Descendo o Rio Branco
Resgates Históricos? Por quê?
Parte II
Os “Injustiçados” Antropófagos
Nada perdem, em suma, e têm o cuidado de virar constantemente os pedaços para bem assá-los; e aproveitam até a gordura que escorre pelas varas e lambem a que se coagula nas forquilhas. (D’ABBEVILLE)
O consumo da carne humana, com o objetivo nutricional, era fundamental para a sobrevivência daqueles grupos, principalmente os nômades, muito carentes de proteína e gordura de origem animal. Os nativos lhe atribuíam virtudes mágicas e terapêuticas.
Os prisioneiros de guerra feridos e velhos eram sumariamente mortos e devorados, enquanto os demais eram engordados para um futuro festim onde eram despedaçados, defumados, moqueados, cozidos ou assados sem piedade.
Voltando da guerra, trouxeram prisioneiros.
Levaram-nos para sua cabana: mas a muitos feridos desembarcaram e os mataram logo, cortaram-nos em pedaços e assaram a carne […]. (STADEN)
O prisioneiro não era tratado como escravo, mas integrado à Aldeia onde passava por um período de engorda. Podia até mesmo constituir família.
O prisioneiro trabalhava voluntariamente, mas não era mantido sob vigilância. Acreditavam que um guerreiro devia morrer honradamente, no combate ou devorado, de maneira que sua alma continuasse viva naqueles que o comeriam.
E não pensem que o prisioneiro se abale por causa dessas notícias, tem-se a opinião de que sua morte é honrosa, e que lhe vale muito melhor morrer assim, do que em sua casa por causa de uma morte contagiosa qualquer: porque, dizem eles, não se pode vingar a morte, que ofende e mata os homens, mas se pode muito bem vingar aquele que foi morto e massacrado em proeza de guerra. (THEVET)
Os portugueses ficaram perplexos ao visitar as aldeias tupinambás e se depararem com a preparação da carne humana nos fumeiros, pedaços de cadáveres nas ocas, e a existência de cativos vivos, que serviriam de repasto em futuros banquetes.
Os homens coziam as entranhas, devorando-as; as mulheres lambiam o caldo. Língua, miolo e certas partes do corpo estavam reservados aos jovens; para os adultos ficava a pele do crânio e para as mulheres os órgãos sexuais. Porções havia consideradas nobres: eram dadas aos hóspedes de honra. (METRAUX)
Os Índios e o Meio Ambiente
Os índios sempre souberam como lidar com a terra. São eles que nos ajudam a manter vivas nossas matas e contribuem para a preservação de nossos mananciais. Por isso é que avalio que eles também são nosso futuro, principalmente quando consolidarmos nossa maior dívida com eles, que consiste na demarcação e homologação de todas as suas terras. (Mércio P. G.)
Mais uma vez, o Ex-presidente Mércio Pereira Gomes, da famigerada FUNAI, atrelado a convicções ideológicas sem nenhuma fundamentação científica, mostra desconhecer a cultura que tanto defende e as leis que regem a sobrevivência dos povos nativos. O Professor Evaristo Eduardo de Miranda afirma que o processo de savanização da floresta não só teve origem com os povos primitivos, mas como continua até os dias de hoje.
Um grupo caingangue residente no Paraná, que havia recebido ferramentas de aço apenas no século XX, lembrava-se de que não mais tinha de escalar árvores, outrora uma atividade muito frequente, para apanhar larvas e mel. Muitos dos que caíam das árvores morriam ‒ agora eles simplesmente derrubavam as árvores. (WARREN DEAN)
Evaristo Eduardo de Miranda afirma:
O uso sistemático do fogo pelos humanos, principalmente como técnica de caça, favoreceu a extensão ou a manutenção de ecossistemas abertos como as savanas ou cerrados, em detrimento das áreas florestais, mesmo em condições climáticas desfavoráveis. […]
Condicionamentos locais de clima e solo podem acelerar ou limitar esse processo, mas o caráter nômade de vários grupos de caçadores-coletores espalhou esse fenômeno em diversos locais da região amazônica. Esse processo de savanização, de ampliação de áreas de cerrados em detrimento das florestas, segue seu curso nos dias de hoje, em vários locais da Amazônia, promovido por culturas ameríndias bem posteriores aos primeiros caçadores-coletores. […]
A regressão das florestas e a ampliação dos cerrados devido ao uso do fogo podem ser observadas nitidamente em sequências de imagens de satélite, de vários anos, tiradas de áreas indígenas no Norte do Pará, na região dos Tiriós, próxima da fronteira com o Suriname. Ali, os indígenas promoveram um crescimento anual da área dos cerrados em detrimento da floresta, pelo uso generalizado do fogo em grande escala. Eles alteram a dinâmica vegetal com a promoção de gigantescos incêndios anuais, os maiores de todo o Brasil. Eles propagam-se ao sabor dos ventos alísios do Hemisfério Norte, na direção Nordeste-Sudoeste. (MIRANDA)
Para verificar a destruição promovida pelos Tiriós basta se observar no “Google Earth” uma região bastante degradada de 80 por 210 quilômetros aproximadamente na fronteira do Suriname com o Brasil.
As observações de Miranda são reforçadas pelo relato de Oscar Canstatt, em 1871.
Seu modo de caçar os animais em fuga é bárbaro e só possível onde não há nenhuma lei protetora das florestas. No tempo seco, sobretudo, quando o Sol tropical torra com seus raios abrasadores os campos e o mato baixo, ateiam-lhe fogo, e emboscam a caça em lugar onde o elemento destruidor não os pode atingir. Aí é fácil abater a caça que, em desabalada fuga, corre para a única vereda salvadora. (CANSTATT)
Narloch apresenta, também, evidências que desfazem a imagem preservacionista do indígena brasileiro e mostra a preocupação dos colonizadores com a manutenção e a exploração sustentável das florestas.
O mito do índio como homem puro e em harmonia com a natureza já caiu há muito tempo, mas é incrível como ele sempre volta. […] As tribos que habitavam a região da mata atlântica botavam o mato abaixo com facilidade, usando uma ferramenta muito eficaz, o fogo. […] Os portugueses criaram leis ambientais para o território brasileiro já no século XVI. […] No Brasil, essa lei protegeu centenas de espécies nativas. Em 1605, o regimento do Pau-Brasil estabeleceu punições para os madeireiros que derrubassem mais árvores do que o previsto na licença. […] Escreveu o biólogo Evaristo Eduardo de Miranda: “Essa legislação garantiu a manutenção e a exploração sustentável das florestas de Pau-Brasil até 1875, quando entrou no mercado a anilina. Ao contrário do que muitos pensam e propagam, a exploração racional do Pau-Brasil manteve boa parte da mata atlântica até o final do século XIX e não foi a causa do seu desmatamento, fato bem posterior”. (NARLOCH)
Escravidão e os “Paradisíacos” Quilombos
Já que estamos falando de minorias, vamos estender nossa preleção tratando de outra minoria racial que vem pleiteando e conseguindo benesses especiais baseadas neste mesmo “Resgate Histórico”: os negros. A origem da escravidão deve igualmente ser revista para que o pretenso resgate proposto, sistemas de cotas, Comunidades Quilombolas, não acabe fomentando, no país, um “Apharteid Étnico” idêntico ao que se vê hoje implantado pelos indígenas da Raposa e Serra do Sol, em relação aos não índios. O costume de vender os prisioneiros de guerra era bastante comum entre as diversas etnias africanas; a escravidão foi durante muito tempo uma prática corriqueira em todas as civilizações, independentemente da cor da pele.
Se algum escravo fugia dos Palmares, eram enviados negros no seu encalço e, se capturado, era executado pela “severa justiça” do Quilombo. (CARNEIRO)
Os negros africanos foram, de longe, os maiores traficantes de escravos negros. A tradição estava tão arraigada que um escravo liberto, imediatamente, buscava adquirir um escravo para si mesmo numa demonstração inequívoca de “status”.
O “herói” Zumbi dos Palmares, personagem que virou símbolo da luta contra o racismo no país, tinha seus próprios escravos. Os escravos que se negavam a fugir das fazendas e ir para os Quilombos eram capturados e transformados em cativos dos quilombolas. Palmares lutava contra a escravidão própria, mas não pela escravidão alheia.
Para reforçar a ideia de que os escravos brasileiros, talvez, tenham sobrevivido somente porque vieram para o Brasil, vamos lembrar que os países da “Mãe África” foram os últimos a abolir a escravidão e que os genocídios étnicos, na região, continuam acontecendo nos dias de hoje. Certamente, os grupos capturados, na época, caso não fossem vendidos, teriam sido sumariamente exterminados lá mesmo.
Jornalista Leandro Narloch
[…] Ao longo dos séculos, Zumbi se tornou uma figura mítica, festejado como o herói da luta contra a escravidão. O que realmente se sabe dele, como personagem histórico, é muito pouco. […] Como ocorre com Tiradentes e outros heróis históricos que servem à celebração de uma causa, a figura de Zumbi que passou à posteridade é idealizada.
Ao longo do século XX, principalmente nos anos 60 e 70, sob a influência do pensamento marxista, Palmares foi retratada por muitos historiadores como uma sociedade igualitária, com uso livre da terra e poder de decisão compartilhado entre os habitantes dos povoados. Uma série de pesquisas elaboradas nos últimos anos mostra que a história de Zumbi e do Quilombo dos Palmares ensinada nos livros didáticos tem muitas distorções.
Muito do que se conta sobre sua atuação à frente do Quilombo é incompatível com as circunstâncias históricas da época. O objetivo desses estudos não é colocar em xeque a figura simbólica de Zumbi, mas traçar um quadro realista, documentado, do homem e de seu tempo. Os novos estudos sobre Palmares concluem que o Quilombo, situado onde hoje é o estado de Alagoas, não era um Paraíso de Liberdade, não lutava contra o sistema de escravidão nem era tão isolado da sociedade colonial quanto se pensava.
O retrato que emerge de Zumbi é o de um Rei guerreiro que, como muitos líderes africanos do século XVII, tinha um séquito de escravos para uso próprio. “É uma mistificação dizer que havia igualdade em Palmares”, afirma o historiador Ronaldo Vainfas, Professor da Universidade Federal Fluminense e autor do Dicionário do Brasil Colonial. “Zumbi e os grandes Generais do quilombo lutavam contra a escravidão de si próprios, mas também possuíam escravos”, ele completa. Não faz muito sentido falar em igualdade e liberdade numa sociedade do século XVII porque, nessa época, esses conceitos não estavam consolidados entre os europeus. Nas culturas africanas, eram impensáveis. Desde a Antiguidade e principalmente depois da conquista árabe no Norte da África, a partir do século VII, os africanos vendiam escravos em grandes caravanas que cruzavam o Deserto do Saara.
Na época de Zumbi, a região do Congo e de Angola, de onde veio a maioria dos escravos de Palmares, tinha Reis venerados como se fossem divinos. Muitos desses monarcas se aliavam aos portugueses e enriqueciam com a venda de súditos destinados à escravidão. “Não se sabe a proporção de escravos que serviam os Quilombolas, mas é muito natural que eles tenham existido, já que a escravidão era um costume fortíssimo na cultura da África”, diz o historiador carioca Manolo Florentino autor do livro “Em Costas Negras”, uma das primeiras obras a analisar a história do Brasil com base nos costumes africanos.
Zumbi, segundo os novos estudos sobre Palmares, seria descendente de uma classe de guerreiros africanos que ora ajudava os portugueses na captura de escravos, ora os combatia.
Quando enviados ao Brasil como escravos, os nobres africanos frequentemente formavam sociedades próprias ‒ uma delas pode ter sido Palmares.
Para chegar a esse novo retrato de Zumbi e do Quilombo, os historiadores analisaram as revoltas escravas partindo de modelos parecidos que ocorreram em outros lugares da América e da África.
Também voltaram às cartas, relatos e documentos da época, mostrando como cada historiografia montou o Quilombo que queria. O principal historiador a reinterpretar o que ocorreu nos Quilombos é o carioca Flávio dos Santos Gomes. Ele escreve no livro Histórias de Quilombolas:
Ao contrário de muitos estudos dos anos 1960 e 1970, as investigações mais recentes procuraram se aproximar do diálogo com a literatura internacional sobre o tema, ressaltando reflexões sobre cultura, família e protesto escravo no Caribe e no Sul dos Estados Unidos.
Atendo-se às fontes primárias e ao modo de pensar da época, os historiadores agora podem garimpar os mitos de Palmares que foram construídos no século XX. (NARLOCH)
Narloch mostra no seu livro como o viés ideológico pode tentar, de qualquer maneira, ferindo todos os princípios éticos, se sobrepor à pesquisa documental dos fatos.
A imaginação sobre Zumbi foi mais criativa na obra do jornalista gaúcho Décio Freitas, amigo de Leonel Brizola e do ex-presidente João Goulart.
No livro “Palmares: A Guerra dos Escravos”, Décio afirma ter encontrado cartas mostrando que o “herói” cresceu num Convento de Alagoas, onde recebeu o nome de Francisco e aprendeu a falar latim e português.
Aos 15 anos, atendendo ao chamado do seu povo, teria partido para o Quilombo. As cartas sobre a infância de Zumbi teriam sido enviadas pelo Padre Antônio Melo, da Vila alagoana de Porto Calvo, para um Padre de Portugal, onde Décio as teria encontrado.
Ele nunca mostrou as mensagens para os historiadores que insistiram em ver o material. A mesma suspeita recai sobre outro livro “O Maior Crime da Terra”.
O historiador Cláudio Pereira Elmir procurou por cinco anos algum vestígio dos registros policiais que Décio cita. Não encontrou nenhum. “Tenho razões para acreditar que ele inventou as fontes e que pode ter feito o mesmo em outras obras”, disse-me Cláudio no fim de 2008. O nome de Francisco, pura cascata de Décio Freitas, consta até hoje no Livro dos Heróis da Pátria da Presidência da República.
O Novo Quilombo dos Palmares
O Que se Pensava:
- O Quilombo era uma sociedade igualitária, com uso livre da terra e poder de decisão compartilhado;
- Zumbi lutava contra a escravidão;
- Zumbi foi criado por um Padre, recebeu o nome de Francisco e aprendeu Latim;
- Ganga-Zumba, líder que antecedeu Zumbi, traiu o Quilombo ao fechar acordo com os portugueses.
O Que se Pensa Hoje:
- Havia em Palmares uma hierarquia, com servos e reis tão poderosos quanto os da África;
- Zumbi e outros chefes tinham seus próprios escravos;
- As cartas em que um Padre daria detalhes da infância de Zumbi foram forjadas;
- Ao romper o acordo com Portugal, Zumbi precipitou a destruição do Quilombo. (NARLOCH)
Por Hiram Reis e Silva (*), Bagé, 23.09.2022 – um Canoeiro eternamente em busca da Terceira Margem.
Bibliografia
CANSTATT, Oskar. Brasilien, Land und Leute – Alemanha – Berlim – E.S. Mittler und Sohn, 1877.
CARNEIRO, Edison. O Quilombo dos Palmares – Brasil – Rio de Janeiro, RJ – Civilização Brasileira, S/A 1937.
MIRANDA, Evaristo Eduardo de. Quando o Amazonas Corria para o Pacífico – Brasil – Rio de Janeiro, RJ – Ed. Vozes, 2007.
NARLOCH, Leandro. Guia Politicamente Incorreto da História do Brasil – Portugal – Lisboa – Ed. Leya, 2009.
THEVET, D’andré. Histoire de André Thevet Angoumoisin Cosmographe du Roy de Deux Voyages par lui Faits aux Indes Australes et Occidentales, in Le Brésil et les Brésiliens – França – Paris, 1953.
WARREN DEAN. A Ferro e Fogo – Brasil – São Paulo – Companhia das Letras, 1997.
(*) Hiram Reis e Silva é Canoeiro, Coronel de Engenharia, Analista de Sistemas, Professor, Palestrante, Historiador, Escritor e Colunista;
- Campeão do II Circuito de Canoagem do Mato Grosso do Sul (1989)
- Ex-Professor do Colégio Militar de Porto Alegre (CMPA);
- Ex-Pesquisador do Departamento de Educação e Cultura do Exército (DECEx);
- Ex-Presidente do Instituto dos Docentes do Magistério Militar – RS (IDMM – RS);
- Ex-Membro do 4° Grupamento de Engenharia do Comando Militar do Sul (CMS)
- Presidente da Sociedade de Amigos da Amazônia Brasileira (SAMBRAS);
- Membro da Academia de História Militar Terrestre do Brasil – RS (AHIMTB – RS);
- Membro do Instituto de História e Tradições do Rio Grande do Sul (IHTRGS – RS);
- Membro da Academia de Letras do Estado de Rondônia (ACLER – RO)
- Membro da Academia Vilhenense de Letras (AVL – RO);
- Comendador da Academia Maçônica de Letras do Rio Grande do Sul (AMLERS)
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