Descendo o Rio Branco
Fronteiras e a Geografia – Parte III
Jornal do Brasil, n° 165 ‒ Rio de Janeiro, RJ
Segunda-feira, 20.09.1999
What’s News
A geradora elétrica Endesa, do Chile, vai recorrer à justiça para prosseguir a construção da usina hidrelétrica Ralco. O projeto, de US$ 540 milhões, foi interrompido por causa de queixas de índios da tribo Mapuche que alegavam violações do ecossistema. O conglomerado Endesa, de Espanha, vai despedir um total de 670 funcionários no Chile para reduzir custos em todas as divisões que operam no país. Serão 350 empregos na elétrica Endesa Chile, 200 na distribuidora de eletricidade Chilectra e 120 em atividades diversas. (JDB, n° 165)
Jornal do Brasil, n° 178 ‒ Rio de Janeiro, RJ
Domingo, 03.10.1999
Resistência Indígena Dobra Multinacional
SANTIAGO, CHILE – Por enquanto, Davi está derrotando Golias no Chile. Contra todos os prognósticos, depois de uma resistência tenaz que já dura quatro anos, sete modestas famílias de índios Mapuche forçaram o retrocesso de uma poderosa multinacional de energia elétrica, cujo acionista principal é a empresa espanhola Endesa. As famílias se negam a abandonar suas terras ancestrais, que, uma vez desapropriadas, ficariam sepultadas sob as águas da que será a maior represa hidrelétrica do Chile.
Sob todos os aspectos, era uma luta desigual. Mas o juiz titular da 6° Vara Civil de Santiago, Mario Carroza, ordenou a suspensão das obras da represa de Ralco, no Alto Biobío, um vale da Araucânia chilena tradicionalmente isolado e abandonado pelo governo central.
Na batalha, está em jogo o bem mais precioso dos índios Mapuche, a terra, pelo qual há quatro séculos seus antepassados lutaram contra os conquistadores espanhóis. A Endesa defende um projeto orçado em US$ 550 milhões, dos quais já investiu US$ 120 milhões, com 11% da obra realizada. Depois da decisão do juiz Carroza, os dois lados anunciam ações em defesa de seus interesses.
Recursos – Recentemente uma delegação de apoio à causa Mapuche, integrada por parlamentares, advogados e líderes indígenas foi a Madri, para falar com diretores e representantes sindicais da Endesa, partidos políticos e organizações de solidariedade. Disse Alejandro Navarro, deputado socialista:
Queremos informar à opinião pública espanhola como a Endesa atua no Chile e vamos consultar juristas espanhóis sobre os recursos legais de que dispomos para agir contra a empresa.
Como primeira consequência da ordem judicial, os 1.600 operários que trabalhavam na obra perderam o emprego e uma parte deles mantém ocupadas as dependências da construtora.
Navarro acusa a Endesa de provocar um fato político com uma demissão em massa, quando o Chile sofre o índice mais alto de desemprego em 10 anos de democracia. Fontes da empresa respondem que os demitidos trabalhavam em empresas contratadoras.
Energia – A decisão judicial pegou de surpresa o governo chileno, a Endesa e os próprios Mapuche. […]. Nos últimos meses registrou-se a maior seca dos últimos 100 anos, que se traduziu em blecautes e racionamentos em amplas regiões do país. Quando a empresa escolheu o vale do Alto Biobío para construir a represa, ofereceu às comunidades indígenas um plano de permutas de terras. Das famílias afetadas, 91 aceitaram a proposta, que inclui compensações econômicas e o reassentamento em outro vale. Sete famílias, encabeçadas pelas irmãs Nicolasa e Berta Quintremán, disseram não desde o primeiro dia e sua atitude se mantém imutável. As irmãs Quintremán entraram com a questão, origem da decisão judicial. “Endesa: nem por um saco de ouro nos tirarão”, lê-se numa placa no caminho de sua casa. (JDB, n° 178)
Jornal do Brasil, n° 248 ‒ Rio de Janeiro, RJ
Domingo, 12.12.1999
Mapuches Votam no PC
TRICAUCO, CHILE – Não é difícil entender por que os índios Mapuche desta remota comunidade do Sul do Chile vão votar pela candidata comunista Gladys Marín na eleição de hoje. Sua aldeia não tem água potável, o telefone mais próximo está a duas horas de distância a pé e o ônibus só passa duas vezes por semana. A localidade sequer aparece no mapa.
“Não é que os Mapuche acreditem no Partido Comunista, mas eles votarão por um verdadeiro programa de esquerda”, disse Domingo Marileo, de 38 anos, líder da comunidade que fica a 700 quilômetros da capital Santiago. Usando seu poncho de lã colorida, Marileo fala de justiça, autonomia indígena e alternativas às políticas neoliberais.
Os Mapuche, que são 1 milhão na população chilena de 15 milhões, acusam a Concertação ([1]) de não ter, nestes 10 anos, ouvido suas reivindicações de maior autonomia e de devolução de terras de onde alegam terem sido ilegalmente removidos. Os Mapuche querem, por exemplo, a criação de um orçamento regional separado, para que possam usar o dinheiro sem interferência do governo federal. No Norte do país, ao contrário, Lagos é o franco favorito.
“As pessoas do Norte sempre votaram socialista”, diz Emilio Gatica, taxista de Iquique, centro da extração de ouro e cobre. A região foi duramente atingida pela recessão do último ano, mas Gatica garante que:
isso não é motivo suficiente para aderirmos à direita. (JDB, n° 248)
Jornal do Brasil, n° 89 ‒ Rio de Janeiro, RJ
Terça-feira, 06.07.2004
Índios Reclamam Terras
BUENOS AIRES – Centenas de milhares de indígenas argentinos vivem em disputa permanente pela terra que ocupam, apesar de a Constituição reconhecer a propriedade comunitária dos territórios nos quais estão assentados. São muitos os casos de famílias desalojadas pela justiça argentina das terras que ocupam historicamente, já que, em alguns casos, o Estado vende o local para mãos privadas.
Cerca 500 mil índios vivem na Argentina e são originários de uma dezena de etnias que se dedicam à coleta, cultivo e produção de gado de pequeno porte. Um dos casos de violação mais ruidosos aconteceu no dia 31 de maio, quando um tribunal de Esquel, no Sul da Argentina, determinou que as terras ocupadas por um casal Mapuche eram propriedade de uma empresa do Grupo Benetton e determinou uma “restituição definitiva” à multinacional italiana.
Disse o diretor do Conselho Assessor Indígena da Argentina, Hermenegildo Liempe:
Nós indígenas não pedimos ao Estado que nos dê nada, apenas que nos devolva nosso território. Para continuarmos sendo Mapuche, precisamos tem um lugar para nos desenvolver. Queremos que reconheçam nossos direitos.
Na Província de Formosa, a comunidade Pilagá apresentou um recurso de amparo ante a Corte Suprema de Justiça para evitar que se construa uma represa que, segundo eles, “inundará os campos de nove comunidades onde vivem 9 mil índios e causará a morte de hortaliças, aves e peixes”. A alegação é do advogado especialista em direito indígena Luis Zapiola. Contou Zapiola:
Realizamos os estudos ambientais que nos dão razão e conseguimos que o Banco Interamericano de Desenvolvimento [BID, um dos investidores da obra] investigue esta situação – [EFE] (JDB, n° 89)
Emol.economía, n° 89 ‒ Rio de Janeiro, RJ
Segunda-feira, 27.09.2004
Endesa Chile Inaugura Central Ralco
Luego de casi una década de conflictos Endesa puso en marcha este proyecto que requirió una inversión de 570 millones de dólares, con una potencia instalada de 570 megavatios, situada 500 kilómetros al sur este de Santiago.
RALCO – Endesa Chile inauguró hoy su mayor proyecto hidroeléctrico en el país, central Ralco, que cubrirá el 9% de las necesidades de energía del principal sistema, pero con el disgusto de no contar con nuevos proyectos de magnitud en el mediano plazo.
Según sus ejecutivos, la construcción de nuevas plantas generadoras en Chile requiere señales políticas y económicas favorables, ya que las actuales “no son suficientes”. […] (EMOL.COM)
“Movimiento Nación Camba de Liberación”
[…] dotar a la Nación Camba del poder de decisión para ejercer soberanía plena sobre su economía, su territorio y su cultura. (El Movimiento Nación Camba de Liberación)
Bolívia
A Bolívia, berço de civilizações indígenas, integrou o império Inca a partir do século XV. No século XVI, com a chegada dos espanhóis, foi incorporada ao vice-reino do Peru, e mais tarde ao de La Plata.
A luta pela independência, iniciada em 1809, culminou com sua libertação, em 1825, graças a Simón Bolívar. Após uma breve união com o Peru, tornou-se independente e, desde então, perdeu parte do seu território como resultado de negociações e guerras.
A Guerra do Pacífico, entre 1879 e 1881, em que o Chile entrou em confronto com as forças da Bolívia e Peru, resultou na anexação, por parte do Chile, de ricas áreas em recursos naturais dos países derrotados.
A Bolívia cedeu a Província de Antofagasta, ficando sem saída para o Mar, o que se transformou num objetivo nacional boliviano.
“Nación Camba”
A “Nación Camba” é uma região da Bolívia Oriental que cobre dois terços do país e é formado pelos estados de Santa Cruz, Beni, Pando, e departamentos de Chuquisaca e de Tarija. Em pouco mais de um século, a região se converteu na primeira potência econômica do país, graças, sobretudo, à venda do gás e da soja. As características históricas e culturais singulares existentes entre o Altiplano Boliviano e as Zonas Baixas dão origem a movimentos autonomistas e separatistas.
Constituição Boliviana
Artigo 1° – A Bolívia se constitui em um Estado Unitário, Social, de Direito, Plurinacional, Comunitário, livre, autonômico e descentralizado, independente, soberano, democrático e intercultural. Funda-se na pluralidade e no pluralismo político, econômico, jurídico, cultural e linguístico, dentro do processo integrador do país.
O reconhecimento de 36 idiomas oficiais, as indefinições quanto aos direitos e privilégios dos povos originários sem definir quem e quantos são, a falta de demarcação dos limites de seus territórios está causando, como era de se esperar, conflitos étnicos e estimulando o radicalismo regional. A “restituição” de poderes às “nações indígenas originárias” atende perfeitamente ao projeto da Nação Camba. A conciliação dos nacionalismos do Altiplano e das Zonas Baixas é impossível, pois todos pretendem utilizar, em benefício próprio, as rendas do gás e do petróleo.
“Movimiento Nación Camba de Liberación”
A população de Santa Cruz, “locomotiva” econômica da Bolívia, acusa o governo de não priorizar seus interesses e prega autonomia da região de Santa Cruz de la Sierra (“Meia-Lua”). O “Nación Camba” considera que o governo boliviano é centralizador e não prioriza investimentos na “Meia Lua”. Considera que o governo tem toda sua política voltada para o Altiplano:
Mas também existe outra “Nação” não oficial e que representa mais de 30% da população e se assenta sobre um território predominantemente constituído por selvas e planícies do coração da América do Sul e que constitui mais de 70% do território nacional – uns 700 mil km2 –, cuja cultura mestiça vem do cruzamento dos espanhóis e guaranis. Seu analfabetismo não passa de 7% e, do ponto de vista produtivo, é o quinto produtor mundial de soja.
A cidade de Santa Cruz de la Sierra [1,2 milhão de habitantes] realiza mais de 600 eventos internacionais por ano e demonstra sua ampla e indiscutível inserção no mundo globalizado. Constitui “a outra versão” da Bolívia e cujo Movimento aspira obter a autonomia radical desta nação oprimida.
Separatismo
Advertiu o Presidente do Equador Rafael Vicente Correa Delgado:
São intenções separatistas absolutamente ilegais. Os países da região – e eu falei com vários Presidentes – não vão permitir esse tipo de ação. Não permitiremos essas tentativas separatistas que, ademais, refletem influência estrangeira.
Comentou o Presidente da Venezuela Hugo Rafael Chávez Frias:
Estamos, como todo o continente, preocupados com esta agressão contra a Bolívia que vem de fora. É a política do império, é um golpe contra a Bolívia e um golpe contra a América do Sul.
Movimento de Pinça
Encoberto por matizes étnicos e econômicos, notamos um “movimento de pinça” que envolverá necessariamente o Brasil e que tem, sem sombra de dúvida, os USA por trás do processo. Os líderes do Movimento Nação Camba garantem que se não conseguirem a almejada autonomia, o caminho será a separação e a luta armada. Os insurgentes contam com milícias de mais de 15 mil homens, treinados por paramilitares das Autodefesas Unidas da Colômbia (AUC), e armamento de última geração negociado com Israel. É notória a ligação dos paramilitares da AUC com o primeiro escalão do governo colombiano de Álvaro Uribe, maior aliado dos USA na América do Sul, e como o fornecedor de armas é Israel, maior aliado dos USA no mundo, se conclui, sem muito esforço, quem está por detrás do movimento separatista.
Instalado o conflito, os USA intervirão diretamente, já que eles mesmos o fomentaram e nesta ocasião seremos envolvidos em um movimento de pinça cujos resultados são imprevisíveis.
Por Hiram Reis e Silva (*), Bagé, 09.09.2022 – um Canoeiro eternamente em busca da Terceira Margem.
Bibliografia
EMOL.COM. Endesa Chile Inaugura Central Ralco ‒ Brasil ‒ Rio de Janeiro, RJ ‒ Emol.economía, n° 89, 27.09.2004.
JDB, n° 165. What’s News ‒ Brasil ‒ Rio de Janeiro, RJ ‒ Jornal do Brasil, N° 165, 20.09.1999.
JDB, n° 178. Resistência Indígena Dobra Multinacional ‒ Brasil ‒ Rio de Janeiro, RJ ‒ Jornal do Brasil, N° 178, 03.10.1999.
JDB, n° 248. Mapuches Votam no PC ‒ Brasil ‒ Rio de Janeiro, RJ ‒ Jornal do Brasil, N° 248, 12.12.1999.
JDB, n° 89. Índios Reclamam Terras ‒ Brasil ‒ Rio de Janeiro, RJ ‒ Jornal do Brasil, N° 248, 12.12.1999.
(*) Hiram Reis e Silva é Canoeiro, Coronel de Engenharia, Analista de Sistemas, Professor, Palestrante, Historiador, Escritor e Colunista;
- Campeão do II Circuito de Canoagem do Mato Grosso do Sul (1989)
- Ex-Professor do Colégio Militar de Porto Alegre (CMPA);
- Ex-Pesquisador do Departamento de Educação e Cultura do Exército (DECEx);
- Ex-Presidente do Instituto dos Docentes do Magistério Militar – RS (IDMM – RS);
- Ex-Membro do 4° Grupamento de Engenharia do Comando Militar do Sul (CMS)
- Presidente da Sociedade de Amigos da Amazônia Brasileira (SAMBRAS);
- Membro da Academia de História Militar Terrestre do Brasil – RS (AHIMTB – RS);
- Membro do Instituto de História e Tradições do Rio Grande do Sul (IHTRGS – RS);
- Membro da Academia de Letras do Estado de Rondônia (ACLER – RO)
- Membro da Academia Vilhenense de Letras (AVL – RO);
- Comendador da Academia Maçônica de Letras do Rio Grande do Sul (AMLERS)
- Colaborador Emérito da Associação dos Diplomados da Escola Superior de Guerra (ADESG).
- Colaborador Emérito da Liga de Defesa Nacional (LDN).
- E-mail: [email protected].
[1] Concertação: aliança de centro-esquerda que estava no poder desde que o General Augusto Pinochet o deixou em 1990. (Hiram Reis)
Deixe um comentário