Descendo o Rio Branco 

Cel Hiram em seu caiaque

Fronteiras e a Geografia – Parte I

O último Rei muçulmano de Granada, Abu Abd Allāh Muhammad XII ([1]), depois de ter perdido seu reino, rompeu em prantos, e sua mãe censurando-o disse:
“Choras como mulher o que
não soubeste defender como homem”
.

Muito se tem falado de que as fronteiras já estão absolutamente definidas. Ledo engano. A Geografia Política é dinâmica e continua embalada por uma série interminável de eventos que determinarão reconfigurações nos limites de diversas nações, ainda, neste início de século.

Um olhar mais atento nos apresenta conflitos importantes que podem ter repercussão mundial; outros, de menor grandeza, afetarão continentes e países fronteiriços e, outros ainda, acredito que, num maior número, serão sentidos dentro das próprias fronteiras nacionais. Estes movimentos estão sendo estimulados, apoiados e não raras vezes financiados pelos países mais desenvolvidos. Tentam, com isso, fragmentar os territórios minando, em consequência, o desenvolvimento das nações emergentes.

Não há interesse, por parte dos Estados mais poderosos, de que surjam novas e fortes economias alterando sua posição de domínio no mundo.

A permanência do “status quo” justifica quais­quer tipos de retaliações, intervenções, massacres, sempre utilizando termos mais simpáticos para este tipo de ação, procurando desviar o foco de seus reais objetivos.

Estado Plurinacional

Os cinco vice-reinados e as cinco capitanias do império espanhol se dividem em 25 países. As treze colônias Norte-americanas se unem e formam a nação mais poderosa da Terra. Divide e vencerás; une e reinarás.
(Simón Bolívar)

Diz-se que as leis internacionais não amparam ações que atentem contra a soberania dos povos. Basta volver os olhos ao passado e verificar a série de intervenções que foram desencadeadas em todo o mundo, nos últimos 150 anos, para verificar que a maioria delas ocorreu sem o foro adequado.

Les Lions du Jour, 1867

As justificativas apresentadas aos incautos como defesa da democracia, manutenção dos direitos huma­nos, autodeterminação, proteção ao meio ambiente e tantas outras têm, como pano de fundo, na verdade, a finalidade pura e simples de garantir ou restabelecer o acesso das potências hegemônicas aos recursos naturais destes países ou assegurar a influência política em Estados recém-criados ou que pleiteiam sua independência. Alardeiam os doutos do direito internacional que a evolução do Estado moderno para o Estado Plurinacional é uma tendência mundial e deverá ceder espaço, futuramente, a um modelo diferenciado. Na União Europeia, o direito da Comunidade predomina sobre o direito do Estado, e os poderes comunitários têm mais força que os poderes locais.

As nações que aderiram ao Plurinacionalismo abriram mão de parcela de sua soberania para submeterem-se às regras da comunidade. Enquanto o primeiro mundo une forças para enfrentar os difíceis tempos do porvir, os povos dos países em desenvolvimento, insuflados por forças alienígenas, se esforçam para tornar mais frágeis, ainda, suas economias, se digladiando em diversos movimentos separatistas.

Sua Majestade Orélie-Antoine I

Argentina e Chile – “Nação Originária Mapuche

Mapuche
[…] El Estado araucano acostumbrado
A dar leyes, mandar y ser temido,
Viéndose de su trono derribado,
Y de mortales hombres oprimido;
De adquirir libertad determinado,
Reprobando el subsidio padecido,
Acude al ejercicio de la espada,
Ya por la paz ociosa desusada. […]
(ZÚÑIGA, 1884)

Mapu” significa terra e “che”, pessoa, assim sendo, os Mapuche são pessoas da terra numa referência às pessoas que pertencem e integram um território. A coroa de Espanha, após ter enfrentado uma heroica resistência Mapuche de 106 anos, conhecida como Guerra de Arauco, em 06.01.1641, assinou o Tratado de Killín, através do qual a Espanha reconhecia a autonomia territorial Mapuche.

A primeira e única nação indígena do continente, cuja soberania e autonomia foi reconhecida juridicamente, um feito extraordinário na história dos povos indígenas Sul-Americanos.

Nos dois séculos que se seguiram, o Rio Bío-Bío foi considerado como fronteira natural e os territórios situados ao Sul deste como Território Mapuche. No período de 1860 a 1885, os governos argentino e chileno realizaram uma operação militar conjunta denominada “Pacificación de la Araucanía” pelos chilenos e “Conquista del Desierto” pelos argentinos, que teve como resultado o confisco e ocupação do território dos Mapuche por colonos e a deportação das “pessoas da terra” para uma série de “reduções” e “reservas” onde grande parte foi confinada.

Sua Majestade Orélie-Antoine I

O Rei da Araucanía

[…] Era uma vez, em Périgueux, um advogado chamado Antoine de Tounens. O Sr. de Tounens era um homem benquisto e um advogado cujo trabalho havia sido benéfico para muitos. Ele poderia ter continuado a vida na sua cidade natal, honrado, estimado e, depois de uma existência cheia de façanhas ‒ pacíficas ‒, finar-se sem glória. […] O virtuoso advogado talvez tenha lido a famosa frase de Napoleão em algum lugar:

Encontrei uma coroa no esgoto, limpei a sujeira e coloquei-a na minha cabeça;

E ele provavelmente pensou consigo mesmo:

Se colecionamos grinaldas, é porque elas estão por aí; procuremos uma para colocar em nossas cabeças, certamente ficará melhor do que um chapéu!

M. de Tounens, então, resolveu abandonar tudo e como um novo Jasão, herói mitológico, partiu para conquistar o “Velocino de Ouro” dos seus sonhos. Bonaparte já havia encontrado uma coroa no esgoto, portanto, ele não poderia esperar encontrar outra no mesmo lugar ‒ as chances seriam mínimas.

Seria mais prudente direcionar seus esforços para uma região um pouco mais virgem que a terra parisiense, onde as coroas são colhidas antes mesmo de cair, tão considerável o número de concorrentes. Em junho de 1858, M. de Tounens deixou a França, embarcou em Southampton em um navio com destino ao Chile e, a 22.08.1858, chegou incógnito a Coquimbo, com um amigo que a ele se associara e que viria a ser seu Primeiro Ministro ‒ no dia em que ele viesse a se tornar Rei. […]

Em Coquimbo, o ex-advogado de Périgueux, enquanto vivia incógnito, foi coletando, cuidadosamente, algumas informações e principiou, também, a estudar o espanhol e o “chiliduga” ‒ a língua dos conquistadores e a dos conquistados. Ele se encontrava no território de uma República que ainda não estava preparada para uma monarquia constitucional a ser por ele estabelecida; mas, além desta república, havia outra que lhe parecia mais favorável aos projetos que havia formulado.

La Araucana – Don Alonzo de Ercilla, 1843 – Copia

Um era o Chile; o outro foi a Araucanía, que corta o Chile pela metade. Os Caciques de um não se davam bem com os Caciques do outro, os dois Estados vizinhos estavam em eterna beligerância, uma boa oportunidade de fisgar a tão desejada coroa na ponta de sua linha, pescando em águas turvas!

O Sr. de Tounens arregaçou as mangas, melhorou seu espanhol e “chiliduga” e redigiu a Constituição que ele pretendia dar ao seu povo, ‒ devo dizer ao seu povo, porque a Araucanía compreende quatro ou cinco, talvez seis etnias, muito distintas: os Moluches, os Piunches, os Puelches, os Huilliches, os Pehuenches e os Aucas ou Araucans propriamente ditos. Esses povos sempre foram temidos pelos espanhóis, que nunca foram capazes de dominá-los completamente, e seu território se tornou uma fonte permanente de hostilidades, às vezes repelidas, às vezes toleradas pela impotência do governo. Eles são divididos em tribos nômades e sedentárias ‒ unidas entre si por uma espécie de federação presidida pelo chefe mais experiente na guerra, que recebe o título de Toqui ([2]).

M. de Tounens almejava ser o Toqui dos araucanos ‒ um Toqui constitucional, com uma Carta, mas, também, com uma coroa e um casaco de arminho. Ah! O arminho e a coroa eram imperativos, e ele os teria. O Sr. de Tounens talvez estivesse um tanto apressado para criar uma república e torná-la seu reino. Talvez ele não conhecesse bem o ritmo dos povos que ele desejava ter como súditos.

Ele os viu através da nuvem dourada do poema épico de Don Alonzo de Ercilla, “La Araucana”, que Cervantes compara aos grandes épicos italianos, e fez de “La Araucana” uma segunda edição de “La Arcadia” ‒ antes da conquista dos romanos.

A descrição que ele descreve, em uma brochura decorada com seu retrato, é prova irrefutável. Por algum tempo, ele teria dito aos araucanos o que Virgílio disse sobre os Arcádios no seu 10° égloga ([3]):

[…] Soli tantare perili Arcades […] ([4])

E, no entanto, os araucanos estão longe de ser tão encantadores quanto ele os imagina. Não sei se eles gostam de poesia e música, mas admito que não parecem gostar.

La Araucana

Eles são muito fortes, mas muito feios. Rosto achatado, largo e cor de cobre, lábios grossos, crina preta como cabelos, olhos levemente ferozes etc. etc. […]

Mas Júpiter cega aqueles que ele quer perder. Quando o Sr. de Tounens se considerou suficientemente conhecedor dos costumes dos Moluches e, informado das necessidades dos Huilliches, empunhou as malas e partiu com o pé esquerdo para conquistar seu reino. Ai! Teme-se que o reino de M. de Tounens não seja deste mundo ‒ antigo ou novo!

Assim, no final de 1860, seguido por seu fiel companheiro M. […], M. de Tounens atravessou o Rubicão e do Chile passou para a Araucanía, onde a voz do povo o invocava e a vontade de Deus. “Vox populi, vox Dei”. É Verdade! Sempre! Acrescento, que é verdade, que um certo número de caciques, vencidos ‒ sem dúvida por persuasão ‒ foram os cúmplices deste pacífico conquistador, que não se parecia nenhum pouco com Pizarro e Fernão Cortez.

Araucana – Copia

Uma vez empossado, o ex-advogado que se tornou Rei de “motu proprio” ([5]) ‒ comunicou a quem de direito seus títulos à coroa e convocou para vir e aclamá-lo com urgência os bons Puelches e Moluches, que certamente não o atenderam com tanta felicidade e presteza. […] Quanto à Constituição adotada, a quem possa interessar, pelo Ministério do Cacique, e que seguiu de perto, como se pode imaginar, o Decreto anterior, eu a reproduziria na íntegra, com prazer, não fosse tão longa. Você a encontrará no arquivo publicado por M. de Tounens em seu retorno à França, após sua expulsão de sua Arcádia, e não por seus “Mil Arcadianos”, mas pelos chilenos, que, assustados com o mau exemplo que pretendiam dar aos seus vizinhos, apressaram-se a prendê-lo, ‒ contando com a cumplicidade de seu jovem escudeiro, por eles corrompidos à preço do ouro ‒, o jogaram em uma masmorra e o teriam fuzilado sem tambor nem trombeta não fosse a intervenção oportuna do cônsul francês. […]

Quanto tempo durou o sonho real de M. de Tounens? Quase um ano desde a proclamação, em 17.11.1860, ‒ e não há evidências de que a entronização realizou-se imediatamente ‒ e que ele foi preso no início de 1862. Ele finalmente deixou a prisão, em Angeles, no meio desse citado ano de 1862 e voltou timidamente para Paris, onde a repercussão de suas gloriosas aventuras o precedera. Repercussão nada lisonjeira! Os parisienses tratam os príncipes que se proclamam reis com firmeza ‒ guilhotinando-os; mas tratam irreverentemente ‒ atirando ironias nos ousados cuja audácia não foi coroada de sucesso. Zombamos, aos berros, da troupe do ex-advogado de Périgueux, vaiamos sem piedade sua Majestade Orélie-Antoine I, agora apenas Tounens ‒ e não hesitamos em considerá-lo um louco! Foi assim que o Rei da Araucanía e da Patagônia tornou-se o leão de Paris. O prestígio que ele ambicionava alcançar foi tão diminuído que, em outubro de 1864, um hoteleiro vulgar ousou denunciá-lo nas bancas da Polícia Correcional por uma quantia miserável de 3.600 francos, relativos a uma dívida com mantimentos que ele não conseguia quitar! Isso mostra que o único palácio que este monarca descaído conquistou foi a quantia ridícula da comida que ele devia. […] Misérias dos ambiciosos! Atualmente, M. de Tounens, a quem o fracasso parece não ter corrigido, sonha mais do que nunca em conquistar Araucanía e em reconstruir seu falido trono. Só que desta vez, não um desconhecido, com a mala em uma das mãos e proclamações na outra, ele pretende retornar ao reino do qual, julga ele, foi indevidamente alijado: é como Pizarro e Fernão Cortez, à frente de um peque­no exército de guerrilheiros. Boa sorte, Majestade!

Boa sorte! Mas se você falhar novamente, acho que terá o bom senso de não retornar à França para curar as feridas de ambição desenfreada. Nós realmente temos algo a fazer! Uma arruaça a mais ou a menos na superfície do globo não é nada interessante para os filhos dos jacobinos. […] (DELVAU)

Diário de Pernambuco, n° 55
Recife, PE ‒ Quinta-feira, 07.03.1861
Exterior
Buenos Aires, 13 de fevereiro de 1861

Em Arauco passam-se coisas extraordinárias, constituindo-se ali um governo monárquico. É digna de notar-se a ingerência que nestes acontecimentos têm tomado vários aventureiros franceses, como se verá ao ler o nome de Ministros de S. M. Orélie-Antoine I. Fundação de um governo monárquico e constitucional na Araucanía:

Nós abaixo assinado, Príncipe Orélie-Antoine de Tounens, considerando que a Araucanía é independente dentre qualquer estado e está dividida em tribos sem um governo central, e que no interesse geral e especial dos seus habitantes é necessário estabelecer um.

Fica em consciência fundado e estabelecido o que segue:

Art. 1° A Araucanía está e permanece desde agora fundada em reino monárquico constitucional, a favor do Príncipe Orélie-Antoine de Tounens, que é Rei deste estado com direito de herança em perpetuidade para ele e sua família;

Art. 2° No caso de não ter o Rei descendentes diretos, os seus herdeiros ao trono que acaba de fundar sairão dos outros ramos da família, segundo a ordem que ulteriormente se estabelecerá por uma ordenação real.

Art. 3° Enquanto não se constituem os Corpos do Estado, terão força de lei os Decretos do Rei;

Art. 4° Nosso Ministro e Secretário de Estado da Justiça fica encarregado da execução do presente ato.

Dado na Araucanía a 17 de novembro de 1860.

Orélie-Antoine I

Pelo Rei.

O Ministro e Secretário de Estado dos Negócios da Justiça.

F. Desfontaine

Segue-se uma da divisão territorial e administra­tiva do Reino de Araucanía, que assim principia:

Orélie-Antoine I, por graça de Deus, Rei da Araucanía, a todos os presentes e futuros saúda.

Apraz-nos e ordenamos:

Tit. I    Da administração territorial. Quatro artigos dividindo a Araucanía em Departamentos e Comunas;

Tit. II   Da administrarão departamental. Criação de um Prefeito, de um Conselho de Prefeitura e de outro Departamental;

Tit. III Do Conselho dos Cantões;

Tit. IV  Da administração das Comunas.

Dado na Araucanía a 17 de novembro de 1860.

Segue-se um Decreto ordenando a aplicação das leis francesas à Araucanía, as quais se irão depois modificando conforme exigirem as circunstâncias. Afinal a constituição:

Art. 1° Reconhece e estabelece a liberdade do povo da Araucanía, e igualdade ante a lei;

Art. 2° Estabelece as formas do governa monárquico;

Art. 3° Atribuições e privilégios do Rei, que são os de toda a monarquia constitucional;

Art. 4° Dos Ministros e suas atribuições;

Art. 5° Do Conselho do Reino e suas atribuições;

Art. 6° Do Conselho de Estado;

Art. 7° Do Corpo Legislativo;

Art. 8° Do Supremo Tribunal de Justiça;

Art. 9° Disposições gerais e transitórias.

O artigo 9° trata das petições, das sedições, Conselhos de Guerra e Estado de Sítio. O § 54 diz:

Durante o estado do sítio, as mulheres, as crianças, os doentes e todos os mais indivíduos que não tomarem parte nas agitações, sedições ou revoluções serão religiosamente respeitados; a propriedade pública e privada o será igualmente.

O § 56 diz:

O chefe ou chefes diretos ou indiretos de agitações, sedições ou revoluções, os que nelas tomarem parte ou trouxerem armas à mostra ou escondidas, ou ministrarem armas ou dinheiro aos insurgentes, ou se tornarem réus de outros delitos públicos cujo objeto for perturbar a paz, serão castigados com prisão perpétua.

Em seguida a organização eclesiástica.

O Rei, considerando quão oneroso e pouco digno é para o clero andar cobrando direitos, decreta que todo ele seja dotado pelo estado, de modo que os seus membros possam sustentar dignamente a sua posição social. (DIÁRIO DE PERNAMBUCO, N° 55)

O Comércio, n° 17
São Luís, MA ‒ Sábado, 27.04.1861
Um Novo Theodoro

O “Correio do Sul” dá a seguinte curiosa notícia:

Um novo Theodoro ‒ temos um novo trono constitucional na América, e pelo que parece vindo de França nalguma pacotilha de quinquilharias. Surge-nos ele no meio da indômita Araucanía que D. Alonso de Ercilla e Zúñiga cantou, e que ainda hoje não perde na sua reputação guerreira, nem dobrou a cerviz ([6]) à dominação chilena.

No meio dos combates dessas tribos belicosas, e enquanto levam a um e outro lado suas lanças temerosas, levanta-se toda uma monarquia representativa; e a sua primeira e ainda única notícia chega-nos com os decretos da fundação e organização do reino.

Pelos nomes do Rei e seus Ministros vê-se que o negócio veio do outro lado do Atlântico, e sabe Deus senão das margens do Gorona; mas enfim veremos quanto tempo medra […] (O COMÉRCIO, N° 17)

Semana Illustrada, n° 498
Rio de Janeiro, RJ ‒ Domingo, 26.06.1869
Badaladas

Está o Chile a braços com os araucanos. Quem nos dá notícia disto é o Diário Oficial.

Sabe toda a gente que um celebre Orélie-Antoine, advogado em Paris, foi há anos ao Chile, e conseguiu dos índios que o aclamassem Rei da Araucanía.

Orélie-Antoine I declarou guerra ao Chile, e o governo apenas lhe pôs a mão em cima tratou de armar um processo, que não foi adiante, por duas razões: primeiro, porque a diplomacia interveio amigavelmente; depois por que o ex-Rei deu sebo às canelas.

Foi S. M. Araucania viver em Paris, sem coroa nem corte. Lembra-me ter lido há tempos em uma folha parisiense que o infeliz Orélie-Antoine I sofrera lá um processo por uma ratonice. […]

Atormentado pela saudade, cheio de ambições, saiu agora aquele Napoleão da sua ilha de Elba e veio para os seus súbditos que o reconheceram logo e o puseram de novo no trono. Não se deteve Orélie-Antoine I com as delicias do ofício de reinar.

Organizou as suas tropas e começou a atacar os territórios civilizados da república chilena. Posto que o Ilm° Sr. Orélie-Antoine I me pareça sofrivelmente singular, não deixo de notar que há nesse homem qualidades que de algum modo lhe dão algum valor. Dr. Semana. (SEMANA ILLUSTRADA, N° 498)

La Araucana – Canto III
(Alonso de Ercilla e Zúñiga)   

Ésta fue quien halló los apartados
Indios de las antárticas regiones;
Por ésta eran sin orden trabajados
Con dura imposición y vejaciones:
Pero rotas las cinchas, de apretados,
Buscaron, modo y nuevas invenciones
De libertad, con áspera venganza,
Levantando el trabajo la esperanza.

Cuán cierto es, cómo claro conocemos,
Que al doliente en salud consejos damos,
Y aprovecharnos dellos no sabemos;
Pero de predicarles nos preciamos.
Cuando en la sosegada paz nos vemos,
¡Qué bien la dura guerra platicamos!
¡Qué bien damos consejos y razones
Lejos de los peligros y ocasiones!

¡Cómo de los que yerran abominan
Los que están libres en seguro puerto!
¡Qué bien de allí las cosas encaminan,
Y dan en todo un medio y buen concierto!
¡Con qué facilidad se determinan,
Visto el suceso y daño descubierto!
Dios sabe aquel que la derecha vía,
Metido en la ocasión, acertaría.

Valdivia iba siguiendo su jornada,
Y el duro disponer del hado duro,
No con la furia y prisa acostumbrada,
Présago y con temor del mal futuro:
Sospechoso de bárbara emboscada,
Por hacer el camino más seguro,
Echó algunos delante para prueba,
Pero jamás volvieron con la nueva.

Viendo los nuestros ya que al plazo puesto
Los tardos corredores no volvían,
Unos juzgan el daño manifiesto,
Otros impedimentos les ponían:
Hubo consejo y parecer sobre esto;
Al cabo en caminar se resolvían,
Ofreciéndose todos a una suerte,
un mismo caso y a una misma muerte.

Aunque el temor allí tras esto vino,
En sus valientes brazos se atrevieron,
Y a su próspera suerte y buen destino
El dudoso suceso cometieron:
No dos leguas andadas del camino,
Las amigas cabezas conocieron,
De los sangrientos cuerpos apartadas,
Y en empinados troncos levantadas.

No el horrendo espectáculo presente
Causó en los firmes ánimos mudanza;
Antes con ira y cólera impaciente
Se encienden más, sedientos de venganza:
Y de rabia incitados nuevamente
Maldicen y murmuran la tardanza:
Sólo Valdivia calla y teme el punto;
Pero rompió el silencio y pena junto

Diciendo: “¡Oh compañeros! do se encierra
Todo esfuerzo, valor y entendimiento:
Ya veis la desvergüenza de la tierra,
Que en nuestro daño da bandera al viento:
Veis quebrada la fe, rota la guerra,
Los pactos van del todo en rompimiento:
Siento la áspera trompa en el oído,
Y veo un fuego diabólico encendido”.

“Bien conocéis la fuerza del Estado,
Con tanto daño nuestro autorizada:
Mirad lo que Fortuna os ha ayudado
Guiando con su mano vuestra espada;
El trabajo y la sangre que ha costado,
Que della está la tierra alimentada;
Y pues tenemos tiempo y aparejo,
Será bueno tomar nuevo consejo”.

“Quien estos son tendréis en la memoria,
Pues hay tanta razón de conocellos,
Que si dellos no hubiésemos vitoria
Y en campo no pudiésemos vencellos,
Será tal su arrogancia y vanagloria,
Que el mundo no podrá después con ellos;
Dudoso estoy, no sé, no sé qué haga
Que a nuestro honor y causa satisfaga”.

“La poca edad y menos experiencia
De los mozos livianos que allí había,
Descubrió con la usada inadvertencia
A tal tiempo no su necia valentía,
Diciendo: “¡Oh capitán! danos licencia,
Que solos diez sin otra Compañía
El bando asolaremos araucano,
Y haremos el camino y paso llano”.

“Lo que jamás hicimos en estrecho,
No es bien por nuestro honor que lo hagamos.
Pues es cierto, que cuanto habemos hecho,
Volviendo atrás un paso, lo manchamos:
Mostremos al peligro osado pecho,
Que en él está la gloria que buscamos”.
Valdivia, de la réplica sentido,
Enmudeció de rabia y de corrido. […]

Carte du Royaume d’Araucanie-Patagonie, 1865

Por Hiram Reis e Silva (*), Bagé, 05.09.2022 – um Canoeiro eternamente em busca da Terceira Margem.

Bibliografia:  

DELVAU, Alfred. Les Lions du Jour ‒ Physionomies Parisiennes ‒ França ‒ Paris ‒ E. Dentu, Éditeur, 1867.

DIÁRIO DE PERNAMBUCO, N° 55. Exterior – Arauco ‒ Brasil ‒ Recife, PE ‒ Diário de Pernambuco, N° 55, 07.03.1861.

O COMÉRCIO, N° 17. Um Novo Theodoro – Brasil – São Luís, MA – O Comércio, N° 17. 27.04.1861.04.

SEMANA ILLUSTRADA, N° 498. Badaladas – Brasil – Rio de Janeiro, RJ – Semana Illustrada, n° 498, 26.06.1869.   

(*) Hiram Reis e Silva é Canoeiro, Coronel de Engenharia, Analista de Sistemas, Professor, Palestrante, Historiador, Escritor e Colunista;  

  • Campeão do II Circuito de Canoagem do Mato Grosso do Sul (1989)
  • Ex-Professor do Colégio Militar de Porto Alegre (CMPA);
  • Ex-Pesquisador do Departamento de Educação e Cultura do Exército (DECEx);
  • Ex-Presidente do Instituto dos Docentes do Magistério Militar – RS (IDMM – RS);
  • Ex-Membro do 4° Grupamento de Engenharia do Comando Militar do Sul (CMS)
  • Presidente da Sociedade de Amigos da Amazônia Brasileira (SAMBRAS);
  • Membro da Academia de História Militar Terrestre do Brasil – RS (AHIMTB – RS);
  • Membro do Instituto de História e Tradições do Rio Grande do Sul (IHTRGS – RS);
  • Membro da Academia de Letras do Estado de Rondônia (ACLER – RO)
  • Membro da Academia Vilhenense de Letras (AVL – RO);
  • Comendador da Academia Maçônica de Letras do Rio Grande do Sul (AMLERS)
  • Colaborador Emérito da Associação dos Diplomados da Escola Superior de Guerra (ADESG).
  • Colaborador Emérito da Liga de Defesa Nacional (LDN).
  • E-mail: [email protected].

[1]    Última dinastia muçulmana na Península Ibérica, fundada por Maomé ibn al-Ahmar após a derrota do Almóadas na Batalha de Navas de Tolosa (1212). (Hiram Reis)

[2]   Toqui (em mapudungun: aquele que possui o machado): título conferido àqueles que são escolhidos como seus senhores da guerra. (Hiram Reis)

[3]   Égloga: poema em forma de diálogo ou de solilóquio sobre temas rústicos, cujos intérpretes são via de regra pastores. Inicialmente, o termo, que significava poesia seleccionada, foi aplicado aos poemas bucólicos de Virgílio. A partir daí, aplica-se às pastorais e aos idílios tradicionais que Teócrito e outros poetas sicilianos escreveram (Carlos Ceia, E-Dicionário de Termos Literários).

[4]   Soli tantare perili Arcades: solução para Arcades. (Hiram Reis)

[5]   Motu Proprio: por iniciativa própria. (Hiram Reis)

[6]   Que se alguém dobrar-me a espinha, há de ser depois de morto! (Jayme Caetano Braun)