Descendo o Rio Branco
Bonfim – Acampamento (AC) 01, 01.09.2018
O Rio
(João Cabral de Melo Neto)
Os Rios que eu encontro vão seguindo comigo, Rios
são de água pouca, em que a água sempre está por um fio.
Cortados no verão que faz secar todos os Rios.
Rios todos com nome e que abraço como a amigos.
Uns com nome de gente, outros com nome de bicho, uns
com nome de santo, muitos só com apelido.
Acordamos por volta das 06h00, e nos dirigimos ao local de partida, felizmente o Policial Federal solicitamente abriu o portão que nos permitia acessar a margem esquerda do Rio Tacutu. Feitos os devidos ajustes no “Argo I” despedi-me daquela altaneira tropa que tão gentilmente me apoiou. O dia estava claro e o Sol ainda não surgira no horizonte. O Rio Tacutu (Itacutu para os guianenses) escorria sua torrente preguiçosa e languidamente pelos tortuosos labirintos formados pelos enormes bancos de areia.
Na Foz do Rio Arraias, avistei um pescador e cumprimentei-o e o carrancudo homem, que recolhia frustrado a sua rede, não respondeu minha saudação, imediatamente lembrei-me do livro sagrado (Lucas V, 1-7) que relata a difícil jornada de Pedro, Tiago e João que, durante toda a noite, lançaram suas redes no mar da Galileia sem alcançar o sucesso esperado. Por volta das 08h34, avistei um bando de tuiuiús (Jabiru mycteria) onde um grande macho pavoneava-se para uma das fêmeas.
O macho com as asas abertas realizava uma elaborada dança ritualística, típica desta espécie, em torno da fêmea ao mesmo tempo em que batia ruidosamente seu longo e robusto bico, a fêmea acompanhava, com certo recato, a evolução sem abrir as asas. A excitação que antecipa a cópula aumenta a irrigação sanguínea e a pele vermelha do papo do macho torna-se intensamente rubra.
Pelas 10h00, uma Pata Brava (Cairina moschata) que me espreitava sorrateiramente, de longe, por trás de um tronco de uma palmeira, de repente, ela abandonou o esconderijo dissimuladamente e desfilou pelo banco de areia ostensivamente para se mostrar e entrou rapidamente n’água passando a apresentar um comportamento bastante estranho batendo as asas, sem alçar voo, como se estivesse lesionada, aproximando-se, às vezes, do caiaque sem qualquer receio com o intuito de me levar a persegui-la, com o fito de me afastar daquele tronco seco.
Por mais de uma vez assisti a comportamentos semelhantes, nas plagas gaúchas, quando os pais (patos, marrecas) tentavam me afastar do seu ninho. Desembarquei no banco de areia de onde a mamãe pata partira, segui suas pegadas pela areia e avistei camuflado entre a vegetação o objeto de sua dissimulação um ninho com mais de 16 ovos de cor branco azulada. Confirmada minha expectativa, deixei a mamãe pata em paz e prossegui minha solitária viagem. Às 11h10, logo depois de deixar o Igarapé do Caju à margem esquerda do Tacutu e o Rio Maú à direita passei pela ponte da BR-401 que liga Conceição do Maú à Normandia, mantendo uma média horária de 9,3 km/h nestes 40 km percorridos em 04h23.
Fiz uma única parada, de 30 minutos, às 12h00, para ingerir algum alimento e espichar as pernas. O braço doía um pouco, principalmente durante este breve repouso. Tinha muita dificuldade em levantar o abraço, mas como minha remada é baixa a dor era suportável. Os prognósticos para esta jornada não tinham sido nada alvissareiros, as relações numéricas o braço com movimentos limitados, o fim de minha contratação como Prestador de Tarefa por Tempo Certo (PTTC) em 31.12.2018 pelo Exército Brasileiro, as dívidas com a esposa internada há 15 anos se acumulando… Acho que tudo isto abalou meu lado emocional que em consequência afetou o físico.
Às 16h30, parei e montei a Acampamento 1 (AC 01 – 03°27’49,84” N / 60°08’47,46” O) em uma bela e extensa praia, à margem direita. Carreguei as tralhas para o local onde montaria a barraca, tomei um banho morno, e na hora de montar a barraca é que senti muita dificuldade, meu braço direito realmente doía muito. Tive de arrastar o caiaque para a terra usando apenas o braço esquerdo. Tinha remado 77 KM em 09h10 (8,4 km/h). Dormi cedo.
Total 1° Dia ‒ Ponte Tacutu / AC 01 = 77,0 km
Por Hiram Reis e Silva (*), Bagé, 16.01.2023 – um Canoeiro eternamente em busca da Terceira Margem.
(*) Hiram Reis e Silva é Canoeiro, Coronel de Engenharia, Analista de Sistemas, Professor, Palestrante, Historiador, Escritor e Colunista;
- Campeão do II Circuito de Canoagem do Mato Grosso do Sul (1989)
- Ex-Professor do Colégio Militar de Porto Alegre (CMPA);
- Ex-Pesquisador do Departamento de Educação e Cultura do Exército (DECEx);
- Ex-Presidente do Instituto dos Docentes do Magistério Militar – RS (IDMM – RS);
- Ex-Membro do 4° Grupamento de Engenharia do Comando Militar do Sul (CMS)
- Presidente da Sociedade de Amigos da Amazônia Brasileira (SAMBRAS);
- Membro da Academia de História Militar Terrestre do Brasil – RS (AHIMTB – RS);
- Membro do Instituto de História e Tradições do Rio Grande do Sul (IHTRGS – RS);
- Membro da Academia de Letras do Estado de Rondônia (ACLER – RO)
- Membro da Academia Vilhenense de Letras (AVL – RO);
- Comendador da Academia Maçônica de Letras do Rio Grande do Sul (AMLERS)
- Colaborador Emérito da Associação dos Diplomados da Escola Superior de Guerra (ADESG).
- Colaborador Emérito da Liga de Defesa Nacional (LDN).
- E-mail: [email protected]
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