Decisão do ministro Alexandre de Moraes entende que obras que afetem indígenas exigem consulta
Em decisão do dia 1°, o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), reconheceu que o direito dos povos indígenas do médio Xingu a serem ouvidos sobre a construção da hidrelétrica de Belo Monte foi violado. É a primeira ação sobre o barramento do Xingu que chega ao STF, e é a segunda vez que a corte se pronuncia sobre o direito de autodeterminação e também de consulta aos povos indígenas previsto tanto no artigo 231 da Constituição brasileira quanto na Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), que tem força de lei no Brasil desde 2004.
A decisão negou o prosseguimento de recursos da Eletrobrás, Eletronorte, Ibama e União, que buscavam anular acórdão do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1) a favor do Ministério Público Federal (MPF) em ação iniciada em 2006 na Justiça Federal do Pará. Para o MPF, o Decreto Legislativo 788/2005 emitido pelo Congresso Nacional para autorizar a implantação de Belo Monte é inconstitucional por não ter sido precedido de oitiva das comunidades indígenas afetadas. O decreto foi aprovado em tempo recorde a pedido do governo federal e nenhum povo foi consultado.
A ação do MPF pedia a paralisação do licenciamento da usina e chegou a ser emitida liminar ordenando a suspensão. Na época o governo recorreu ao STF pedindo uma suspensão de liminar, que foi concedida pela então presidente do Supremo, ministra Ellen Gracie, hoje aposentada. A suspensão é um tipo de decisão que impede a eficácia de qualquer outra decisão dentro do processo até que ele transite em julgado. Por esse motivo, já que ainda existe um recurso possível para o governo contra o MPF, a decisão do dia 1 não entrará em vigor imediatamente e o caso deverá ser apreciado pelo plenário do Tribunal.
Precedente – A decisão de Alexandre de Moraes é um precedente importante, sendo a segunda a reconhecer o direito de consulta prévia na corte mais alta do judiciário brasileiro. Em outro processo sobre a instalação de um porto no Rio Grande do Sul a ministra Carmen Lúcia, no ano passado, já havia determinado a realização da consulta a indígenas afetados.
Em outros países signatários da Convenção 169, como Colômbia e Equador, o tema já foi tratado pelas cortes superiores com decisões que reconhecem o direito dos povos à autodeterminação e, portanto, de serem consultados antes de obras ou decisões que afetem seus territórios, suas vidas e seu futuro. Em tribunais inferiores no Brasil, como o TRF1, o tema já foi tratado em diversos processos judiciais, inclusive no caso de Belo Monte. Na prática, a decisão mais recente do STF confirma o acórdão anterior do TRF1 que reconhecia o direito de consulta antes das obras da hidrelétrica.
“Destaque-se, também, que o dever de se ouvir previamente as comunidades indígenas afetadas não é, segundo a finalidade essencial da Constituição Federal, uma escuta meramente simbólica. Muito pelo contrário, essa oitiva deve ser efetiva e eficiente, de modo a possibilitar que os anseios e as necessidades dessa parte da população sejam atendidos com prioridade”, diz a decisão do ministro.
Moraes cita e concorda com o acórdão do TRF1, que estava sendo questionado pelo governo federal, da lavra do desembargador federal Souza Prudente. “Como se observa das letras desses dispositivos de âmbito internacional a que aderiu o Brasil com a responsabilidade, social de lhe dar eficácia plena, afirma-se, nas letras desses dispositivos o direito fundamental à liberdade dos povos indígenas como direito humano de livre participação do seu destino, não se admitindo que seja empregada nenhuma forma de força ou de coerção que viole os seus direitos humanos e as suas liberdades fundamentais, como povos interessados no desenvolvimento das suas culturas e também no desenvolvimento nacional”, diz o julgamento que concluiu pela consulta, no dia 13 de agosto de 2012.
Obras que afetem terras indígenas – Outro componente importante da decisão de Alexandre de Moraes sobre a consulta prévia de Belo Monte é recusar a argumentação recorrente do governo federal de que as obras da usina não ocorreram dentro de terras indígenas, portanto não caberia a consulta prévia. “Não se sustenta o argumento do Ibama, igualmente sustentado pela União, de que o empreendimento não se localiza em terras indígenas, pois, conforme muito bem destacado pelo Tribunal Regional Federal da 1ª Região, mostra-se inegável que, embora o empreendimento em si não esteja totalmente localizado em áreas indígenas, os seus impactos – os quais abrangem área muito superior à do próprio empreendimento – indiscutivelmente abrangeram terras indígenas”, diz Moraes.
Para o ministro, “uma interpretação sistemática e finalística do art. 231 da Constituição Federal não impõe como requisito que o empreendimento propriamente dito esteja situado em terras indígenas, mas apenas que estas terras venham a ser efetivamente por ele afetadas. Do contrário, caso o referido dispositivo constitucional seja interpretado de forma literal e restritiva, como proposto pelos recorrentes, admitir-se-ia o absurdo de considerar constitucional a realização de empreendimento que, por não estar incluído em terras propriamente indígenas, venha a torná-las inóspitas, direta ou indiretamente, ou prejudicar drasticamente a cultura e a qualidade de vida das populações indígenas que habitam na região”.
Atos nulos – Ao negar o prosseguimento dos recursos a favor de Belo Monte no processo que trata da ausência de consulta, o ministro Alexandre de Moraes afirmou ainda que, de acordo com o artigo 231 da Constituição brasileira, sem a existência de uma lei complementar específica, os recursos hídricos que banham as terras indígenas do médio Xingu não poderiam ter sido desviados para alimentar as turbinas da usina.
“Por fim, o artigo 231, §6º, da CF/1988 dispõe que são nulos e extintos, não produzindo efeitos jurídicos, os atos que tenham por objeto a ocupação, o domínio e a posse das terras a que se refere este artigo, ou a exploração das riquezas naturais do solo, dos rios e dos lagos nelas existentes, ressalvado relevante interesse público da União, segundo o que dispuser lei complementar”, disse, para concluir: “embora existam anteprojetos de Lei Complementar buscando regulamentar esse dispositivo, certo é que a norma ainda não foi editada”.
Ministério Público Federal no Pará – MPF
Assessoria de Comunicação
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