Descendo o Rio Branco

Pres. Vargas em Belém (A Batalha, n° 4.346)

Braz Dias de Aguiar – Parte III

Diário da Noite, N° 262
Rio de Janeiro, RJ ‒ Segunda-feira, 11.08.1930<
Às Zonas mais Desconhecidas da América do Sul
Partiu Hoje, à Tarde, pelo “Santos”, a Comissão de Limites Entre o Brasil e a Venezuela ‒ Interessantes Informações Prestadas pelo Chefe Dessa Comissão, Cmt Braz Aguiar 

Embarcou hoje, a bordo do paquete “Santos”, com destino a Manaus, de onde partirá para as nossas fronteiras com a Venezuela, a Comissão Brasileira de limites, que vai definitivamente demarcar e fixar as linhas divisórias entre os dois Países. É chefe dessa importante Comissão o Comandante Braz Dias de Aguiar, de nossa Marinha, de Guerra, que já tem feito parte de outras Comissões de Limites.

O Diário da Noite 

No intuito de colher alguns informes sobre os trabalhos já realizados naquela fronteira, que ademais se revestem de especial importância, sabido que se trata de uma zona ainda completamente desconhecida e habitada por selvagens, procurou aquele distinto oficial em sua residência, pela manhã, quando ainda ultimava os preparativos de sua viagem. Inteirado dos motivos de nossa visita, o Comandante Braz Dias de Aguiar prestou-se gentilmente a nos satisfazer a curiosidade:

Os Fins da Comissão 

A presente Comissão destina-se a demarcar as linhas divisórias entre o Brasil e a Venezuela, de acordo com o que determina o último protocolo, assinado na gestão do Chancelar Octávio Mangabeira. Com esse objetivo já iniciamos os trabalhos em fins do ano passado, suspendendo-os em fevereiro último, em virtude da estação de águas e enchentes. Trata-se da demarcação da linha geodésica desde o Cucuí ao Saco de Uná, ou seja, uma extensão mais ou menos de 1.300 quilômetros de uma zona desconhecida, talvez a mais desconhecida da América do Sul.

As explorações nessa zona, sobre as vertentes, são penosíssimas. Para realiza-las determinei que uma parte da missão subisse o Rio Canabury e outra o Padoahyry, para reinício dos trabalhos. Os trabalhos de que se tem notícia na parte Oeste dessa zona, são os da Comissão Venezuelana de 1889, que determinou as linhas do Cucuí ao Oeste, parte essa perdida para a Colômbia. O General Dionysio, na Comissão de 80, atingiu ao Cucuí, enquanto que na parte Leste, em 1927, o Capitão Polydoro, da Comissão Rondon, subiu ao Urariquera, até a serra de Parima. Atravessar as vertentes das cordilheiras que distam daquela serra 80 quilômetros é o que a Comissão de Limites vai fazer, determinando as linhas e demarcando-as. A zona posto que não seja salubre não é das piores.

Preventivamente, porém, tomamos todas as precauções para evitar as febres: o uso diário do quinino, o licor do Fowler ([1]), o mosquiteiro, o sulfarsenol e a estricnina, são indispensáveis nessas viagens.

Quanto aos índios, a última vez que estivemos nessa zona sentimos que nos vigiaram e cercaram. Porém, não fomos atacados. São os Macu de alguma agressividade. […]

Mas, como se sabe, decorrem do ato três outros: no primeiro o ajuste, a seguir, o Tratado, depois a demarcação e subsequente caracterização.

Coube ao Chanceler Otávio Mangabeira, ativar a realização das demais operações divisionárias de nossa fronteira. Isso, porém, não é obra de uma geração.

Resta, portanto, que se atente ao trabalho hercúleo dessas Comissões de Limites que se internam em zonas inóspitas e desconhecidas para demarcar e assinalar as linhas divisórias de nossas fronteiras.

Concluiu o Comandante Braz Dias de Aguiar, a sua palestra como permitia, o tempo de quem se preparava para horas após, partir para internar-se nas zonas, consideradas, as mais desconhecidas da América do Sul.

Os Componentes da Comissão Dias Aguiar 

A Comissão de Limites chefiada pelo Cmt Braz de Aguiar, compõe-se de seu Chefe e, dos CT Nelson Simas de Souza; Waldernar de Araújo Motta, Cap Francisco Pereira da Silva, Cap médico Dr. Manoel Maurício Sobrinho e 1° Ten Jonathas Moraes Corrêa e Dr. Sodré Vianna, civil. (DIÁRIO DA NOITE, N° 262)

Anais da Academia Brasileira de Ciências, Ed. 1
Rio de Janeiro, RJ ‒ 1938
Aguiaria 

Vi as primeiras árvores de “duraque” ([2]) em 1929, quando de subida no Rio Negro, como hóspede na lancha da Comissão Demarcadora das Fronteiras do Setor Norte, chefiada pelo Comandante Braz Dias de Aguiar. Elas não tinham flores nem frutos, mas o material que pude colher e que consistia em raminhos com folhas e em amostras da madeira, foi suficiente para permitir a inclusão da planta entre as Bombacaceaes da afinidade de Scleronema e Calostemma. (DUCKE)

A Batalha, N° 4.334
Rio de Janeiro, RJ ‒ Quarta-feira, 25.09.1940
A Fronteira Brasileira com a Venezuela
Prosseguem Ativamente os Trabalhos da Comissão Demarcadora 

Deverá seguir para Belém do Pará, na próxima sexta-feira, o CMG Braz Dias de Aguiar, Chefe da Primeira Divisão da Comissão Brasileira Demarcadora de Limites que trabalha no setor formado pelas fronteiras com o Peru, a Colômbia, a Venezuela e as três Guianas.

O Cmt Braz de Aguiar vai encontrar os trabalhos de sua Divisão em pleno desenvolvimento, devendo dar início à segunda campanha deste ano, com o objetivo de fazer o levantamento dos Rios Catrimani, afluente do Branco, e Demini, afluente do Negro, sobre cujas cabeceiras ainda não há conhecimento seguro. Nossas fronteiras com a Venezuela já foram definidas no Tratado concluído em 1859.

Os trabalhos de demarcação, começados em 1880 e findos em 1884, não foram aprovados pela Venezuela. Novos trabalhos estiveram a cargo da Comissão Melo Nunes, dissolvida em 1915. Em 1929 foi novamente organizada uma Comissão Mista de Remarcação, que trabalhou até 1934. Em 1939, iniciou-se a atual campanha, que se dedica ao estabelecimento de sinais aerofotogramétricos e marcos fronteiriços, e ao levantamento topográfico de Rios cuja caracterização interessa imediatamente aos trabalhos demarcatórios. Foram assim, levantados cinco Rios da Bacia Amazônica, o Surumu, o Pacu, o Majari, o Uraricaá e o Surubaí e as cabeceiras de quatro Rios da Bacia do Orenoco, o Guaná, o Kidi, o Emecuni e o Ijani. O serviço de “fotocroquis” é feito em aviões, do Serviço de Obras Públicas da Venezuela, ao longo da fronteira e já se estendeu até as nascentes do Majaní. […]

Os trabalhos de demarcação são igualmente executados com colaboração de trabalhadores, cujas condições de saúde melhoram dia a dia, graças ao combate constante aos três males que afetam tais regiões: a malária, o beribéri e leishmaniose tegumentar. O atual ritmo dos trabalhos demarcatórios imprime um grande desenvolvimento à campanha de 1939-1940, que já realizou mais de um terço da tarefa projetada. Concluídos esses trabalhos, o que a Divisão conta fazer em 2 ou 3 campanhas, ficará integralmente demarcada a nossa linha fronteiriça com as Guianas Holandesa e Inglesa e a Venezuela. Esse trabalho, levado a feito com tenacidade e constância, representará uma definitiva contribuição para a caracterização perfeita dos nossos limites Setentrionais, o que por certo determinará progressivo soerguimento dessas regiões até agora pouco servidas das mais modernas conquistas da civilização. (A BATALHA, N° 4.334)

A Batalha, N° 4.346
Rio de Janeiro, RJ ‒ Quarta-feira, 09.10.1940
O Presidente Vargas na Amazônia
Em Contato com os Membros da Comissão de Limites   

BELÉM, 8 [Agência Nacional] – O Presidente Getúlio Vargas recebeu a visita de vários membros da Comissão de Limites, sediada nesta capital, como a Primeira Divisão de Demarcação de Fronteiras entre o Brasil e as Guianas Inglesa, Holandesa, Francesa, a Venezuela, o Peru e a Colômbia. Da exposição feita, então, pelo Comandante Braz Aguiar, que aqui se encontra nesse posto há 25 anos, o Chefe do Governo viu como vão adiantados os trabalhos de demarcação e estabelecimento de limites. A atividade da mesma Comissão pode ser avaliada, sabendo-se que foram, já, colocados 250 marcos e fixados trezentos pontos de coordenadas. Mais de quatro mil quilômetros de Rios já foram percorridos para esse trabalho. Todas essas atividades foram seguidas pelo Presidente Getúlio Vargas nos mapas que lhe eram mostrados no momento. Verificou, então, o Chefe do Governo, que o serviço de demarcação já está terminado nas fronteiras com as Guianas Inglesa e Holandesa, estando as linhas divisórias com a Venezuela quase concluídas. A linha com a Guiana Inglesa tem cerca de 1.600 quilômetros. As atividades da Comissão já se estenderam até a Bacia do Orenoco, sendo que em todos os trabalhos o fato mais curioso até agora está na fixação dos limites com a Venezuela. Ficou provado que a serra Marchiall não é o ponto mais Norte do Brasil e sim a serra Caimai.

Depois de apreciar esses mapas, em número superior a 50, o Presidente foi informado da maneira de organização das Expedições de estudos que devem demorar, sempre, no interior da selva, transpondo Rios, desbordando serras, pelo menos de oito a dez meses. Vivamente impressionado com a longa exposição que lhe foi feita, o Chefe do Governo, despedindo-se dos membros da Comissão de Limites, disse-lhes:

Heróis não são apenas os que morrem pela Pátria, oferecendo-lhe o seu sangue. Também os senhores, por tanto trabalho anônimo construindo as fronteiras do Brasil, longe do mundo, são heróis. (A BATALHA, N° 4.346)

A Batalha, N° 4.425
Rio de Janeiro, RJ ‒ Terça-feira, 14.01.1941
Atacados e Cercados Pelos Índios os Membros da Comissão de Limites
Surpreendidos e Cercados Quando Dormiam Foram Todos Feridos por Flechas Envenenadas  

BELÉM, 13 [Agência Nacional] – Confirma-se o ataque dos índios aos membros da Comissão de Limites do Setor Norte, atualmente em operações na fronteira da Venezuela. Informações radiotelegráficas transmitidas diretamente dizem que o destacamento brasileiro encontra-se cercado há 24 horas.

O grupo composto do radiotelegrafista, o médico e mais três membros, e o único do qual chegam notícias, avisou que foi atacado pela madrugada do dia doze, por cerca de cem índios.

Surpreendidos quando dormiam, foram todos feridos por flechas envenenadas, mas, mesmo assim, conseguiram repelir a bala, chefiados pelo médico Armando Morelli, o ataque dos selvagens, que recuaram, mantendo o cerco. Essa situação ainda perdura, constando, sem confirmação até agora, que dois elementos do grupo morreram, estando os outros em estado gravíssimo.

O Médico Morelli faz uma Narrativa do Ataque, em Radiograma Dirigido ao Chefe da Comissão de Limites   

Comunica-nos a Agência Nacional: No dia 9 do corrente mês, uma Turma da Comissão Brasileira Demarcadora de Limites ‒ 1ª Divisão, empenhada, nos trabalhos de levantamento do curso, do Rio Demini, afluente do Rio Negro, no Estado do Amazonas, foi atacada por índios selvagens. Quando se realizou o ataque, estavam apenas no acampamento o Médico Morelli, o telegrafista Jovino, Sargento da Marinha, e mais três homens. O grosso da turma achava-se distante do local, procedendo a trabalhos de campo.

Todos os cinco homens foram feridos gravemente; apenas o telegrafista pode locomover-se. O seguinte radiograma, passado pelo Médico Morelli ao Chefe da Comissão de Limites, CMG Braz Dias de Aguiar, para a sede da Comissão, em Belém, Pará, permite que se faça uma ideia não só da gravidade da ocorrência como da bravura de que deram provas os sitiados:

O ataque começou às 05h30, com duas saraivadas de flechas premeditadas, em cada rede. Consegui alcançar meu rifle e atirei no rumo dos agressores, afugentando-os do local, porém, eles se mantêm nos arredores, anunciados pelos latidos dos cães, que não cessam. Todos nós ficamos avariados, com mais de três ferimentos, cada um, exceto o Sargento da Marinha, Jovino que recebeu uma flecha na axila esquerda, ficando atravessada, e eu com sete, duas das quais atravessaram o pulmão direito e outra que se alojou na região renal, fixando-se na coluna vertebral, sendo, com muita dificuldade, tirada.

Apresento quatro hemorragias internas, mas meu organismo está suportando regularmente, apesar das dores lancinantes. Acredito que serão vinte ou trinta os atacantes, pois já se contam quarenta flechas, na maioria envenenadas.

Nosso único recurso, agora, é de nos entrincheirarmos aqui e esperarmos socorro, de Leônidas ou de Nilar, que baixou ao depósito. Nenhum dos homens pode andar e eu nem me mexer na rede. Mesmo a baixada por canoa é muito perigosa, porque os índios andam nos arredores. Pelo sim e pelo não, envio a todos muitos abraços, que peço a Vossa Excelência transmitir. Cordiais saudações – Morelli.

Novo Ataque  

Outros radiogramas informavam que os índios continuavam a rondar o acampamento, durante a noite, impossibilitando, os atacados a sair das trincheiras e que, por causa dos latidos dos cães, tinham a impressão que o resto da Turma também fora atacada.

No dia 10, os índios voltaram a atacar o acampamento. Apesar da gravidade de seus ferimentos, os homens pretenderam descer o Rio, quando os índios cortaram-lhes a retirada, sendo o grupo obrigado a voltar às trincheiras.

Em vista da situação crítica em que se encontram esses membros da Comissão de Limites, o Ministro das Relações Exteriores deu autorização ampla ao seu chefe, Comandante Braz Dias de Aguiar, para agir em seu socorro.

O General Comandante da 8ª Região Militar, com sede em Belém, pôs à disposição do Comandante Braz Dias de Aguiar um avião “Comodoro” para seguir até Manaus. De Manaus, o Chefe da Comissão de Limites seguiu em lancha, cedida pelo Interventor Federal no Amazonas, pelo Rio Negro, em direção ao Rio Demini, levando consigo dois médicos e ambulância, esperando chegar a tempo de prestar socorro aos membros da Comissão que se encontram sitiados.

Até o presente momento, o Ministério das Relações Exteriores, ao qual está subordinada a Comissão Brasileira Demarcadora de Limites, não tem conhecimento da morte de nenhum dos homens que compõem a turma encarregada dos trabalhos de levantamento do curso do referido Rio. (A BATALHA, N°. 4.425)

Por Hiram Reis e Silva (*), Bagé, 26.08.2022 – um Canoeiro eternamente em busca da Terceira Margem.

Bibliografia:  

A BATALHA, N° 4.334. A Fronteira Brasileira com a Venezuela – Prosseguem Ativamente os Trabalhos da Comissão Demarcadora ‒ Brasil ‒ Rio de Janeiro, RJ ‒ A Batalha, N° 4.334, 25.09.1940.

A BATALHA, N° 4.346. O Presidente Vargas na Amazônia – Em Contato com os Membros da Comissão de Limites ‒ Brasil ‒ Rio de Janeiro, RJ ‒ A Batalha, N° 4.346, 09.10.1940.

A BATALHA, N° 4.425. Atacados e Cercados Pelos Índios os Membros da Comissão de Limites – Surpreendidos e Cercados Quando Dormiam Foram Todos Feridos por Flechas Envenenadas ‒ Brasil ‒ Rio de Janeiro, RJ ‒ A Batalha, N° 4.425, 14.01.1941.

DIÁRIO DA NOITE, N° 262. Às Zonas mais Desconhecidas da América do Sul ‒ Brasil ‒ Rio de Janeiro, RJ ‒ Diário da Noite, N° 262, 11.08.1930.

(*) Hiram Reis e Silva é Canoeiro, Coronel de Engenharia, Analista de Sistemas, Professor, Palestrante, Historiador, Escritor e Colunista;  

  • Campeão do II Circuito de Canoagem do Mato Grosso do Sul (1989)
  • Ex-Professor do Colégio Militar de Porto Alegre (CMPA);
  • Ex-Pesquisador do Departamento de Educação e Cultura do Exército (DECEx);
  • Ex-Presidente do Instituto dos Docentes do Magistério Militar – RS (IDMM – RS);
  • Ex-Membro do 4° Grupamento de Engenharia do Comando Militar do Sul (CMS)
  • Presidente da Sociedade de Amigos da Amazônia Brasileira (SAMBRAS);
  • Membro da Academia de História Militar Terrestre do Brasil – RS (AHIMTB – RS);
  • Membro do Instituto de História e Tradições do Rio Grande do Sul (IHTRGS – RS);
  • Membro da Academia de Letras do Estado de Rondônia (ACLER – RO)
  • Membro da Academia Vilhenense de Letras (AVL – RO);
  • Comendador da Academia Maçônica de Letras do Rio Grande do Sul (AMLERS)
  • Colaborador Emérito da Associação dos Diplomados da Escola Superior de Guerra (ADESG).
  • Colaborador Emérito da Liga de Defesa Nacional (LDN).
  • E-mail: [email protected].

[1]   Licor de Fowler: produto formalizado à base de arsênico anidrido diluí­do em água, ligeiramente alcoolizado. (Hiram Reis)

[2]   Duraque: Aguiaria excelsa Ducke. (Hiram Reis)