Descendo o Rio Branco
Relatos Pretéritos do Monte Roraima
Parte I
Élisée Reclus, 1900
Da mesma sorte que o Rio Negro, o Branco – antigo Parima tem por principal nascente um afluente muito mais longo do que o Rio como tal considerado, porque segue o eixo do vale e percorre a região de passagem entre as duas vertentes. O Uraricoera, verdadeiro Rio Branco pela extensão e pela massa d’águas, nasce num Alto Vale granítico da Serra Parima, ao Sul do Machiati, e, correndo de Oeste para Leste, junta-se, após um curso de 600 quilômetros pelo menos, com o Rio Tacutu, o qual recebe os arroios do Roraima, os do Cairrit e a famosa corrente de Pirara que continua para o lado do Essequibo pelo Rupununi, na Guiana Inglesa. O Mau, também chamado Ireng, afluente do Tacutu, é famoso pelas suas cachoeiras: uma delas, a Corona, de 50 metros de altura, é celebrada, com as quedas do Roraima e de Kaieteur, as savanas, depois penetram nos desfiladeiros da cadeia de granito de maciços desiguais que o Uaupés e o Rio Negro têm de atravessar na região de sua confluência. O Rio Branco desce também por uma escala de cachoeiras, impedindo qualquer comunicação por canoas entre a parte baixa e a parte alta do Rio. (RECLUS)
Castilhos Goycochêa, 1943
Em 1879, foi enviada ao Extremo Norte para estudar e fazer a demarcação da fronteira do Brasil com a Venezuela uma comissão, sob a chefia do Tenente-coronel Francisco Xavier Lopes Araújo, a qual verificou que as nascentes do Rio Cotingo estão no Monte Roraima. Em princípios do século atual mandou o governo inglês, para precisar os limites da sua Guiana com a Venezuela, procurar as nascentes desse Rio Cotingo, tendo confirmado, ponto por ponto as coordenadas encontradas pela Comissão Brasileira de 1984, tornando-se assim o Monte Roraima o ponto de convergência do Brasil, Venezuela e Guiana Inglesa. Em 1938 seguiu para esse ponto a Comissão Mista Brasileiro-britânico-venezuelana, tendo verificado as coordenadas geográficas obtidas pelas anteriores expedições e aí levantado o marco lindeiro dos três países.
O estudo do resto da fronteira com a Venezuela fora iniciado pela expedição mista, brasileiro-venezuelana, nesse ano de 1879, em obediência ao Tratado de 04.05.1839, fazendo os estudos geográficos necessários e demarcando a fronteira desde as cabeceiras do Memachi até o Cerro Cupi e fixando os primeiros marcos. Esses estudos foram continuados em 1912 a 1915 pela Comissão chefiada pelo Ten-cel Manuel Luís de Melo Nunes. (GOYCOCHÊA)
Jornal do Comércio, n° 63
Rio de Janeiro, RJ – Terça-feira, 18.12.1962
Gazetilha
Território de Roraima
Por proposta do Deputado Valério Magalhães, representante do Território de Rio Branco, votou o Congresso Nacional a mudança do nome dessa unidade administrativa para Roraima. As razões do projeto eram facilmente compreensíveis; evitar a confusão com a capital do então Território, hoje Estado do Acre, que também é Rio Branco, em justa homenagem ao grande Chanceler que para o Brasil resolveu várias e importantes questões de limites, entre as quais a do Acre, com a Bolívia e o Peru. Entretanto, aquela denominação havia sido dada, em 1943, em lembrança do maior dos Rios da região, o Branco, principal afluente do Negro, que nada tem a ver com o pequeno Rio Branco, afluente do Paraguai, que deu o título nobiliárquico ao Visconde do Rio Branco, depois passado ao filho Barão.
Aprovado o projeto, subiu à aprovação presidencial, mas o Presidente da República, deixando passar o prazo constitucionalmente fixado para sua sanção ou veto, devolveu-o ao Senado, ao que se diz por divergirem, a respeito os seus correligionários. Em consequência sancionou-o o Sr. Rui Palmeira, então na presidência do Senado, e assim, depois de Guaporé que passou a Rondônia, temos mais urna mudança de nome de Território: Rio Branco passou a ser Roraima.
[…] pelo menos um dos muitos assessores do Presidente da República deveria conhecer; é que Monte Roraima não é nome usado na região dos limites do Brasil com a Guiana Britânica, e sim “Roraimã”, conforme apurou a Comissão Mista Brasileira–Britânica, fixadora dessa fronteira, e consta de seu Relatório de 1939.
Consequentemente, por falta do veto promulgada a errônea lei, temos agora um Território Federal com o nome oficialmente errado em País no qual a ciência geográfica está bem adiantada, mas em que a vasta assessoria presidencial não se ocupa de temas culturais que são, entretanto, de tanta importância para o renome do País. (JC, N° 63)
Jornal do Brasil, n° 55
Rio de Janeiro, RJ – Sexta-feira, 08.03.1963
Roraima a mãe das Águas
Brasil pra seu Governo
[Nonnato Masson]
Por uma lei do Congresso Nacional, promulgada a 13.12.1962, o Território Federal do Rio Branco, criado a 13.09.1943, com terras desmembradas da parte Setentrional do Estudo do Amazonas, passou a denominar-se Território de Roraima.
O fato não teve qualquer repercussão na vida nacional. Os brotos continuaram, despreocupados, nas areias da Praia do Arpoador; os seringueiros, na Amazônia, mal tomaram conhecimento do fato; as crianças não deixaram as suas peladas para receber lições de Roraima; os trabalhadores do Brasil permaneceram firmes, nas assembleias dos seus sindicatos, tratando das próximas greves; os choferes de lotação continuaram fazendo misérias no trânsito carioca; Julião prosseguiu falando mal do Brasil; Celso Furtado, dizendo que o subdesenvolvimento vai acabar; Brizola, pregando a revolução; os pescadores, apesar dos pesares, pecando, tranquilos, as suas lagostas, e outra guerra, a do samba, sendo travada entre as escolas sobre a autenticidade dos Acadêmicos do Salgueiro na apresentação do seu enredo de carnaval, e etc. etc. etc. Eita País maravilhoso que muda de regime, torna a mudar, bota mais uma estrela na Bandeira, transforma Território Federal em Estado, muda nome de Território, descobre novos acidentes geográficos, enfim, altera a sua Geografia e a sua História, e ninguém se dá por achado!
O que é Roraima?
Mas, afinal, o que é Roraima, que já agora dá nome a um pedaço do Brasil?
Para os índios da Amazônia, Roraima significa a mãe das águas. Na Geografia do Brasil, Roraima é um monte. Fica na Cordilheira de Paracaimã, que faz parte do Maciço das Guianas.
Tem também o nome de Roraimã.
O Monte Roraima assinala o encontro das fronteiras Brasil-Venezuela, Brasil-Guiana Inglesa e Venezuela-Guiana Inglesa.
E o extremo-sul de um grupo de maciços que se enfileiram ao longo da linha geodésica divisória da Venezuela com a Guiana Inglesa, desde o Vale do Rio Cameirã, numa extensão de trinta quilômetros e que fazem a separação das águas que correm para o Orenoco das que vão para o Rio Mazaruni.
A Muralha do Brasil
Levanta-se o Roraima numa monumental muralha oitocentos metros acima do seu pedestal e de diábase ([1]) de 2.712 metros sobre o nível do mar, no ponto exato em que foi chamado o marco trinacional de fronteira [Brasil-Venezuela-Guiana Inglesa]. O alto Roraima, segundo a Geografia, forma uma colossal mesa de arenito de cerca de quarenta quilômetros quadrados. Vista de longe, a chapada dá a impressão de uma planície empedrada e cheia de Lagos, Córregos e pântanos. É, porém, uma enorme superfície revolta coberta de blocos de arenito de grandes dimensões, de montes de vinte a trinta metros que se erguem por toda a parte, com aspectos bizarros, por efeito do vento e da chuva, dando a ideia de edifícios monumentais arquitetados pela imaginação de um Oscar Niemeyer (???) ou de um Le Corbusier ([2]).
Palhoças do Monte
Várias quedas de água se precipitam do alto do Roraima e se encontrara, abaixo para formar a Rio Cotingo. As chamadas escadas do Roraima são habitadas pelas gentes do Território, em palhoças como a que Ilustra esta página. Entre as raras Expedições e alpinistas que já escalaram o Roraima alinham-se o viajante inglês Everard Thuru, em 1884; o geólogo H. I. Perkins, Guelch e senhora, em 1894; a Comissão de Limites Guiana Inglesa-Venezuela; as Expedições do General Rondon, de Inspeção de Fronteiras, e a de Mr. Tate, em 1927, e ainda as Comissões Demarcadoras de Limites do Brasil com a Venezuela e com a Guiana Inglesa, em 1931, e a que recentemente descobriu naquelas bandas o Pico da Neblina.
Foi, mas não é
Até 1932, o Monte Roraima era considerado o ponto mais Setentrional do Brasil. Nesse ano, porém, após um levantamento topográfico do divisor de águas dos Rios Branco [que dava nome ao Território] e Mazaruni, cedeu lugar ao Monte Caburaí, que lhe fica mais 32’, à Leste e 4’ ao Norte. O Roraima é cercado de montes e serras por todos os lados Ueiassipu, Apocaila, Iacontipu, Apacaima, Marina, Upaima, Acurima, Aromatipu, Caburaí, e Serras do Sol, Uaraí, Maribá, Morcego, Piaçuí e Poreiuaca.
A Altura do Roraima
O pico do Roraima, com 2.875 m de altitude, é o segundo do Brasil. E o ponto culminante da Cordilheira de Paracaimã. Prolonga-se a série do Roraima formando um platô arenítico, que toma vários nomes. Sua cumeada é sensivelmente horizontal [como se vê na foto] e recortada apenas pelos agentes erosivos, e termina, bruscamente, em colossais e imponentes muralhas rochosas. É de formação, segundo os geólogos, talvez paleozoica, ou possivelmente triássica. Os sinais que estão no alto da página são desenhos rupestres, dos muitos que se encontram nas escarpas do Monte Roraima, que agora, como nome de Território Federal, está definitivamente integrado na Geografia do Brasil. (JB, N° 55)
Academia Brasileira de Ciências, Vol. 44, n° 1
Rio de Janeiro, RJ – 1972
Considerações Concernentes à Constituição Tectônica do Escudo das Guianas com Especial Referência à Formação Roraima
A Formação Roraima
No centro do Escudo das Guianas elevam-se as montanhas Pacaraima, formadas de arenitos e conglomerados tabulares não metamorfizados, de idade proterozóica-inferior, constituindo uma sucessão de platôs cobertos por floresta, sobressaindo cumes isolados como o Ayangauana [1.900 m] e Roraima [2.770 m]. Os arenitos quartzíticos, quartzitos, conglomerados, folhelhos e jaspe da Formação Roraima constituem uma sucessão tabular, notavelmente não perturbada, com espessura de cerca de 2.400 m, que, julgando-se por seus testemunhos, parece ter coberto perto de 1.200.000 km2 no centro do Escudo das Guianas.
A idade desta Formação tem sido diferentemente estimada como do Pré-Cambriano tardio, Paleozóico, Triássico e Cretáceo. É, sem dúvida, mais jovem que 2.000 m.a. ([3]) posto que sobrepõe os “Younger Granitos”, e mais antiga que os espessos “sills de dolerito”, e diques do “Younger Basic Intrusive Group”. Datações radiométricas nestes últimos, incluindo um “sill” no topo da sucessão, e em mica dos “hornfels” de contato, forneceram uma idade em torno de 1.700 m.a. […] (LOCZY)
O Estado de Mato Grosso, n° 6.639
Mato Grosso, MT – Quarta-feira, 26.09.1973
Roraima não tem Rota Fácil Para Escalada
LONDRES – Não há uma rota fácil para o “mundo perdido” do Monte Roraima, segundo o montanhista britânico Don Whillans, depois de consultas com membros de uma equipe de reconhecimento que esteve explorando a floresta em volta do misterioso platô, que fica num ponto onde se encontram as fronteiras do Brasil, Venezuela e Guiana. O reconhecimento foi feito numa preparação do assalto ao Roraima que deverá ser feito em outubro por uma Expedição britânica-guianense e da qual o Sr. Don é um dos líderes. A BBC vai enviar uma equipe filmadora para juntar-se à Expedição, que está sendo patrocinada pelo jornal londrino “Observer”. Os expedicionários usarão um novo arnês ([4]) de segurança para montanhista criado pelo Sr. Whillans para o Himalaia. […] O líder da Expedição ao Monte Roraima é o botânico guianense Adrian Thompson, que fez a viagem de reconhecimento com John Streetly um montanhista britânico que vive em Trinidad. O grupo se reunirá em Georgetown no início de outubro. O Monte Roraima inspirou Conan Doyle ao escrever “O Mundo Perdido”. Quase 3.000 m acima do nível do mar, ele surge da floresta como uma fortaleza, com penhascos verticais de 600 m de altura. Até agora, poucas pessoas atingiram o seu topo e não foram trazidos espécimes ou amostras do local, que se acredita seja extremamente rico em vida animal e vegetal. [BNS] (OEMG, n° 6.639)
Por Hiram Reis e Silva (*), Bagé, 02.12.2022 – um Canoeiro eternamente em busca da Terceira Margem.
Bibliografia
GOYCOCHÊA, Castilhos. Fronteiras e Fronteiros – Brasil – São Paulo, SP – Companhia Editora Nacional, 1943.
JB, N° 55. Roraima a mãe das Águas – Brasil pra seu Governo [Nonnato Masson] – Brasil – Rio de Janeiro, RJ – Jornal do Brasil, n° 55, 08.03.1963.
JC, N° 63. Gazetilha – Território de Roraima – Brasil – Rio de Janeiro, RJ – Jornal do Comércio, n° 63, 18.12.1962.
LOCZY. Considerações Concernentes à Constituição Tectônica do Escudo das Guianas com Especial Referência à Formação Roraima – Brasil – Rio de Janeiro, RJ – Academia Brasileira de Ciências, Vol. 44, n° 1, 1972.
OEMG, n° 6.639. Roraima não tem Rota Fácil Para Escalada – Brasil – Mato Grosso, MT – O Estado de Mato Grosso n° 6.639, 26.09.1973.
(*) Hiram Reis e Silva é Canoeiro, Coronel de Engenharia, Analista de Sistemas, Professor, Palestrante, Historiador, Escritor e Colunista;
- Campeão do II Circuito de Canoagem do Mato Grosso do Sul (1989)
- Ex-Professor do Colégio Militar de Porto Alegre (CMPA);
- Ex-Pesquisador do Departamento de Educação e Cultura do Exército (DECEx);
- Ex-Presidente do Instituto dos Docentes do Magistério Militar – RS (IDMM – RS);
- Ex-Membro do 4° Grupamento de Engenharia do Comando Militar do Sul (CMS)
- Presidente da Sociedade de Amigos da Amazônia Brasileira (SAMBRAS);
- Membro da Academia de História Militar Terrestre do Brasil – RS (AHIMTB – RS);
- Membro do Instituto de História e Tradições do Rio Grande do Sul (IHTRGS – RS);
- Membro da Academia de Letras do Estado de Rondônia (ACLER – RO)
- Membro da Academia Vilhenense de Letras (AVL – RO);
- Comendador da Academia Maçônica de Letras do Rio Grande do Sul (AMLERS)
- Colaborador Emérito da Associação dos Diplomados da Escola Superior de Guerra (ADESG).
- Colaborador Emérito da Liga de Defesa Nacional (LDN).
- E-mail: [email protected].
[1] Diábase: rocha magmática maciça, granulosa, de cor escura. (Hiram Reis)
[2] O autor, mais propriamente, deveria ter citado, ao contemplar aqueles monumentos naturais, forjados pelas mãos inspiradas do Grande Arquiteto do Universo, o arquiteto espanhol Antoni Gaudí i Cornet ou o uruguaio Carlos Paéz Vilaró, dignos representantes da arquitetura orgânica. A igreja da Sagrada Família, e as Casa Batlló e Milá de Gaudi e a Casapueblo, de Vilaró, situada nas proximidades de Punta del Este, no Sul do Uruguai, são mostras contundentes do quanto alguns raros arquitetos são capazes de aproximar suas criações da natureza retratando suas formas harmoniosas. (Hiram Reis)
[3] 2.000 m.a: 2.000 milhões de anos ou 2 bilhões de anos. (Hiram Reis)
[4] Arnês: espécie de cinto de segurança para a escalada. (Hiram Reis)
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