Descendo o Rio Branco
Caracaraí – S. M. Boiaçu
(15 a 18.08.2019) – Parte II
17.08.2019 (AC 03 / AC 04)
Parti às 05h00, tendo absoluta certeza de que não conseguiria vencer os mais de 110 km em apenas um dia. A lenta recuperação da cirurgia não me permitira atingir a plena forma física. Até 75 km, remando durante 9 horas era uma meta confortável, a partir daí só com muito sacrifício. Coloquei, portanto, como objetivo hoje buscar um local de acampamento a meia distância entre a Foz do Água Boa e Santa Maria do Boiaçu.
A progressão era tranquila, passei pela foz do tortuoso Rio Catrimani, diversas ilhas-igapó e, antes do meio-dia, estava distraído comparando a carta com o terreno quando avistei o que parecia se tratar de um pesqueiro localizado na margem esquerda do Rio Branco nas coordenadas 00°01’01,3” N / 61°47’08,7” O.
Lá chegando, contatei o Bito que me mostrou um telheiro com piso elevado onde eu poderia montar minha barraca. Às 12h30, estava tudo pronto. Amanhã aportaremos em Santa Maria do Boiaçu. A primeira baixa no tal pesqueiro foi meu sabonete que tinha esquecido no convés do Argo I. A quantidade de porcos, criados a campo, é impressionante, ainda bem que o piso é elevado. Aproveitei para esticar as pernas, pela enorme plantação de açaís solteiros (Euterpe precatoria Mart) que possui uma qualidade muito superior ao juçara (E. edulis Mart.) e açaí de touceira (E. oleraceae Mart.). Estudo recente, realizado pela Universidade do Arkansas (USA) revelou que os frutos do açaí solteiro possuem uma capacidade antioxidante e efeito anti-inflamatório bem superior aos do juçara e o de touceira.
Deitei, por volta pelas 18h00, a chuva chegou logo em seguida e se estendeu até por volta das 04h00.
Total 5° Dia ‒ AC 03 / AC 04 = 55,0 km
Total Geral ‒ P. Macuxis / AC 04 = 361,0 km
18.08.2019 (AC 04 / Santa Maria do Boiaçu)
Levantei, às 04h40, e depois de arrumar as tralhas fiz a primeira viagem deixando o material na escadaria da casa, perto do caiaque e longe dos porcos, cujo chiqueiro fica sob a casa principal. No Rio Juruá, no dia 05.01.2012, na Comunidade “Extremo da Boa Fé”, acantonamos numa escolinha, sob palafitas, onde os porcos faziam morada e os grunhidos constantes incomodavam por demais.
No pesqueiro, segundo o Bito e o Areias os macuchos os protegiam das onças que já tinham devorado três suínos.
Estava realizando pela segunda vez o transporte do material quando o Areias apareceu e começou gentilmente a me ajudar a carregar as tralhas. Parti às 05h05 e às 05h17 adentrava no Hemisfério Sul, transpondo a linha do Equador. O céu estava limpo e estrelado, e o nosso satélite natural engalanado por um belo halo lunar destacava-se sobranceiro no firmamento.
As nuvens do tipo cirros (10.000 m de altitude), na troposfera, apresentam microscópicos cristais de gelo e quando os raios lunares passam por essa delicada camada de nuvens, a luz se refrata formando uma espetacular auréola que no Rio Grande do Sul seria interpretado como sinal de bom tempo, mas que na Amazônia seria, talvez, considerado apenas um adereço lunar.
Os primeiros sinais do Astro Rei se delineavam no Oriente a partir das 05h30 e às 06h17 surgia ele no seu esplendor e logo em seguida o calor de seus raios gerava uma névoa fechada que se estendia como um véu encobrindo todo o horizonte. Só consegui tirar algumas fotos depois das 08h00.
Há uns 14 km da localização de Boiaçu que constava do GPS me pareceu equivocada, a alagação prejudicava minha orientação. O SGT Felipe da Marinha do Brasil tinha fornecido a localização correta mas eu não tinha marcado a mesma no GPS. Desconsiderei a indicação do GPS e segui os mapas e minha intuição.
Em Boiaçu, cheguei perto de um residência para perguntar onde ficava o destacamento da PM e só me deixaram partir depois de comer um peixe assado com farinha. A PM, que já tinha sido alertada pelo CT Kenned, me recebeu de braços abertos como sempre.
O SGT Sérgio ajudou-me a carregar o caiaque e o SGT Marcelo preparou um excelente Strogonoff de frango. As acomodações tinham ar condicionado e pude tomar meu primeiro banho com água limpa em 4 dias.
Enviei uma mensagem para os familiares e apoiadores:
Tudo tranquilo. Vou organizar meu quarto, tomar um banho e depois mando mais notícias. Beijo no coração de meus anjos da guarda.
Total 6° Dia ‒ AC 04 / S. M. do Boiaçu = 63,0 km
Total Geral ‒ Ponte dos Macuxis / AC 04 = 424,0 km
19.08.2019 (Santa Maria do Boiaçu)
Às 05h30, excursionei por S. Maria do Boiaçu, um reconhecimento rápido na pequena vila de apenas uns 200 habitantes.
A quebra da rotina aconteceu com a chegada de um barco regional comandado pelo Tenente Capa Verde lotado de instrutores e estagiários do “I COPAM 2019” (I CURSO DE OPERAÇÕES POLICIAIS AMBIENTAIS).
Eu tinha cruzado, em Caracaraí, com o pessoal da ambiental que estava às voltas com o fretamento de um embarcação totalmente irregular e marinhagem com documentos falsificados.
A cidade teve sua rotina profundamente alterada com a chegada do “I COPAM 2019”. A movimentação intensa gerou muita curiosidade, palestras foram realizadas para as crianças e à noite uma salutar confraternização entre instrutores, estagiários e convidados.
Solicitei ao Tenente Capaverde para me enviar um breve sumário de seu currículo:
Ubirajara Dutra Capaverde JÚnior
Bom dia!
Atendendo à solicitação do dileto Irmão segue a minha apresentação e das funções que exerço na PMRR:
Chamo-me Ubirajara Dutra Capaverde Junior, tenho 42 anos, sou natural de Porto Alegre-RS, mas moro em Boa Vista, RR a mais de 20 anos.
Academicamente sou Biólogo com Mestrado em Ecologia pelo Instituto de Pesquisas da Amazônia.
Na PMRR já atuei na Cavalaria, Grupo de Ações Táticas Especiais, Segurança de Dignitários e na Unidade Ambiental. Acredito no poder do conhecimento como transformador das nossas realidades por isso sempre busquei o aperfeiçoamento profissional realizando vários cursos de especialização profissional. Encaminharei meu Currículo Lattes caso seja do interesse citar algo.
Atualmente desempenho minhas atividades no setor de Planejamento e Instruções da Companhia Independente de Policiamento Ambiental Monte Roraima. Na ocasião que em me conheceu eu tinha sido nomeado para coordenar o Primeiro Curso de Operações Ambientais da PMRR, foi um grande desafio que, após vencido, me trouxe um enorme sentimento de dever cumprido.
O I COPAM revolucionou a atuação da PMRR frente as fiscalizações ambientais e tem contribuído em muito com o crescimento da Unidade Ambiental da PMRR reforçando nosso lema: “A Sabedoria é a Guardiã da Natureza”.
Caro Irmão, foi uma grande satisfação encontra-lo nesta incrível jornada, espero ter atendido suas expectativas e me mantenho as ordens para quaisquer esclarecimentos!
TFA
Deitei cedo, mas não consegui dormir. A festa de estendeu até às 10h30 e só então consegui tirar algumas sonecas interrompidas pelo latido de cachorros.
Amanhã parto cedo para tentar chegar na Foz do Branco onde existem diversos flutuantes ou o mais perto dela possível. Não existem praias, os barrancos para montar acampamento são raríssimos ‒ as margens e ilhas transformaram-se em extensos igapós. Meus familiares e pessoal de apoio demonstraram preocupação com um possível naufrágio e eu lhes respondi:
Não se preocupem, o “Argo I” nunca emborcou nestes mais de 12.000 km de amazônicas jornadas e me garantiu que não vai ser agora que isso vai acontecer. Fiquem tranquilos, o rastreamento funciona e se tiver alguma dificuldade aciono imediatamente o alarme.
Por Hiram Reis e Silva (*), Bagé, 03.02.2023 – um Canoeiro eternamente em busca da Terceira Margem.
(*) Hiram Reis e Silva é Canoeiro, Coronel de Engenharia, Analista de Sistemas, Professor, Palestrante, Historiador, Escritor e Colunista;
- Campeão do II Circuito de Canoagem do Mato Grosso do Sul (1989)
- Ex-Professor do Colégio Militar de Porto Alegre (CMPA);
- Ex-Pesquisador do Departamento de Educação e Cultura do Exército (DECEx);
- Ex-Presidente do Instituto dos Docentes do Magistério Militar – RS (IDMM – RS);
- Ex-Membro do 4° Grupamento de Engenharia do Comando Militar do Sul (CMS)
- Presidente da Sociedade de Amigos da Amazônia Brasileira (SAMBRAS);
- Membro da Academia de História Militar Terrestre do Brasil – RS (AHIMTB – RS);
- Membro do Instituto de História e Tradições do Rio Grande do Sul (IHTRGS – RS);
- Membro da Academia de Letras do Estado de Rondônia (ACLER – RO)
- Membro da Academia Vilhenense de Letras (AVL – RO);
- Comendador da Academia Maçônica de Letras do Rio Grande do Sul (AMLERS)
- Colaborador Emérito da Associação dos Diplomados da Escola Superior de Guerra (ADESG).
- Colaborador Emérito da Liga de Defesa Nacional (LDN).
- E-mail: [email protected]
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