC 07)

O Sonho dos Sonhos
(Múcio Teixeira)

Quanto mais lanço as vistas ao passado,
Mais sinto ter passado distraído
Por tanto bem – tão mal compreendido,
Por tanto mal – tão bem recompensado!    

Em vão relanço o meu olhar cansado
Pelo sombrio espaço percorrido:
Andei tanto – em tão pouco… e já perdido
Vejo tudo o que vi, sem ter olhado! 

E assim prossigo sempre para diante,
Vendo, o que mais procuro, mais distante,
Sem ter nada – de tudo o que já tive… 

Quanto mais lanço as vistas ao passado,
Mais julgo a vida – o sonho mal sonhado
De quem nem sonha que a sonhar se vive!

Acordei às 04h15, tomei um bom banho, arrumei as poucas tralhas com calma fiz duas viagens pela enorme escadaria levando o material para perto do caiaque. Com o Argo I pronto partimos, às 05h10, usando a lanterna de cabeça, a escuridão era total. Al­guns navegantes curiosos não satisfeitos em identificar que se tratava de uma pequena embarcação focavam seus holofotes diretamente nos meus olhos provocando uma cegueira temporária.

A jornada transcorreu agradável e tranquila, as nuvens bloqueavam o Sol amenizando a canícula e uma leve brisa embalava o Argo I pelas negras águas. Às 10h00, quando parei para avaliar o trajeto e meu desempenho, medi a velocidade do caiaque descen­do de Bubuia e o GPS marcou 0,8 km/h. O Sol tomou conta do firmamento, os ventos de proa de 10 km/h, provocavam vagas que chegavam a quase um metro de altura e a velocidade baixou para 6 km/h. Foram mais de duas horas sofridas em que senti que seria impossível atingir meu objetivo – a região do antigo Hotel Ariau. À tarde verifiquei que o caule da vegetação submersa não denunciava nenhuma correnteza. Certamente o Solimões barrava a impetuosidade do Negro. Foi por isso que minha velocidade se igualou àquela que desen­volvo no Rio Guaíba e nos Mares de Dentro (7,2 km/h ou 4 nós) onde a velocidade da torrente é nula.

Do meio-dia em diante os ventos arrefeceram um pouco assim como as ondas, mas o esforço fora demasiado e resolvi aportar por volta das 15h00. Os trovões à Boreste não me agradavam, tinha uma baía entre a ponta da prainha e o istmo do Ariau e eu não estava em condições de enfrentar mau tempo tão afastado da margem. Há uns30 metros da água tinha um arbusto, a sombra ia cair bem, um bando de talha-mares, aquerenciado no local, seriam meus cães de guarda, coloquei o carrinho no Argo I e me instalei. Espero aportar no porto do Centro de Embarcações do Comando Militar da Amazônia (CECMA) antes das 15h00 de amanhã.

Total 12° Dia ‒ N. Airão / AC 07               =   80,0 km
Total Geral ‒ P. Macuxis / AC 07               = 815,0 km

Acampamento 07 – AC 07 (28.08.2019)

29.08.2019 (Cercanias do Ariau / CECMA)

Malaca Conquistada
(Francisco de Sá de Menezes)
Livro I – LXX

Considera melhor primeiro quanto
Aventuras, e o fim desta jornada;
Na qual o conhecido risco é tanto,
E o que ganhar se pode é pouco, ou nada […]

Noite tranquila, as talha-mares não sinalizaram nenhum movimento anômalo na prainha, a barraca sem toldo permitia uma aragem fresca e uma visão ímpar da abóbada celeste. O ombro está cem por cento curado, em compensação minhas costas precisam de analgésicos para que eu possa dormir.

Acordei, às 04h00, e parti às 05h00 na direção Leste procurando me aproximar o mais possível da margem esquerda. Pelas 09h00 ultrapassava o ponto mais estreito de todo o Rio Negro. O rendimento de hoje era bem superior ao de ontem, o vento do quadrante Este deu uma trégua e uma suave correnteza permitia que o Argo I deslizasse mais suavemente.

Pelas 11h00, ao passar pela Ponta Negra, recebi a resposta do Major Magalhães de que era melhor apor­tar no CECMA. Aproei para lá onde aportei às 11h30 e de onde fui resgatado às 12h45. A movimentação era grande no Grupamento em apoio à diversas atividades, Operação Acolhida aos venezuelanos e Operação Verde Brasil atuando no combate às queimadas da região da Amazônia, por isso mesmo, fiquei em um alojamento coletivo.

Combinei então com o Cel Angonese que adiantasse minha passagem para Vilhena o quanto antes.

Esta descida de 13 dias desde Boa Vista, RR, até Manaus, AM, concretizou 13.366 km de descidas em di­versos Rios da Bacia Amazônica. Um número extrema­mente fatídico, e esta dupla coincidência do número de dias da jornada atual e do somatório de todas as jornadas já previsto pelo Grande Arquiteto do Universo fez com que ele me desse um sutil alerta através de meu manguito rotador direito, ainda bem que não foi o esquerdo.

Obrigado a cada um de vocês que torceram, apoiaram e incentivaram nossa humilde jornada. Sem vossos préstimos certamente não teríamos atingido com tanta tranquilidade nosso objetivo final.

Porto do CECMA (29.08.2019)

Total 13° Dia ‒ Cercanias Ariau / CECMA  =   45,0 km
Total Geral ‒ P. Macuxis / CECMA             = 860,0 km

Por Hiram Reis e Silva (*), Bagé, 17.02.2023 – um Canoeiro eternamente em busca da Terceira Margem.  

(*) Hiram Reis e Silva é Canoeiro, Coronel de Engenharia, Analista de Sistemas, Professor, Palestrante, Historiador, Escritor e Colunista;  

  • Campeão do II Circuito de Canoagem do Mato Grosso do Sul (1989)
  • Ex-Professor do Colégio Militar de Porto Alegre (CMPA);
  • Ex-Pesquisador do Departamento de Educação e Cultura do Exército (DECEx);
  • Ex-Presidente do Instituto dos Docentes do Magistério Militar – RS (IDMM – RS);
  • Ex-Membro do 4° Grupamento de Engenharia do Comando Militar do Sul (CMS)
  • Presidente da Sociedade de Amigos da Amazônia Brasileira (SAMBRAS);
  • Membro da Academia de História Militar Terrestre do Brasil – RS (AHIMTB – RS);
  • Membro do Instituto de História e Tradições do Rio Grande do Sul (IHTRGS – RS);
  • Membro da Academia de Letras do Estado de Rondônia (ACLER – RO)
  • Membro da Academia Vilhenense de Letras (AVL – RO);
  • Comendador da Academia Maçônica de Letras do Rio Grande do Sul (AMLERS)
  • Colaborador Emérito da Associação dos Diplomados da Escola Superior de Guerra (ADESG).
  • Colaborador Emérito da Liga de Defesa Nacional (LDN).
  • E-mail: [email protected].

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