Desde o último dia 16, o Museu Paraense Emílio Goeldi tem novo diretor. Resultado de seleção através de edital público, o arquiteto e servidor de carreira do instituto de pesquisa, Antonio Carlos Lobo Soares foi nomeado pelo Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações (MCTI).

Antonio Carlos Lobo Soares

Infraestrutura, gestão de pessoas, pesquisa, inovação e comunicação compõem o conjunto de temas prioritários do projeto de gestão de Antonio Carlos Lobo Soares, agora diretor em mandato de quatro anos da instituição de pesquisa mais antiga da Amazônia que conta com 156 anos de história, produção e difusão de conhecimento sobre a região. É meta da nova gestão fortalecer as capacidades internas do Museu Goeldi para que ele possa se consolidar em seu papel de Centro de Excelência em pesquisa, pós-graduação, conservação, comunicação e inovação científica.

“Pretendo contribuir para que o Museu avance e enfrente com segurança os desafios dos próximos quatro anos. Com apoio da sociedade, do MCTI, parceiros externos, a união e o empenho dos colaboradores, tenho certeza de que daremos passos importantes, não só para manter o Museu “digno do seu nome, respeitado nos circuitos científicos e com o papel que lhe compete no certame internacional dos bens intelectuais da humanidade” (Emílio Goeldi), mas, também, para transformá-lo no primeiro museu público sustentável na Amazônia.” (Antonio Carlos Lobo Soares).

Pesquisas estratégicas

Questão – Em sua vivência institucional, quais as áreas da pesquisa que se destacam e de que forma se pode impulsionar o seu desenvolvimento, a sua performance?

Antonio Carlos Lobo Soares (ACLS) – Segundo a Organização de Cooperação e de Desenvolvimento Econômico (OCDE), a solução para os grandes desafios sociais, ambientais e econômicos mundiais, passa por temas como segurança energética, hídrica e alimentar, prioritários nas políticas de Ciência, Tecnologia e Inovação das principais nações.

A pergunta é: Como o conhecimento sobre as populações e o ambiente amazônicos que o Museu produz pode contribuir para tirar a população da pobreza, erradicar a fome, elevar os índices de desenvolvimento humano e gerar uma economia sustentável na Amazônia? E mais: É possível combinar os conhecimentos tradicionais com os conhecimentos científicos modernos em benefício da Amazônia? Como? Será que um só segmento isoladamente – o científico – é capaz de “salvar” a Amazônia?

Tenho conhecimento de que o Museu dispõe de recursos humanos e informacionais qualificados, capazes de contribuir para a formulação de políticas públicas em nível regional, nacional e internacional, que respondam a algumas destas questões acima.

A minha visão para a Pesquisa, Pós-graduação e Inovação, baseada na Estratégia Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação e na proposição da SBPC de acelerar o desenvolvimento de sólidas instituições de CT&I na Amazônia – prioriza a: consolidação da pós-graduação; valorização da ECFPn; preservação dos conhecimentos tradicionais; conservação e incremento das coleções científicas, arquivísticas e bibliográficas; manutenção de laboratórios e o desenvolvimento de processos e produtos inovadores.

Nos últimos 20 anos, o Museu concentrou esforços na formação de recursos humanos para a pesquisa e ampliou, em parceria com universidades amazônicas, a sua participação em cursos de pós-graduação, que cresceram de um para sete[1]. Entretanto, em paralelo a consolidação desses cursos, o Museu tem sido eficiente em mostrar, à sociedade que o sustenta através de impostos, a contribuição das dissertações e teses que produz para tornar o bioma amazônico conhecido?

Para impulsionar o desenvolvimento e estimular a continuada performance de alto nível da pesquisa no Museu Goeldi, a Estação Científica Ferreira Penna, na Floresta Nacional de Caxiuanã, entre os municípios de Portel e de Melgaço, é fundamental, por ser fator que distingue o Museu dos seus pares. Criada há 29 anos, ela dispõe de excelente e subutilizada infraestrutura. Trata-se de área para o desenvolvimento de projetos de pesquisa e pós-graduação, educação básica, turismo científico e valorização do conhecimento tradicional dos povos das florestas. A Estação representa oportunidade para o Museu ampliar a cooperação nacional e internacional em Ciência, Tecnologia e Inovação, implantar programas de pós-doutorado na floresta e captar recursos extra-orçamentários.

A criação de um programa interdisciplinar que integre ciência, educação e turismo científico, pode significar a articulação entre os Governos Federal, Estadual e Municipal, visando à criação de um modelo inovador de desenvolvimento sustentável, que atenda a população dessa região do Pará, que têm o Índice de Desenvolvimento Humano mais baixo do país. Nesse sentido, resgatar e atualizar o Programa Floresta Modelo de Caxiuanã, seria um passo importante para aproximar a pesquisa que o Museu produz da sociedade amazônica.

Inovação

Questão – A inovação é assunto atual e juntamente com a bioeconomia pode dar visibilidade e permitir que instituições como o MPEG se estabeleçam num nicho promissor. O que pretende fazer nessa esfera?

ACLS – Pretendo contribuir para a atualização do inventário de possibilidades de inovação científica e tecnológica do Museu e incentivar pesquisadores e tecnologistas a se engajarem no programa de inovação e, nesse sentido, o fortalecimento das ações do Núcleo de Inovação Tecnológica é o caminho.  A criação de incentivos internos, apoios nacionais e internacionais a projetos inovadores, será um segundo caminho a ser discutido com o MCTI e os demais institutos.

Por outro lado, a bioeconomia não poderá se desenvolver na Amazônia sem o principal ativo que o Museu produz, conhecimento de qualidade sobre a sociodiversidade e a biodiversidade amazônicas. Nesse sentido, cabe ao governo brasileiro cobrar dos países desenvolvidos o cumprimento dos artigos 9º ao 12º do Acordo de Paris, que tratam do financiamento e transferência de tecnologia a países como o Brasil, detentores de grandes reservas de biodiversidade, que também precisam se desenvolver e sair da pobreza.

Com mais recursos, os resultados serão mais evidentes e poderão beneficiar não só a população de cerca de um milhão de povos originários e comunidades tradicionais que vivem na Amazônia, mas também os outros 29 milhões de pessoas, com especial atenção para a reversão da situação de quem vive em situação de risco em áreas sem saneamento e de lixões a céu aberto.

Falta gente para fazer tantas mudanças: gestão de pessoas

Questão – Um dos problemas principais na gestão pública são os quadros profissionais que lhes faltam em razão de aposentadorias e de não reposição de vagas em instituições como o Museu. De que forma pretende abordar o problema?

ACLS – A área de Gestão é a que necessita maior atenção, para assegurar um modelo de excelência que articule planejamento, execução e avaliação, com foco na otimização dos recursos do Tesouro Nacional e na captação de novos investimentos.

Com a colaboração da comunidade institucional, reuniremos os argumentos consistentes e adequados para buscar a reposição dos cargos vagos necessários para que o Museu atenda às demandas do MCTI e cumpra, com louvor, o seu papel no desenvolvimento da nossa região. Unidos, com determinação e criatividade, tenho certeza que será muito mais fácil captarmos os recursos extra-orçamentários que o Museu necessita.

A minha contribuição se dará através de um projeto de gestão compartilhada e descentralizada, que valorize todos os colaboradores do Museu. Quero aproveitar ao máximo as competências e capacidade de trabalho de cada um. Ninguém ficará de fora! Todos terão a oportunidade de restaurar a grandeza deste museu. Para isso, pretendo ter como referência e tirar do papel, com total transparência, o Regimento Interno, o Planejamento Estratégico, o Plano Diretor, o Contrato e o Termo de Compromisso de Gestão do Museu com o MCTI.

A minha intenção é construir excelentes ambientes de trabalho nas bases físicas, coordenações, pós-graduações, laboratórios, coleções etc., bem como estimular a interação entre os colaboradores. O respeito ao próximo como pessoa e como profissional será a premissa, a tônica dessa interação.

Pretendo escutar a todos, conhecer melhor as suas capacidades e estar presente em seus locais de trabalho, para agilizar a solução de problemas, acompanhar a conservação do patrimônio institucional e sentir o clima organizacional. Promoveremos eventos sociais, esportivos e culturais para valorizar os talentos dos colaboradores do Museu Goeldi e fortalecer as relações interpessoais e as interações entre as coordenações.

Um dia, lá atrás, experimentei a sensação de ser estagiário e bolsista, e sei a importância de um bom acolhimento por colaboradores qualificados como são os que trabalham no Museu Goeldi. Guardo até hoje, com satisfação, a lembrança do caráter dos meus primeiros chefes e orientadores, àqueles que me inspiraram e ajudaram a chegar até aqui. Este acolhimento será resgatado em breve!

Destaco, em especial, os colaboradores terceirizados que muitas vezes são invisibilizados ao prestarem serviços de: limpeza; conservação; operacionais; segurança; tratamento dos animais; recepção; bilheteria; secretariado, etc. Conheço alguns que estão no Museu Goeldi há quase 30 anos e, posso afirmar, vestem a camisa do instituto como se do quadro de colaboradores fossem, com muito orgulho!

Infraestrutura

Questão – Quais as ações mais urgentes no que se refere à infraestrutura das três (quatro) bases físicas do MPEG?

Antonio Carlos Lobo Soares – Aqui vou tratar apenas do Parque Zoobotânico (PZB), do Campus de Pesquisa e da Estação Científica Ferreira Penna, uma vez que o Instituto Nacional de Pesquisas do Pantanal, hoje um campus avançado do Museu Goeldi em Cuiabá (MT), passará a integrar o quadro de institutos do MCTI a partir de 16 de dezembro de 2022.

As ações mais urgentes iniciarão pela recuperação do patrimônio do Parque Zoobotânico (PZB), por representar a face pública do Museu e estar em pior condição de conservação. Será necessário muito empenho para transformá-lo no mais emocionante espaço de conhecimento, lazer e turismo de Belém. Iniciaremos pela recuperação de seu muro externo todo pichado, desobstrução de bueiros que o alagam nas grandes chuvas, revitalização de monumentos, retirada de infiltrações, pintura de prédios e uma grande limpeza geral.

Buscarei o apoio, já sinalizado pelo MCTI, para restaurar as duas últimas Rocinhas (prédios de residências em antigas propriedades rurais) existentes em Belém que se encontram em estado deplorável numa das áreas verdes mais importantes da capital paraense, o Parque Zoobotânico. O maior desses prédios históricos remanescentes está localizado na entrada principal, na Avenida Magalhães Barata e utilizada para exposições temporárias. O menor dos dois prédios está localizado na Travessa Nove de Janeiro, onde residiam ex-diretores e que, durante uma época, abrigou pousada destinada a pesquisadores em trânsito pelo Museu.

Num segundo momento das ações voltadas à infraestrutura,  projeto, de autoria do arquiteto e paisagista Fernando Chacel, guiará essa transformação, que reorienta os circuitos de visita, potencializa os elementos paisagísticos e introduz agradável jardim de aromas, que hoje, o PZB não tem. Subprojetos e estratégias para financiá-los serão discutidos com parceiros comprometidos com a conservação do Parque, como o MCTI, Governo Estado e IPHAN, que o tombou como patrimônio nacional.

Os espaços de trabalho no Parque serão reorganizados visando à demolição dos prédios que o descaracterizam e a restauração de outros de comprovado valor arquitetônico, sempre de acordo com as normas do IPHAN. Os prédios da Biblioteca Clara Galvão, os chalés, da Coleção Didática Emília Snethlage, do auditório Alexandre Rodrigues Ferreira, da lojinha da Nove de Janeiro e os porões da Rocinha, terão seus usos requalificados. A transformação destes prédios em espaços públicos de eventos, convivência, atenção à saúde e alimentação natural, reforçará a inserção do Museu no espaço urbano de Belém e a serviço da sociedade belemense.

Na busca de tornar o Campus de Pesquisa sustentável, penso em transformar os seus espaços em usinas de geração de energia fotovoltaica a ser permutada com a concessionária de energia elétrica, bem como investir em construções inteligentes, sustentáveis, que abriguem coleções laboratórios no pavimento térreo e salas de pesquisa e de aula no superior. Atualmente, 15% do orçamento que o MCTI repassa ao Museu vão direto para a concessionária de energia elétrica.

Recursos captados na gestão de Ana Albernaz, por intermédio do Programa Salas do MCTI, garantem obras de recuperação e ampliação de laboratórios da Estação Científica Ferreira Penna (ECFPn) pelos próximos anos. Assim, espero que em breve a ECFPn esteja livre das infiltrações nos telhados e paredes; com o porto reconstruído e a frota de embarcações recuperada e em operação; com as escalas do barco Ferreira Penna ocupadas pelos colaboradores do Museu e seus parceiros de outras instituições; e com as comunidades do entorno da ECFPn melhor “assistidas” pelo Museu, no quesito da qualidade do conhecimento em sala de aula.

Espaço de comunicação: um Parque e suas infinitas possibilidades para a educação

Questão – O que o Museu pode fazer no campo da educação, além das ações em nível da pós-graduação?

ACLS – Não há no Brasil um espaço como o Parque Zoobotânico do Museu Goeldi, uma síntese rara da fauna, flora, homem e ambiente amazônicos, um espaço de lazer, contemplação da natureza, restauração da energia física e saúde mental, o mais forte elo entre o Museu e a sociedade paraense. O Parque tem potencial para tornar-se uma grande sala de aula de assuntos amazônicos e contribuir à formação em ciências e ao fortalecimento da cultura amazônica.

A minha visão de futuro passa, necessariamente, pelo fortalecimento do Parque como principal instrumento de comunicação e inserção social do Museu. A sua reformulação e a dinamização do Centro de Exposições Eduardo Galvão precisam ser convertidas em projetos institucionais, que aglutinem seus colaboradores e promovam a comunicação (expositiva e educativa) do conhecimento gerado e dos acervos didático-científicos preservados pelo Museu, atividades nas quais o Goeldi é pioneiro e tem servido de exemplo, como ocorreu na criação do Bosque da Ciência no Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (INPA).

[1] Biodiversidade e Evolução; Diversidade Sociocultural; Zoologia com a UFPA;Botânica com a UFRA; Ciências Ambientais com a UFPA e EMBRAPA; Sociologia e Antropologia com a UFPA; e BIONORTE com a UFRA, UFOPA, UFPA e EMBRAPA. 

FONTE: Museu Goeldi