Descendo o Rio Branco
A Questão do Pirara
O conhecimento da História nos permite elaborar uma doutrina que nos capacite enfrentar com sucesso os desafios do presente e, seguramente também, as pelejas que nos reservam o futuro. (Hiram Reis e Silva)
Fiz questão de apresentar, nos capítulos anteriores, memórias, relatórios, lendas e expedições sobre a região que pretendemos perlustrar ainda neste ano de 2018, quando nosso projeto completa um decênio, para que o leitor se assenhore do contexto humano, político e histórico-geográfico, além das inconfessáveis pretensões dos maquiavélicos estrategistas estrangeiros.
A Questão do Pirara é emblemática, os ingleses levaram quase sete décadas para finalmente cravarem suas garras na região contando, para isso, com a colaboração sub-reptícia de outras nações imperialistas. No Pirara, vimos como os saxões foram capazes de usar a diplomacia e cooptar e usar as populações indígenas para alcançar seus intentos. O lema de proteger os nativos da região que estariam sendo, na época, seviciados e escravizados pelos brasileiros foi a ideia-força que vem se perpetuando através dos tempos. Ultimamente as ideias-forças empregadas pelos mal disfarçados interesses alienígenas sofreram uma metamorfose cronológica e focam fundamentalmente no meio-ambiente e na questão indígena – demarcação de terras e autonomia.
[…] nenhuma das comunidades indígenas brasileiras detém estatura normativa para comparecer perante a Ordem Jurídica Internacional como “Nação”, “País”, “Pátria”, “território nacional” ou “povo” independente.
(Carlos Augusto Ayres de Freitas Britto)
Luíz Felipe de Castilhos Goycochéa faz uma retrospectiva histórica:
Joaquim Nabuco, nas suas memórias ao árbitro, traçou-lhe os contornos: “entre o curso do Tacutu e o do Cotingo, a Oeste, e uma linha tirada da nascente do Cotingo para Leste, no sentido do divisor de águas, até um ponto vizinho do monte Ayancanna, continuando desse ponto para o Sudeste, sempre na direção do mesmo divisor de águas, até o monte Annay, daí pelo seu tributário mais próximo até o Rupununi, subindo este Rio até à nascente e indo encontrar a do Tacutu”. [Artigo 2° do Tratado de arbitramento, citado na exposição final – Volume IV ‒ Tomo 20]. A área contida nessa linha mede 32.200 km2, a parte maior na Bacia Amazônica e a menor na Bacia do Essequibo. Retenha-se a circunstância de ser a maior parte do território pretendido na Bacia do Rio Amazonas, uma vez que nenhum direito, nunca, assistiu à Grã-Bretanha, e antes à Holanda, nas vertentes Meridionais das serras Parima e Pacaraima, divisores das águas dos sistemas fluviais do Orenoco e do Essequibo, das do Branco, do Sistema Amazônico. Todos os ajustes internacionais, desde o Tratado de Madri, de 1750, invariavelmente reconheceram o domínio de Portugal sobre “todas as vertentes que caírem para o Rio das Amazonas ou Marañon”, da mesma forma que reconheceram como de outros domínios “todas as vertentes que caírem para o Orenoco…” ([1])
A Inglaterra, aliás, sempre teve em respeito à divisão pactuada como que obedecendo à divisão feita pela própria natureza. A partir da primeira ocupação das terras que viriam a constituir sua Colônia, em 1781, até a que o fez em caráter definitivo, em 1804, resultante da derrota da França, assim o foi. Se é verdade que antes da ocupação definitiva não sobrou tempo para a penetração a fundo, dessa data em diante sucederam-se as viagens científicas, religiosas e militares partidas do Atlântico, rumo Sul, pelo Essequibo, até o Rupununi, reconhecido e assinalado em 1811 como o limite das duas soberanias, a inglesa e a lusitana.
Começaram, em 1811, as visitas inglesas à linha divisória da Guiana, sucedendo-se daí em diante com certa constância. Nesse ano houve a Missão integrada por Van Sirtema, Hancock e Simon ([2]), enviada pelo Governador de Demerara e Essequibo para visitar os índios da região. No ano seguinte é o sábio Charles Waterton que se aproxima do Forte português de São Joaquim, procurando recolher curare.
Em 1827, o Governador da Guiana, ele mesmo, em documento bastante claro ao “Foreign Office”, descreveu a fronteira pela serra do Parima. O grande Joaquim Nabuco, no seu trabalho de advogado dos nossos direitos, alinhou provas inequívocas de que a Grã-Bretanha, sempre, havia acatado a soberania do Brasil sobre a região genericamente chamada do Pirara. […] Em 1828 é o Tenente Gullifer e o geógrafo Smith, ambos ingleses, que ultrapassam a raia e chegam ao Forte São Joaquim, então já brasileiro em virtude da independência política do país. (GOYCOCHÉA)
Joaquim Aurélio Barreto Nabuco de Araújo relata que o governo inglês contratou um súdito alemão, homem de ciência, geógrafo e naturalista, para realizar pesquisas na Guiana Inglesa e em terras brasileiras. O gabinete do Lord Palmerston solicitou ao nosso Ministro Plenipotenciário, em Londres, um passaporte diplomático para esse “cientista” e assim se exprimiu, dirigindo-se ao Ministro brasileiro:
Lord Palmerston apresenta cumprimentos ao Sr. Galvão e tem a honra de informá-lo de que Mr. Robert Hermann Schomburgk, que se acha agora em viagem na Guiana Britânica, em Comissão para a Royal Geografic Society, vai proceder ao exame da serra que forma a divisão de águas das Bacias do Amazonas e do Essequibo, tendo provavelmente para esse fim, necessidade de atravessar a fronteira brasileira. Lord Palmerston pede ao Sr. Galvão um passaporte para Mr. Schomburgk e, ao mesmo tempo, que o Senhor Galvão tenha a bondade de promover as precisas ordens no Pará ao Comandante da Fortaleza de São Joaquim, próximo das cabeceiras do Rio Branco, para autorizar Mr. Schomburgk a continuar suas explorações nessa região.
Como o objetivo de Mr. Schomburgk é “meramente” fazer descobertas geográficas no território inexplorado que forma a fronteira dos domínios britânicos e brasileiros na América do Sul, Lord Palmerston acredita que, da parte do Senhor Galvão, não haverá objeção alguma a este pedido. (JOAQUIM NABUCO)
Em junho de 1835, Robert Schomburgk e Youd, procurando abrigo das chuvas no Forte São Joaquim, no centro do vale do Rio Branco, onde foram recebidos pelo Capitão Pedro Ayres com a máxima cortesia, permitindo que ocupassem as duas melhores casas daquelas paragens, fornecendo-lhes tudo o que lhes fosse necessário além de franquear-lhes a entrada onde e quando desejassem. Nas conversas de Pedro Ayres com seus hóspedes o ingênuo Comandante lhes contou que algumas pessoas submetiam os índios a crueldades sob o pretexto de recrutá-los como soldados para o Exército Brasileiro… Schomburgk e Youd imediatamente elaboraram uma justificativa para suas ideias expansionistas, que tão logo chegaram ao conhecimento do gabinete inglês transformaram-se em um plano. O inquérito sobre o local das pretensas crueldades, informa Nabuco, começou no mesmo instante: “se tinham sido em território inglês ou em território brasileiro; se aquém ou além do Rupununi”.
Sem que os portugueses desconfiassem de suas reais intenções. Schomburgk regressou a Londres mas, em 1837, retornou à Guiana e continuou seus “estudos geográficos”. Em seus relatórios a Londres, Schomburgk relatava que a presença militar brasileira na região era quase inexistente. Sugeriu que a Inglaterra ocupasse esses espaços “vazios”, mandando demarcá-los para os domínios de sua majestade inglesa até ocupá-los em caráter permanente.
Em 1838, o reverendo inglês Thomas Youd criou uma Missão no Pirara, com a intenção de atrair e aliciar os índios Macuxís e permaneceu em atividade durante 8 meses até ser expulso pelo Capitão Leal, Comandante do Forte de São Joaquim. Os ingleses reagiram determinando que a Missão Schomburgk demarcasse a fronteira com o Brasil.
Em 28.11.1840, uma nota do governo inglês ao brasileiro participava a nomeação de Mr. Robert Hermann Schomburgk para levantar a carta da fronteira entre os dois domínios e concluía advertindo que o Governo da Guiana havia recebido instruções para não permitir qualquer usurpação no Pirara ou nos territórios vizinhos da fronteira até então ocupados por tribos independentes.
Em fevereiro de 1841, oficiais ingleses, por ordem do Governo de S. M. Britânica, intimaram ao Comandante e o destacamento que guarnecia o Forte de São Joaquim que abandonassem a fortificação, ainda sob a justificativa da expulsão do missionário Thomas Youd, concedendo-lhes um prazo de quatro meses.
Continuando com Luís Felipe de C. Goycochéa:
Era, não há dúvida, a imposição da doutrina do “res nullius”, de ninguém, sem posse de qualquer Estado.
O Forte ali instalado havia muito, a presença de oficiais e soldados brasileiros, de catequistas também brasileiros, de estabelecimentos de proprietários da mesma origem, da ligação continuada com as autoridades de Santarém e de Belém, nada valiam; como também não valiam os argumentos da posse imemorial por gente portuguesa; os velhos Tratados entre Portugal e Espanha em os quais a região figurou sempre como daquele reino não tinham importância; os levantamentos topográficos levados a efeito por astrônomos lusitanos não seriam de molde a assegurar direitos ao Brasil.
As razões invocadas eram de lobo faminto a cordeiro indefeso. Ao Brasil, no transe, só poderia valer a força moral dos seus direitos e a inteligência dos seus estadistas, todos a braços com a falta de ordem interna, do extremo Sul ao extremo Norte, do Oeste longínquo à orla do Atlântico. (GOYCOCHÉA)
O momento não poderia ser mais oportuno, logo após a proclamação da independência o Império, ainda engatinhando nas lides diplomáticas, e tentando se assenhorear do enorme patrimônio territorial herdado de Portugal enfrentou uma série de insurreições intestinas: Cabanada (Alagoas e Pernambuco, 1832 a 1835), Guerra dos Malês (Bahia, 1835), Cabanagem (Grão-Pará, 1835 a 1840), Revolução Farroupilha (Rio Grande do Sul, 1835 a 1845), Sabinada (Bahia, 1837 a 1838) e Balaiada (Maranhão, 1838 a 1841) e, ao mesmo tempo, sofria oportunistas e covardes investidas por parte da França Imperial (Contestado Franco-brasileiro) e do Império inglês (Questão do Pirara).
Esgotam-se, afinal, os quatro meses de prazo e o Governo da Guiana, fiel à ameaça, envia ao Pirara duas expedições, uma científica, sob o comando de Robert Schomburgk, elevado ao posto de Tenente-Coronel, outra militar, composta por dois oficiais, 40 soldados e cinco canhões, a vitória não teria sido difícil, porque a guarnição brasileira ao Forte São Joaquim era de um Sargento e dez Praças. Não houve, porém, oposição armada. Ao Capitão Barros Leal só restou protestar, como protestou, contra a invasão. Também ao Governador do Pará só restou protestar, como protestou, junto ao Governador da Guiana. O Ministro do exterior, no Rio, não apenas protestou junto ao representante da Grã-Bretanha, Sir Hamilton Hamilton, como pediu explicações que foram prometidas. Enquanto isso, Schomburgk ia balizando a fronteira como queria e por onde lhe apetecia. Deve-se, não há dúvida, à energia do diplomata Marques Lisboa, irmão digníssimo de Tamandaré, tratando diretamente do caso com o premier inglês, Lord Aberdeen, a declaração deste de que a Missão de Schomburgk era somente científica e que os marcos plantados por ele nenhuma significação outra teriam no futuro. (GOYCOCHÉA)
A 08.01.1842, Aureliano de Sousa e Oliveira Coutinho, o Visconde de Sepetiba encaminhou a Sir Hamilton Charles Jacques Hamilton, Embaixador de S. Majestade Britânica junto à Corte de D. Pedro II, um “memorandum” que explicitava com detalhes, o perigoso precedente que se criava com as atitudes de do missionário Thomas Youd, de Schomburgk, e das demais autoridades da Guiana. Sugeria, portanto, a neutralização do território questionado, pois o Império Brasileiro não abdicaria jamais de seus direitos legais, e que o Brasil propunha uma contemporização que possibilitaria alcançar uma solução futura definitiva e pacífica.
A 29.08.1843, Sir Hamilton Hamilton apresentava ao Governo Brasileiro a resposta à sugestão brasileira. A neutralização foi aceita. Apresentava-se, porém, uma nova questão: para o Brasil, a neutralização compreendia a região do Pirara e circunvizinhanças; para a Inglaterra, se estendia do Cotingo e do Surumu para Leste.
Continuando com Luíz Felipe de C. Goycochéa:
No relatório do Governo Imperial, de 1843, está a declaração de que se havia chegado a um acordo provisório, com a neutralização do território ambicionado pela Grã-Bretanha. São desse documento as seguintes palavras de satisfação e de esperança:
O destacamento de forças britânicas, que havia ocupado o terreno contestado no lugar denominado Pirara, aquém da serra Pacaraima, foi mandado retirar, concordando os dois governos em que o mesmo terreno seja considerado neutro, até que depois das necessárias explorações e exames, se ajuste definitivamente, pelas vias diplomáticas, o verdadeiro limite; e os marcos levantados, sem audiência do Governo Imperial, pelo comissário explorador britânico Mr. Schomburgk, foram mandados arrancar pelo Governo de S. M. a Rainha, segundo informou, há pouco, o Ministro do Brasil em Londres.
Não era tudo, mas era alguma coisa a neutralização. Depois de Marques Lisboa entrou em cena junto ao “Foreign Office” outro diplomata extraordinário: José de Araújo Ribeiro, que viria a ser o Visconde de Rio Grande. Levou para Londres a experiência das negociações em Paris, sobre o Amapá. Homem de fronteira, porque sul-rio-grandense, parecia fadado a ser imiscuído nas questões de limites do extremo Setentrional. (GOYCOCHÉA)
Sem querer parecer bairrista nossas questões fronteiriças setentrionais, mais uma vez, dependiam do tirocínio e da determinação de um gaúcho chamado José de Araújo Ribeiro, nascido na Barra do Ribeiro, RS.
Prosseguindo com Luíz Felipe de C. Goycochéa:
A propósito vale que se lembre não ser José de Araújo Ribeiro o único gaúcho chamado a dirimir lutas raianas no Norte. Além dele houve Marques Lisboa, que obteve a neutralização da zona do Pirara; o sábio Joaquim Caetano da Silva, autor da obra na qual Rio Branco assentou seu trabalho de advogado na Questão do Amapá: “L’oyapoc et l’amazone”; Plácido de Castro, Gentil Norberto, Orlando Corrêa Lopes e Assis Brasil na Questão Acreana, os primeiros fazendo prova à Bolívia, pelas armas, da impossibilidade em que estava de exercer domínio sobre a região e impedindo que ela passasse aos agentes do imperialismo norte-americano, o último tornando inexistente o Tratado Aramayo, da Bolívia com o Bolivian-syndicate, e colaborando com Rio Branco no Tratado de Petrópolis. (GOYCOCHÉA)
José de Araújo Ribeiro, Ministro Extraordinário e Plenipotenciário do Império em Paris, futuro Visconde do Rio Grande, foi transferido da França para a Inglaterra, sua missão devia se concentrar em dois temas sensíveis: o primeiro seria a assinatura de um novo Tratado Comercial (o anterior tinha expirado); e o segundo a questão de fronteiras entre a Guiana Britânica e o Brasil. As negociações tinham, porém, dois complicadores consideráveis, a intransigente exigência inglesa da extinção do tráfico de escravos por parte do Brasil e a segurança dos índios Macuxí. Aos 03.11.1843, José de Araújo Ribeiro, apresentou ao Ministro dos Negócios Estrangeiros da Inglaterra, Lorde Aberdeen, através de um “memorandum” uma proposta na qual se regulamentaria a questão fronteiriça:
Começa a fronteira a Oeste da Serra Pacaraima, segue por esta, para Este [Leste] até às nascentes do Rio Mau; daí, pelo “divortium aquarum”, entre as bacias do Amazonas e do Atlântico, indo em rumo do Rupununi até à margem esquerda dele, no ponto mais próximo ao monte Annay, aproximadamente a 4° de Latitude Norte do Equador; subirá as águas do Rupununi até 2° de Latitude Norte, onde por esse Paralelo seguirá para Este [Leste], até onde terminarem as possessões de S. M. Britânica.
Os ingleses não aceitaram, para a Grã-Bretanha, “diziam eles”, era mais uma questão moral do que um problema territorial. Os ingleses haviam prometido proteção aos Macuxí do Pirara e afirmavam que iam dá-la a qualquer custo. No dia 15.11.1843, na sede do “Foreign Office”, Aberdeen apresentou uma linha de fronteira alternativa, deixando claro que os ingleses estavam preocupados apenas com o bem–estar dos nativos.
Araújo Ribeiro sugeriu, então, que os Macuxí que desejassem tornarem-se cidadãos britânicos teriam salvo conduto para seguir para a Guiana Britânica.
Aberdeen, desprezou o valor da palavra brasileira, e propôs que a linha de fronteira brasileira permanecesse, mas que fizesse um desvio de modo que o Rio Pirara e sua Aldeia ficassem em território inglês, para conseguir apoio ao Tratado junto ao público e o Parlamento.
Araújo Ribeiro afirmou que fora apanhado de surpresa e resolveu usar um artifício afirmando de que, a região em torno do Pirara já deveria ter sido abandonada pelos Macuxí, afirmando:
Quanto ao pedido de proteção [aos índios], à qual se dá tanta importância, na verdade não significava nada; no Brasil, a alegada circunstância fora considerada um pretexto e não a razão real para a invasão; poderia lhe provar, com documentos, que esses mesmos índios ou os da mesma região foram mais de uma vez ao Forte São Joaquim pedir proteção e amizade do governo brasileiro ou de suas autoridades, que era o seu modo habitual de agir a fim de conseguir presentes que, normalmente, recebiam nessas ocasiões.
Retornando com Luís Felipe de C. Goycochéa:
Daí em diante a questão permaneceu a bem dizer paralisada. A Grã-Bretanha não cedia; o Brasil também não capitulava. De quando em vez, como para interromper a prescrição compulsória, aparecia uma reclamação, ora de um colitigante, ora do outro, sempre a propósito da fronteira, sem que nenhuma das partes provocasse a explicação definitiva.
O Governo inglês, mais preocupado com o combate ao tráfico africano, que prejudicava sua produção açucareira de Demerara, não dispunha de vagares.
Havia, além disso, a Questão do Prata a distrair a atenção dos estadistas de Londres e dos diplomatas britânicos em todas as capitais da América do Sul, inclusive no Rio de Janeiro. (GOYCOCHÉA)
O Brasil, por sua vez, continuava às voltas com as ameaças que lhe vinham de fora e com a instabilidade interna, principalmente do Sul, não podendo, assim, preocupar-se demasiado com aquelas longínquas terras do extremo Norte, pouco ou quase nada habitadas, e que se conservavam neutralizadas.
Narra-nos Luís Felipe de C. Goycochéa:
Os trabalhos sobre a verdadeira linha divisória entre os dois domínios, feitos na época por Duarte da Ponte Ribeiro, e que seriam confirmados pela Comissão Exploradora na chefia do Tenente-Coronel Frederico Carneiro de Campos, tinham apenas caráter histórico e científico, nada alterando no “statu quo”. O mesmo em relação ao novo exame da questão, em todos os seus elementos, levado a termo, em conjunto, por Paulino José Soares de Souza, Lopes Gama e Miguel Calmon.
Para uns e outros a divisa seria, em última análise, aquela que o futuro Barão da Ponte Ribeiro havia descrito, com pequenas variantes sugeridas pelos exploradores:
A serra Pacaraima até o monte Annay, por 3°55’06” de Latitude Norte, e 59° de Longitude Oeste de Greenwich; daí ao Rupununi, águas acima até 2°08’ de Latitude Norte e 58°10’ de Longitude Oeste… (GOYCOCHÉA)
Aos 12.09.1891, Sir Thomas Sanderson, Subsecretário das Relações Exteriores, apresentou a João Arthur de Souza Corrêa, Ministro brasileiro junto à Corte de Saint James, um comunicado informando que o governo inglês estava disposto a reiniciar novas tratativas relativas à fronteira com a Guiana. Sanderson apresentou a mesma linha de fronteira alternativa proposta por Schomburgk no seu “memorandum” ao Governador Henry Light caso houvesse resistência à sua primeira proposta que já fora apresentada pelo Lorde Aberdeen, em 1843. Evidentemente a proposta não foi aceita pelo Brasil.
Relata-nos Luíz Felipe de C. Goycochéa:
É o Ministro Souza Corrêa, em Londres, junto a Salisbury, nos últimos anos do século passado, quem reenceta as negociações sobre os limites do Brasil com a Guiana Inglesa, negociações que seriam continuadas em 1901 por Joaquim Nabuco. De fato, o Tratado de arbitramento para o definitivo deslindamento da questão, datado de 6 de novembro daquele ano, trouxe sua assinatura ao lado da do Marquês de Landsdowne. O árbitro escolhido foi o rei da Itália, Vítor Emanuel III ([3]). A raia na qual assentou o advogado do Brasil as suas razões foi a mesma já referida e que se pode sintetizar em poucas palavras: o “divortium aquarum” na Serra Pacaraima e daí à Serra do Acaraí. As memórias de Joaquim Nabuco sucedem-se, umas às outras, cada qual mais erudita, cada uma mais convincente do que a outra, mais forte de verdade e de convicção pelo direito brasileiro. A primeira foi entregue a 27 de fevereiro, a segunda a 26 de setembro, ambas de 1903; a terceira e última datou-a de 25 de fevereiro de 1904.
Leu-as o árbitro ou seu assessor? Ninguém sabe e jamais virá a sabê-lo. O que não há dúvida é que o Laudo Arbitral, subscrito na cidade eterna a 06.06.1904, e entregue no Palácio do Quirinal ao embaixador Joaquim Nabuco, do Brasil, e ao embaixador Francis Bertie, da Grã-Bretanha, dividiu o território litigioso em duas partes, não iguais uma à outra, mas diferentes: a primeira, a maior, para o Império Britânico; a segunda, a menor, para a República dos Estados Unidos do Brasil. As cifras indicativas da extensão de cada parte dizem melhor da sentença: Grã-Bretanha 19.630 quilômetros quadrados; Brasil 13.570 quilômetros quadrados. Não foi tudo, entretanto, porque a Inglaterra ganhou o direito de acesso ao Rio amazonas por via dos Rios Tacutu e Mau. Toda gente, comentando a sentença do Rei da Itália, assinala a circunstância de que foi a da Pirara a única questão de limites que o Brasil não ganhou. Tenho para mim, entretanto, que constituiu vitória, e bem grande, tê-la visto dirimida com tão exíguo prejuízo. Aqueles 20 mil quilômetros quadrados de terras perdidas foram um nada diante do que poderia ter sido o aglutinamento britânico se Robert Schomburgk e o pastor Youd, em 1835, não encontrando o Capitão Pedro Ayres, do Forte São Joaquim, e, em 1838, o Capitão Barros Leal, ambos nos campos do Pirara e no Lago Amamcu, houvessem podido descer pelo Rio Branco e pelo Rio Negro até o Rio das Amazonas, nas respectivas missões científica e evangelizadora… (GOYCOCHÉA)
Por Hiram Reis e Silva (*), Bagé, 15.08.2022 – um Canoeiro eternamente em busca da Terceira Margem.
Bibliografia:
GOYCOCHÉA, Luís Felipe de Castilhos. Fronteiras e Fronteiros – Brasil – São Paulo, SP – Companhia Editora Nacional, 1943.
JOAQUIM NABUCO, Joaquim Aurélio Barreto Nabuco de Araújo. Memórias do Brasil e da Guiana Inglesa – O Direito Do Brasil – Primeira Memória, Apresentada em Roma a 27.02.1903 – França – Paris – A. Lahure, Editor, 1903.
(*) Hiram Reis e Silva é Canoeiro, Coronel de Engenharia, Analista de Sistemas, Professor, Palestrante, Historiador, Escritor e Colunista;
- Campeão do II Circuito de Canoagem do Mato Grosso do Sul (1989)
- Ex-Professor do Colégio Militar de Porto Alegre (CMPA);
- Ex-Pesquisador do Departamento de Educação e Cultura do Exército (DECEx);
- Ex-Presidente do Instituto dos Docentes do Magistério Militar – RS (IDMM – RS);
- Ex-Membro do 4° Grupamento de Engenharia do Comando Militar do Sul (CMS)
- Presidente da Sociedade de Amigos da Amazônia Brasileira (SAMBRAS);
- Membro da Academia de História Militar Terrestre do Brasil – RS (AHIMTB – RS);
- Membro do Instituto de História e Tradições do Rio Grande do Sul (IHTRGS – RS);
- Membro da Academia de Letras do Estado de Rondônia (ACLER – RO)
- Membro da Academia Vilhenense de Letras (AVL – RO);
- Comendador da Academia Maçônica de Letras do Rio Grande do Sul (AMLERS)
- Colaborador Emérito da Associação dos Diplomados da Escola Superior de Guerra (ADESG).
- Colaborador Emérito da Liga de Defesa Nacional (LDN).
- E-mail: [email protected].
[1] Artigo XVIII do Tratado de Madri. (Hiram Reis)
[2] Tenente-Coronel D. Van Sirtema, naturalista inglês John Hancock e o chefe da Expedição. (Hiram Reis)
[3] Vítor Emanuel III: Vítor Emanuel Fernando Maria Januário. (Hiram Reis)
Deixe um comentário