Descendo o Rio Branco
Caracaraí – S. M. Boiaçu
(15 a 18.08.2019) – Parte III
Relatos Pretéritos de Santa Maria do Boiaçu
Antonio Teixeira Guerra, 1957
No baixo Rio Branco propriamente, o único centro populacional de relativa importância é Santa Maria do Boiaçu, situado na margem esquerda de um “paraná” do Rio Branco. Aliás esta circunstância de não estar localizado diretamente na margem do Rio Branco e sim na margem de um paraná tem prejudicado um pouco o seu desenvolvimento. Este é um dos poucos lugares de “terra firme” no baixo Rio Branco e que se encontra a pouca distância da estrada natural, constituída pelo Rio.
O barranco de 7 a 8 metros sobre o qual estava outrora instalada pujante floresta que foi sendo posta abaixo para dar lugar ao povoado que atualmente aí existe, está sendo esbarrancado com violência graças à erosão das águas de escoamento superficial difuso e também pelo solapamento ocasionado pela erosão fluvial.
Santa Maria do Boiaçu possui atualmente [fevereiro 1954] 20 casas abrigando cerca de 80 pessoas. Foi a partir de junho de 1949, quando a administração territorial fez algumas construções na região, que começou a se desenvolver o adensamento populacional que aí existe. A pesca é a principal atividade da população. Esta é, porém, praticada apenas no “verão”, enquanto na época do inverno os que possuem algumas “pontas de castanhas” ([1]) vão se dedicar a esta já que a pesca não pode ser praticada com bons resultados.
A quase totalidade das transações comerciais dessa população de Santa Maria do Boiaçu e de todo o baixo Rio Branco é feita com os regatões. Para se sentir a maneira como estes comerciantes sacrificam de modo bárbaro os habitantes que lhes estão sujeitos, vamos transcrever um trecho de um relatório de uma expedição enviada pelo Dr. Valério Caldas de Magalhães ao baixo Rio Branco, em 1952, que caracterizou com muita propriedade este tipo de comerciante dizendo:
O regatão extorque-lhes os minguados recursos, comprando os produtos que têm, por ínfimo preço vendendo-lhes em troca mercadorias caríssimas. Para corroborar essa afirmativa, há o preço da farinha do Pará, cujo encapado ([2]) é vendido pelos regatões em Caracaraí ao preço de Cr$ 150,00. Dois dias abaixo de Caracaraí, no lugar denominado Aças tuba a 122 milhas abaixo da vila mencionada, vimos sobre o soalho da choupana de um pescador que estava doente de uma ferida na perna, 4 encapados da referida farinha, perguntamos o preço pelo qual tinha adquirido o encapado, este respondeu que tinha comprado por Cr$ 200,00 o encapado. Por curiosidade perguntamos de quem havia comprado tão caro? Respondeu-nos que tinha comprado do Renato, regatão que estava vendendo em Caracaraí farinha pelo preço que acima já foi dito. Ainda perguntamos o que tinha vendido em troca da farinha?
Respondeu-nos nessas palavras textuais:
Comprei-a a troco de dinheiro limpinho.
Ora Açaituba, como já foi dito, fica abaixo de Caracaraí 122 milhas e o preço da mercadoria devia ter relação com a distância. Porque em Caracaraí é mais barata quando essa vila está muito acima de Açaituba? Extorsão aos guardiães de nossas finanças. Mas o homem, sem apoio, tudo aceita. É o caso dos homens do baixo Rio, se não for o regatão onde vão eles suprir as suas necessidades, se não existem outros comerciantes?
Somente o regatão lhes ameniza as torturas da vida, priva-os de perecer de inanição, mas de um modo quase desumano, fora do que é regulado por um comércio legal. No Rio Xeurini, foi perguntado a um castanheiro como os regatões pagavam a castanha, e, fomos informados que o preço da mesma atualmente é de Cr$ 80,00, por barrica.
Como se sabe, a castanha tem a sua medida legal que é o hectolitro, que está sendo liquidado em Manaus à razão de Cr$ 280,00 cada medida daquelas amêndoas. A barrica, além de ter um preço ínfimo, tem o aumento de 20% da medida citada.
Pode-se afirmar que em todo o baixo Rio Branco, com exceção das poucas transformações feitas em Santa Maria, o restante da área continua com o mesmo aspecto do tempo em que o município fazia parte do Estado do Amazonas.
Realmente a paisagem natural no baixo Rio Branco muito poucas transformações sofreu por parte do grupo humano que aí vive disperso.
Aliás esta situação é fácil de ser compreendida uma vez que é ínfima a que habita esta região. Resumindo podemos dizer que Boa Vista é a única cidade do território e o seu maior desenvolvimento ocorreu depois de 1943, quando passou à categoria de capital. (GUERRA, 1957)
Anais da Câmara dos Deputados, 1958
A situação geográfica do Território Federal do Rio Branco apenas possibilita duas espécies de tráfego aéreo e fluvial. A população rio-branquense, ainda rarefeita, em parte adotando quase que o nomadismo [população de garimpos], tem dificultado tornar-se o Território autossuficiente, estando, em consequência sujeito ao regime de importação de mercadorias essenciais à sua vida. Sabemos que o transporte aéreo, bastante caro, contribui para que no Território tenha o padrão de vida possivelmente mais caro do Brasil. Preciso se torna, sem maiores demoras, a solução do transporte fluvial, mais barato e que não apresenta, como o aéreo, o problema de espaço.
Com a visão tida na cachoeira do “Bem Querer” foi que providenciamos junto ao Plano de Valorização Econômica da Amazônia a inclusão de uma verba para o procedimento dos estudos necessários ao aproveitamento do Canal do Cujubim, contornando a cachoeira em apreço, o que virá melhorar consideravelmente o transporte fluvial, possibilitando navegação franca de Manaus a Boa Vista durante o período da estiagem. Sentimos igualmente ao visitarmos Santa Maria do Boiaçu, núcleo mais populoso do Baixo Rio Branco, ser a sua localização inadequada ao desenvolvimento regional. Situada à margem esquerda do Rio Branco, em todas as épocas sofre os feitos da erosão que já ameaça, pela forma contínua, atingir os próprios territórios ali existentes. A densidade da mata, puramente amazônica, é um entrave ao desenvolvimento de Santa Maria do Boiaçu, visto que nem mesmo a criação de gado será possibilitada, o que significa, jamais poder tornar-se aquela população capacitada para a sua própria alimentação. […]
Em decorrência da exuberância da mata, e a baixa vertiginosa das águas, está Santa Maria do Boiaçu fadada, permanecendo no local onde se acha, a ficar privada por longos e longos anos da comunicação aérea em face da soma vultosa que seria necessária para a abertura de uma pista e não dar o Rio, pela razão acima exposta pouso a aviões tipo Catalina. Detendo-nos no exame do assunto procurando solucioná-lo, resolvemos mudar o Posto Administrativo para outra região mais apropriada, seis quilômetros a jusante onde outras são as condições do Rio e terreno.
Ali, a mata é menos exuberante, já se apresentando numa grande faixa condições de campo, não sujeito às alagações, Rio com calado suficiente em todas as épocas para o pouso de Catalinas. Imediatamente, com o pessoal da administração, iniciamos o trabalho de limpeza de uma área de 6 quilômetros, determinando fosse feita uma observação do regime dos ventos, para podermos atacar a construção de uma pista que possibilite pelo menos pouso de pequenas aeronaves. De posse do estudo, foi procedida a locação da pista, cujos trabalhos já se acham em andamento. Apesar de não ser Santa Maria do Boiaçu, como era voz corrente, lugar sumamente insalubre, sofre a sua população, constantemente, os efeitos do pium. O novo local, por ser mais aberto, oferece a vantagens de não ser sujeito à praga. (ACD, 1958)
Roraima em Foco,
Boa vista, RR – Sexta-feira, 30.08.2019
Roraima Forma Primeira Turma do
Curso de Policiamento Ambiental
A Segurança Pública de Roraima está sendo fortalecida e uma das ações para concretizar esse objetivo foi a formação da primeira turma de Policiamento Ambiental do Estado, que ocorreu nesta quinta-feira, 29, no Palácio Senador Hélio Campos. Ao todo, 32 militares foram formados, sendo que desses, 22 são Policiais Militares de Roraima, três do Corpo de Bombeiros de Roraima, um Guarda Municipal de Boa Vista e um de Mucajaí, além de um Policial Militar de São Paulo, dois Policiais Militares do Mato Grosso, um Policial Militar do Maranhão e um do Acre. O curso iniciou em maio e terminou nesta quinta-feira, 29.
Esta é uma ação muito importante para promover a segurança dos roraimenses e a proteção do Meio Ambiente.
Frisou o governador de Roraima, Antonio Denarium, que foi o primeiro governador da Amazônia Legal a assinar uma GLO [Garantia da Lei e da Ordem], que pede o apoio da União caso haja algum foco de incêndio em florestas no Estado.
O comandante da PMRR [Polícia Militar de Roraima], Coronel Elias Santana, explicou que já existe desde 2010 uma Companhia Independente de Policiamento Ambiental, a CIPA, mas que os policiais não tinham conhecimento técnico, apenas o que era adquirido ao longo das experiências de missões.
“Agora são 22 Policiais Militares totalmente habilitados para atuar em operações nas regiões ribeirinhas e de matas, além de ter conhecimento da legislação referente a fauna e a flora, bem como na aplicação de notificações contra crimes ambientais e para atuar em qualquer situação que ofereça dano ou risco ao meio ambiente”, disse. […] (RORAIMA EM FOCO, 30.08.2019)
Navegante I
(Lis Nogueira)
Curvo-me diante da vida
E das tempestades em mim.
Aceito que os estrondos gotejem
Sob a forma de lágrima sofrida.
Sigo sem rumo,
Esperando a bonança, ainda que breve,
Pois no meu caso, não há.
Há apenas o equilíbrio em um barco
Que insiste em naufragar.
Mesmo sendo a bonança
Uma lâmina de águas calmas,
Onde as almas não evoluem e não aprendem nada,
Eu me contento com a minha carga quase à deriva.
Sou capitão, marujo e bússola.
Caio, levanto, sofro, decido, aprendo;
Busco no céu a clemência,
Mas a tempestade é soberana e me toma o céu também. […]
Por Hiram Reis e Silva (*), Bagé, 06.02.2023 – um Canoeiro eternamente em busca da Terceira Margem.
Bibliografia
GUERRA, Antonio Teixeira. Estudo Geográfico do território do Rio Branco – Brasil – Rio de Janeiro, RJ – Conselho Nacional de Geografia (CNG), IBGE, 1957.
RORAIMA EM FOCO, 30.08.2019. Roraima Forma Primeira Turma do Curso de Policiamento Ambiental – Brasil – Boa Vista, RR – Roraima em Foco, 30.08.2019.
(*) Hiram Reis e Silva é Canoeiro, Coronel de Engenharia, Analista de Sistemas, Professor, Palestrante, Historiador, Escritor e Colunista;
- Campeão do II Circuito de Canoagem do Mato Grosso do Sul (1989)
- Ex-Professor do Colégio Militar de Porto Alegre (CMPA);
- Ex-Pesquisador do Departamento de Educação e Cultura do Exército (DECEx);
- Ex-Presidente do Instituto dos Docentes do Magistério Militar – RS (IDMM – RS);
- Ex-Membro do 4° Grupamento de Engenharia do Comando Militar do Sul (CMS)
- Presidente da Sociedade de Amigos da Amazônia Brasileira (SAMBRAS);
- Membro da Academia de História Militar Terrestre do Brasil – RS (AHIMTB – RS);
- Membro do Instituto de História e Tradições do Rio Grande do Sul (IHTRGS – RS);
- Membro da Academia de Letras do Estado de Rondônia (ACLER – RO)
- Membro da Academia Vilhenense de Letras (AVL – RO);
- Comendador da Academia Maçônica de Letras do Rio Grande do Sul (AMLERS)
- Colaborador Emérito da Associação dos Diplomados da Escola Superior de Guerra (ADESG).
- Colaborador Emérito da Liga de Defesa Nacional (LDN).
- E-mail: [email protected]
[1] Pontas de castanhas: pequenos castanhais. (Hiram Reis)
[2] Encapado: mercadoria embalada em sacos de juta. (Hiram Reis)
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