Jornada Pantaneira
Prefácio
Por Cel Eng Higino Veiga Macedo
Descendo os Rios Aquidauana e Miranda – Jornada Pantaneira ‒ é mais uma saga deste indômito gaúcho ‒ Hiram Reis e Silva sempre em busca da TERCEIRA MARGEM. Talvez pela inquietude por ser engenheiro combatente, com vivências amazônica e pantaneira.
A Terceira Margem, aforismo próprio, é uma bela metáfora. Semelhante a do Mito da Caverna, de Platão ([1]), isto é, o equilíbrio entre o mundo sensível e o mundo inteligível – sentimento e razão – capaz de motivar almas a buscar verdades próprias.
As aventuras, tão praticadas no turismo e esporte, aqui narradas e somadas ao ambiente histórico, poderiam ser “Aventuras na História do Brasil”. Do Porto do Soldado, em Aquidauana, ao há muito conhecido, Passo do Lontra, no Rio Miranda é aventura; um passeio pelo ambiente da Retirada da Laguna é história.
Em Aquidauana, o Rio Aquidauana já está na planície pantaneira. Deixou as corredeiras do alto da Serra de Maracaju até ser colhido pelo Rio Miranda. O Miranda é espremido entre duas colunas: a Serra de Maracaju e a Serra da Bodoquena. Rio via de acesso dos bandeirantes para o Oeste e o Norte.
A motivação desta obra, junto com a aventura da canoagem, é um vídeo reprise da História do Brasil.
É o que também se vê nas obras anteriores do Coronel Hiram: em cada evento busca confirmar se as páginas históricas, de diferentes regiões, ainda persistem como verdade, aos olhos de um positivista, por formação e cartesianista por ideologia.
Une a isso a sua performance atlética de Canoeiro. Pealando dois potros numa boleadeira só, diria um guasca fronteiriço.
Ambiente hoje ainda selvagem, muito mais ainda o era na Guerra da Tríplice Aliança, é o que foi percorrido pelo Coronel Hiram. É onde, em linguagem militar, foi a Concentração Estratégica de Meios para a expulsão dos paraguaios e o ambiente da bela página militar da Retirada de Laguna.
Este é o ambiente que fora vivido e registrado pelo Visconde de Taunay e várias vezes referidas nesta obra do amigo Hiram Reis.
Da saga “Descendo os Rios Aquidauana e Miranda – Jornada Pantaneira”, os “brasileiros naturais”, visto que nós outros somos nato ou naturalizado, [a meu ver, não há índios brasileiros, mas brasileiros índios] em suas línguas assim dariam o título: “Descendo o Nabi Nugo ([2]) e o Mbteteí ([3]) ‒ Jornada por Xarayes ([4])”, meu dileto irmão. E a obra também, propósito do autor, é a justa e perfeita homenagem ao Guia Lopes, brasileiro que não morreu em combate, mas morreu pelo combate.
Guia Lopes, além da cidade com seu nome, é também homenageado como patrono do 9° Batalhão de Suprimento [9° B Sup].
O Coronel Hiram vem provocar, neste momento tão conturbado do Brasil, já desacostumado aos cultos cívicos, uma reflexão de parte da história do Brasil contemporâneo, dando visibilidade atual, à conquista do Oeste até hoje desconhecido.
Esta região do Brasil teve tantos embates, para a sua consolidação, como o fora a da região do Extremo Sul. A ocupação deste espaço brasileiro, herança portuguesa, foi palco de idas e vindas, sofrendo os refluxos dos diferentes e diversos tratados entre os impérios português e espanhol.
A União das Duas Coroas [1580 – 1640] cortou a amarra da Linha de Tordesilhas. O Tratado de Madri, 1750, permitiu que, guiados pelo Rio Paraguai, os portugueses ocupassem, por direito o que já faziam de fato, tudo o que estivesse na “Primeira Margem” ([5]) e deixasse aos espanhóis a “Segunda Margem”.
Assim, os portugueses fundaram o Forte de Coimbra, no Rio Paraguai e o Forte Real Príncipe da Beira, no médio Guaporé [Rio Itenez, para os espanhóis].
Forte de Coimbra foi construído [intencionalmente ou por acaso?] na margem direita do Rio Paraguai [Segunda Margem], o que pelo Tratado de Madri seria espanhol. Compulsando outras obras de história, ficam evidentes as tentativas dos espanhóis em retomar essa parte do Brasil. Os ataques com tropas foram frequentes. A última foi com Solano Lopes.
Ao reavivar às novas gerações os feitos do Oeste brasileiro, em particular realçando a Retirada da Laguna, o Coronel Hiram dá uma grande oportunidade para que os centros acadêmicos estudem e tragam mais luzes à formação territorial do lado Ocidental brasileiro.
Poderoso irmão, canoeiro de hoje, pontoneiro por ser oficial de engenharia, você navegou por rios singrados pelos exímios canoeiros de ontem – OS PAIAGUÁS – titulados de “Guardiões do Pantanal”.
Sou tentado a infiltrar uma estrofe da obra de Dom Aquino Correia ([6]), poeta a quem você já fez referência nesta sua obra:
“E quando guio,
À flor do Rio,
A minha ubá,
Nem flecha voa,
Como a canoa
Do Paiaguá!”
Esta poesia tem o nome de Terra Natal, mas os mato-grossenses a elegeram como Canção dos Paiaguás, alusão à Canção dos Tamoios, de Gonçalves Dias. A habilidade como canoeiros era tal que remavam de pé na popa e não trocavam o remo de mãos, para fazer curvas ou manobras e nem remavam para trás. Pena que são considerados extintos. Assim como os Paiaguás, os canoeiros, extintos o são, os Guaicurus, os cavaleiros, os Terenas, os caçadores e muitos outros da grande família Kadiwéus.
Tenho certeza que os leitores desta obra terão em mãos não só a saga da canoagem do Coronel Hiram como também um avivamento da História do Brasil [a Terceira Margem] e dos mistérios de uma região, perdoe-me a insistência, pouco conhecida. Alguns deles: o Rio Miranda corre no sentido Sul-Norte enquanto o Rio Paraguai corre Norte-Sul; as ruínas ainda não identificadas, onde foi fundado o povoado espanhol de Xeres [Capital da Província sul-americana de Andaluzia]; as escritas rupestres das margens pedregosas do Rio Perdido; as inúmeras cavernas da Serra da Bodoquena. É um levantar templos à virtude.
Portanto, é uma obra que traz luzes para o Ocidente deste Universo chamado Brasil, em particular do meu Mato Grosso. Permita-me a me comportar como mato-grossense, do Matogrosso uno, o de quando nasci. A evolução histórica me deixou, com muito orgulho, no lado sul-mato-grossense. Por final, é com elevado júbilo que aceitei elaborar este Prefácio. Recebo um grande presente em vida. Coincidências [se é que elas existem]: cortesia de um Irmão da Arte Real para com um regionalista arraigado, sendo os dois pontoneiros por formação.
Humildemente, encaixo uma estrofe, de rima ([7]) minha, de alguém que sempre vigiou o pantanal, como Guarda do Templo, bem de cima, dos cumes da Serra de Maracaju:
E sou brasileiro, da Serra de Maracaju,
Onde campeava o valente Mbayá-guaicuru:
Terras livres, céu anil e ventos amenos.
Sou índio, índio lá de Terenos.
Bagé, RS, 10 de abril de 2019.
Lá de Terenos
(Higino Veiga Macedo)
Sou guapo em toda lida
Vivo, bem vivida, a vida.
Sou nada de mais ou menos
Sou índio, índio lá de Terenos.
Sou livre, assim eu sou e quero.
No amor, quero e sou sincero.
Pele bronze, tez dos morenos.
Sou índio, índio lá de Terenos.
A paixão, defeito que até gosto,
É como fogo, em vento de agosto.
E vai como evaporam os serenos.
Sou índio, índio lá de Terenos.
Amei, apaixonei, procriei, criei.
De fêmeas, suspiros chorosos tirei.
Também sofri de “amores buenos”.
Sou índio, índio lá de Terenos.
Nasci sem ambição de fácil riqueza.
Gosto de campo largo e sua beleza.
Prefiro o ar puro, livre de venenos.
Sou índio, índio lá de Terenos.
Tribo a que pertenço? não sei, xeraí ([8]).
Desconfio ser da grande raça guarani.
Pelos olhos de gato, olhos pequenos,
Sou índio, índio lá de Terenos.
E sou brasileiro, da Serra de Maracaju,
Onde campeava o valente Mbayá-guaicuru
Em terras livres, céu anil e ventos amenos.
Sou índio, índio lá de Terenos.
Os índios, pra onde foram, não sei.
Já não existiam quando na vida cheguei.
Não importa. São coisas de somenos.
Só sei que sou índio, índio lá de Terenos.
(Campo Grande, 03.02.2004)
Por Hiram Reis e Silva (*), Bagé, 20.02.2023 – Por Hiram Reis e Silva (*), Bagé, 20.02.2023
(*) Hiram Reis e Silva é Canoeiro, Coronel de Engenharia, Analista de Sistemas, Professor, Palestrante, Historiador, Escritor e Colunista;
- Campeão do II Circuito de Canoagem do Mato Grosso do Sul (1989)
- Ex-Professor do Colégio Militar de Porto Alegre (CMPA);
- Ex-Pesquisador do Departamento de Educação e Cultura do Exército (DECEx);
- Ex-Presidente do Instituto dos Docentes do Magistério Militar – RS (IDMM – RS);
- Ex-Membro do 4° Grupamento de Engenharia do Comando Militar do Sul (CMS)
- Presidente da Sociedade de Amigos da Amazônia Brasileira (SAMBRAS);
- Membro da Academia de História Militar Terrestre do Brasil – RS (AHIMTB – RS);
- Membro do Instituto de História e Tradições do Rio Grande do Sul (IHTRGS – RS);
- Membro da Academia de Letras do Estado de Rondônia (ACLER – RO)
- Membro da Academia Vilhenense de Letras (AVL – RO);
- Comendador da Academia Maçônica de Letras do Rio Grande do Sul (AMLERS)
- Colaborador Emérito da Associação dos Diplomados da Escola Superior de Guerra (ADESG).
- Colaborador Emérito da Liga de Defesa Nacional (LDN).
- E-mail: [email protected].
[1] Platão: A República (Livro VII) – Imagem 01. (Hiram Reis)
[2] Nabi-Nugo: nome do Rio Aquidauana dado pelos índios. (Higino V. M.)
[3] Mbteteí: nome do Rio Miranda, dado pelos Guaicurus. (Higino V. M.)
[4] Xarayés: nome de tribo pantaneira que deu nome a todo o pantanal como Lago de Xaraies (português) e Laguna de Los Jarayes [espanhol]. (Higino V. M.)
[5] Primeira Margem: para um Pontoneiro (especificidade da Engenharia de Combate), a 1ª Margem é margem em que se está; a outra é a 2ª Margem (Higino V. M.).
[6] D. Francisco Aquino Correia: Terra Natal – Canção do Paiaguá. (Hiram Reis)
[7] Rima: “LÁ DE TERENOS” [não publicado]. (Higino V. M.)
[8] Xeraí: amigo com certa intimidade; parceiro – palavra do guarani vulgar, indígena, fronteiriço. Há dúvida sobre a grafia. (Higino V. M.)
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