Mais uma vez tenho a honra de repercutir um belo artigo de meu caro Amigo, Irmão e Mestre Higino Veiga Macedo, editado em João Pessoa, PB, sexta-feira, 27 de dezembro de 2021.
Objetivo e Competência
(Higino Veiga Macedo)
Há coisas que observo desde a adolescência. São as mudanças de nomes para coisas que continuam da mesma maneira que eram. Em linguagem popular: “muda a coleira, continua o cachorro…” ou, em línguagem chula: “muda a mosca, a caca é a mesma”.
Lembro que após a revolução de 1964, a linguagem nas hostes do governo era copiada do linguajar da Escola Superior de Guerra. Até sorveteiro trabalhava pelo Poder Nacional; qualquer aplicação de dinheiro, em fábrica, fortalecia o Potencial Nacional; agente de limpeza, o popular faxineiro, traçava Estratégia na tarefa diária…
E essa parafernália entrou na linguagem dos estudiosos de economia. Em detrimento da língua portuguesa, e para se postar de intelectual atualizado, o anglicismo dominou: “overnight”, “after”, “market”, “commodity”, e tantos outros besteiróis com correspondentes na nossa língua.
A partir da década de noventa, iniciou-se no Brasil as gerações de telefones celulares. A primeira geração, o G1, com tecnologia analógica, o G2 com tecnologia digital, que se podia trocar mensagens.
Em 2001, começou o 3G, em 2010 o 4G. O celular virou um telefone, somado com computador que incorpora a TV. A partir do 3G é que a língua inglesa passou a invadir, muito, o agora pobre português. Não por necessidade, mas por pedantismo e forte dose de arrogância para demonstração de educação cibernética. É mais fácil decorar e adotar a palavra em inglês que raciocinar em algo em português.
Ainda no modismo, os repórteres no Brasil, a partir de 2010/2015, por orientação gramscista dos diretores e editores, passaram a usar, excessivamente, a palavra “A GENTE”. Estimulam os entrevistados a repetir tal vício, à exaustão, com a pretensão de retirar o pronome “NÓS”.
Para os gramscistas, o “NÓS” soa elitista. O “A GENTE” denota que o “reporteiro” e o “reportado” se situam no mesmo nível do contexto do assunto. Estão inseridos, no mínimo, no ambiente com familiaridade. Assim, o repórter retira a pecha de elite, pois em geral e por exigência da empresa para a qual trabalha, deve estar bem apresentável: vestimenta e porte condizentes com a grandeza das empresas.
Seguindo modismo com repórteres e apresentadores de rádio e televisão, o que também está saturando qualquer ouvido são as perguntas, à beira da imbecilidade: “Qual é seu sonho?”, “Era isso que você sonhava?”
E, uma que não pode faltar: “O que passa pela tua cabeça com esse sonho realizado!” É o clímax do entrevistador pela inteligência auto-atribuída pela pergunta. Outra pergunta sagrada: “Como você se sente?” São mantras infalíveis.
Todo o dito anteriormente para chegar ao fulcro: “MODISMO” que tomou conta do ensino. Até no Exército.
A busca do conhecimento não é mais para atingir um “OBJETIVO”, qualquer deles: de formação, de especialização, de profissão… Agora o da moda, é “COMPETÊNCIA”.
O que me espanta é que nem a curiosidade de consultar a etimologia se tem. Ouvem a palavra, gostam do som e a adotam como verdade axiomática.
É o caso da palavra “COMPETÊNCIA”. Passaram a considerá-la como sinônimo de “aptidão para realizar determinado ato”; “notabilidade em realizar algum ato”. Entretanto “COMPETÊNCIA” tem uma etimologia extensa e complicada. No que interessa ao caso, “aptidão para realizar determinado ato”, sua origem vem do latim “competĕre” no sentido de “competir, concorrer, buscar a mesma coisa que outro, atacar, hostilizar”, portando nada referente a “APTIDÃO PARA…” mas, mesmo no latim, antes, veio do antepositivo latino, oriundo do verbo latino “peto,is,īvi” que tem sentido de “lançar-se sobre, atacar; dirigir-se para, tentar atingir, aproximar-se de; alcançar, atingir; buscar, procurar, pedir, solicitar, requerer; desejar, aspirar a, pretender; rogar, suplicar, pedir com instância”, derivado da raiz indo-europeia “pete”.
Portanto, nada com referência a “APTIDÃO DE…”. A não ser uma deturpada metáfora, por extensão ou por sentido figurado. Aliás, algumas ciências aumentaram as metáforas para explicar melhor alguns de seus fenômenos.
Agora “OBJETIVO” é uma palavra antiga do dicionário militar. Na língua portuguesa tem sua etimologia como substantivo e adjetivo. O que interessa é o significado como substantivo: “atingir, conquistar, chegar” – “O OBJETIVO”. Significado de “aquilo que se pretende alcançar quando se realiza uma ação; alvo, fim, propósito, objeto”. Daí, nas escolas e ou nos treinamentos militares se busca atingir, chegar, conquistar um “OBJETIVO”. Tal objetivo vai desde o domínio de conhecimentos matemáticos, à conquista de ponto importante do terreno numa manobra ou guerra.
Mas querer substituir “OBJETIVO” por “COMPETÊNCIA”, há um enorme desprezo pelo significado das palavras na língua. Especulo que seja um desses modernizadores de plantão (mascarando seus “OBJETIVOS” interesseiros) que usando alguma tradução capenga de línguas estrangeiras, propôs tal mudança. Com certeza não será a língua espanhola, pois ali “COMPETENCIA” é competição, torneio, campeonato de qualquer esporte. É competição desportiva.
Infelizmente, nas Escolas Militares já não se conquistam objetivos: executar expressões matemáticas; analisar sintaticamente um período… ou desmontar um fuzil com máximo de rapidez; conquistar uma cota dominante no terreno… isso agora é “COMPETÊNCIA”.
“Sic Cogito”
(Higino Veiga Macedo)
Por Hiram Reis e Silva (*), Bagé, 24.01.2023 – um Canoeiro eternamente em busca da Terceira Margem.
(*) Hiram Reis e Silva é Canoeiro, Coronel de Engenharia, Analista de Sistemas, Professor, Palestrante, Historiador, Escritor e Colunista;
- Campeão do II Circuito de Canoagem do Mato Grosso do Sul (1989)
- Ex-Professor do Colégio Militar de Porto Alegre (CMPA);
- Ex-Pesquisador do Departamento de Educação e Cultura do Exército (DECEx);
- Ex-Presidente do Instituto dos Docentes do Magistério Militar – RS (IDMM – RS);
- Ex-Membro do 4° Grupamento de Engenharia do Comando Militar do Sul (CMS)
- Presidente da Sociedade de Amigos da Amazônia Brasileira (SAMBRAS);
- Membro da Academia de História Militar Terrestre do Brasil – RS (AHIMTB – RS);
- Membro do Instituto de História e Tradições do Rio Grande do Sul (IHTRGS – RS);
- Membro da Academia de Letras do Estado de Rondônia (ACLER – RO)
- Membro da Academia Vilhenense de Letras (AVL – RO);
- Comendador da Academia Maçônica de Letras do Rio Grande do Sul (AMLERS)
- Colaborador Emérito da Associação dos Diplomados da Escola Superior de Guerra (ADESG).
- Colaborador Emérito da Liga de Defesa Nacional (LDN).
- E-mail: [email protected]
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