Descendo o Rio Branco
Theodor Koch-Grünberg (1911)
Parte VII
Capítulo V
De Volta a São Marcos
Está tudo pronto no dia 14 de agosto. Toda a população veio dar adeus. As mulheres repetem, mais uma vez, tudo que devo lhes trazer. […] O chefe e seu segundo filho, Mário, um garoto vivo e esperto de seus 12 anos, viajarão comigo. Como carregadores, além dos meus três rapazes, tenho meia dúzia de índios Macuxí e Taulipáng e minha cozinheira Wapischána. Partimos às 09h00. Os costumeiros tiros de despedida, são disparados da colina Oriental, saudando Koimélemong. Avistamos, então, um grotesco caos de rochas, que o pérfido herói da tribo, Macunaíma, criou em tempos imemoriais ao transformar pessoas e animais em pedras.
Até além da Serra do Banco nosso caminho continua com as mesmas características da jornada de ida. As fortes chuvas dos últimos dias alagaram o vale. Os riachos estão cheios e os carregadores, com água até o pescoço levam as cargas e armas na cabeça. Eu mesmo fui carregado nos ombros pelo caçador Pere. Ao chegar na antiga Aldeia de Pitá, tomamos muito caxirí forte, o que nos faz suar muito ao prosseguir a marcha pela penosa trilha entre as rochas, no desfiladeiro da Serra do Banco. No início da tarde paramos nas duas cabanas do outro lado da Serra, onde o Macuxí Agostino e irmão moram com suas lindas e esbeltas filhas, minhas antigas companheiras de viagem.
Mais uma vez, uma galinha tem de ser sacrificada. Comi trinta delas no último mês! […] Agora o caminho conduz para o Leste, ao longo da Serra do Banco, que, aos poucos, se torna mais plana. Paralelamente a ela, à nossa direita, segue a cadeia de colinas Muréiapung, que deve seu nome ao mítico “assento de banco” no seu cume. Atravessamos numerosos riachos vindos da Serra próxima e que devem sua breve existência unicamente à época das chuvas. Ao sairmos na savana aberta, descortinamos uma vista magnífica das serras distantes, a Norte e Nordeste. Como uma enorme torre, o íngreme cume do Sabáng domina a área ao seu redor. O Surumu está próximo. Podemos ouvi-lo bramir. É Ulókemelu, a cachoeira do papagaio, sua maior cachoeira.
Fazemos uma breve parada em três miseráveis cabanas Macuxí. […] A marcha continua e, por uma curta distância, margeamos o Surumu, que apresenta diversas corredeiras. Avançamos com dificuldade por um pântano profundo, e depois andamos por uma trilha rochosa e acidentada. Cada pequena elevação tem seu próprio nome: Ataítai-eping, Moró-eping, Ualíliai-eping etc. Se fôssemos cartografar sob o ponto de vista indígena, seria necessária uma escala gigantesca para colocar todos os nomes. Chegamos novamente bem perto do Surumu sussurrante, mas nos afastamos dele por algum tempo. Ele segue para Nordeste, ao passo que nós mantemos a direção Leste. Num Córrego estreito, cuja água vagarosa dá a impressão de ser quase quente, encontramos um solitário pescador Macuxí, na margem oposta do Surumu, o único ser humano em toda esta deserta savana. Hesitante, ele se aproxima e troca algumas palavras com Pitá, sem se dignar a olhar para mim. Temos ainda de atravessar uma cumeada baixa e pedregosa, antes de chegarmos ao nosso destino de hoje, duas cabanas Macuxí de estilo brasileiro.
O dono da casa, Antônio Tauari ([1]) como Neves achou por bem batizá-lo, não está. Sua mulher nos recebe amigavelmente e nos serve de acordo com suas possibilidades. Algumas crianças engatinham ao redor. A filha mais velha, é uma muito bonita e viva adolescente de olhos negros candentes, que conheci como babá em São Marcos. Entre os animais domésticos, uma família de perus e uma galinha d’angola provêm, sem dúvida, do galinheiro de Neves. A um dia ensolarado e quente segue-se uma noite estrelada. Dirigimos-nos agora para o Sul, pela savana plana e infinda, cercada de ambos os lados por serras baixas e rochosos cumes. Numerosos cupinzeiros altos dão à paisagem um efeito singular.
Nossa pequena caravana apresenta um quadro totalmente diverso ao longo do dia. Durante as manhãs frescas caminhamos depressa em fila contínua, conversando animadamente, as palavras voam de um lado para o outro e, de vez em quando, ressoam alegres risos. À medida que o Sol sobe, o calor vai se tornando sufocante, os carregadores arquejam sob a carga pesada. Gradualmente, nossa fila vai-se alongando, de repente, alguém fica para trás e, para descansar, sai à caça de um veado que, assustado pelo barulho, atravessou nosso caminho. Lá, alguns carregadores estão agachados, exaustos, sob uma das árvores isoladas, cuja copa acanhada mal oferece um pouco de sombra. O ar abrasador nos cala e tira o fôlego, e todos se alegram ao pararmos para o almoço sob um bosque à beira de um Riacho. Somente meia hora mais tarde é que chegam os últimos retardatários, que, extenuados, deixam-se cair ao chão com sua carga. Um cigarro recupera depressa os ânimos abatidos.
O estômago cobra seus direitos e cada um ingere, com prazer, a refeição que nossa cozinheira preparou nesse meio tempo, mesmo que seja apenas sua famosa “sopa de batata” roxa. Hoje abreviaremos bastante nossa pausa para o almoço, pois nosso destino, uma faixa de mata, está próximo. É uma mata de galeria do Surumu, que atingimos, pouco depois das 13h00. O Rio aqui parece ser profundo e calmo. Vou para a outra margem numa precária corial, que encontramos no porto, à saída da trilha. Um pouco terra adentro, na savana, fica a morada de Ildefonso, constituída de várias cabanas.
“Aleluia” é como o velho vigarista a chama, o qual, no princípio, enganou os Padres com sua beatice servil, até que estes reconheceram sua verdadeira natureza. Ele foi hoje, de manhã, para São Marcos. Sua esposa mais velha, Maria – recentemente ele desposou uma mulher bem mais jovem ‒, me traz, por iniciativa de Pitá, uma cabaça cheia de caxirí.
Às 15h00, partimos numa corial grande, que pertence ao velho Julião. Pitá senta-se ao leme, e seu filho Mário vai tirando água, pois a velha embarcação está furada. Aos meus três rapazes, Pirokaí, Manduca Wapischána e o Majonggóng, juntaram-se um remador Macuxí, Pedro, um irmão mais jovem de Pitá e Ildefonso. Também já o vi, em 1905, em Manaus. Ele é quem conhece melhor as perigosas corredeiras que se seguirão.
Descemos rapidamente, em direção Sul, o Rio encravado no estreito cinturão de mata. Depois de um breve percurso, abre-se à esquerda à Foz do Cotingo, ou Cotinga, que vem da encosta Oriental do monte Roraima. Os índios chamam esse Rio de Kutíng e, ao contrário de nossos mapas, designam o Surúng, como eles dizem, como seu afluente.
Essa colocação me parece a mais correta, sobretudo porque o Cotingo, parece ter mais água do que o Surumu, ou Zurumá [Surumá], como o mapa de Schomburgk o chama.
Em ambos os Rios, a água possui a mesma cor verde-esbranquiçada. À direita, a savana chega diretamente até a alta margem arenosa. À nossa frente, a Sudeste, surge um cume distante, a Serra Cuácuá.
Logo a corrente se torna mais impetuosa. Grandes penedos emergem do talvegue do Rio. Sob gritos de estímulo do chefe, passamos os rápidos Maikaíue-tepö. Dizem que em seu enorme redemoinho, que tangenciamos velozmente, vive uma cobra grande, que puxa os barcos para o fundo e mais além, até onde podemos enxergar, avistamos rochas e águas tumultuárias. Sem dúvida uma viagem excitante, chocamo-nos com numa pedra submersa, mas conseguimos passar. O Rio passa por uma enorme garganta e, por isso mesmo, os brasileiros chamam este lugar de Pedra Grande.
Aportamos junto a uma pequena cabana. É um retiro, um posto avançado da grande fazenda de gado Flechal, que fica à jusante. O vaqueiro, um guerreiro de tribo de Pitá, está ausente, só mulheres e crianças estão lá. Num moquém grande assa-se carne de boi em fogo lento. Em troca de miçangas e outras bugigangas, dão-nos algumas costelas um tanto suspeitas.
Meus conhecimentos linguísticos de Macuxí deixam as encantadoras mulheres encantadas. Pitá vai buscar caxirí de uma cabana vizinha, onde mora um “tio” seu. Dizem que antigamente havia aqui uma grande maloca dos Macuxí.
À noite, meu Majonggóng cura uma criança doente na parte de trás da cabana. Pediu-me emprestado um chocalho da coleção. Pirokaí substitui a mulher do xamã, ficando agachado ao lado dele e, de vez em quando, acende-lhe os fortes cigarros que Manduca me pediu para a cura.
De manhã, bem cedo, prosseguimos nossa viagem. À Oeste, não muito longe, ergue-se solitário, sobre a savana plana, um morro redondo o serro Maruaí. Atrás de nós, longe ao Norte, avista-se o cume azul da “Serra da lua”, Kapoí-eping, que se avista claramente de Koimélemong, a Leste. As traiçoeiras rochas e corredeiras nunca acabam. Mais uma vez, aparece uma queda perigosa. Pedro diz que é Wonekai-selálu: um nome tão longo quanto a corredeira que ele denomina.
Paramos junto a uma pedra para estudarmos a melhor rota a seguir. Mais abaixo, em água navegável e segura, uma corial com nativos cruza o Rio. Chamamos e acenamos, mas eles não nos ouvem, desaparecendo atrás das rochas da margem. Embarcamos novamente. A tripulação recolhe os remos e se deixa levar pela correnteza. Apenas o timoneiro, com seus remos largos, mantém o barco na direção correta.
Pedro, que tem o posto de grande responsabilidade de proeiro, permanece de pé e olha temeroso à frente, troca, então, algumas palavras rápidas com Pitá e indica a direção com seu remo ao timoneiro e assim, nos dirigimos até o topo da queda. Pedro senta-se rapidamente, dá uma ordem rápida, e os remos são colocados em ação com toda a energia. Com rapidez vertiginosa, entramos na torrente de ondas, passando por rochas e por rodamoinhos gorgolejantes.
‒ Haí–haí–haí! [Vá em frente! Vá em frente!]
O chefe grita para animá-los. Por alguns momentos, o coração bate com força. Ainda não me acostumei novamente a essas viagens desenfreadas. Passamos, alguns respingos entraram no barco. […] Rindo satisfeito, Pitá olha para trás, para as ondas espumantes. As rochas são blocos de granito ou xisto micáceo, mescladas com quartzo e entre eles há cascalho de jaspe vermelho. Agora passamos por um trecho mais longo e calmo. Em cada curva do Rio a água solapou a margem, exposta à torrente, e depositou a areia na ponta da outra margem, fazendo íngremes margens de areia alternarem constantemente com baixios de bancos de areia. Cada curva mais fechada do Rio apresenta esse mesmo quadro. A vegetação é rara ao extremo. De vez em quando, há uma estreita faixa de mata rala, arbustos tortuosos, dominados por altas árvores isoladas: na maior parte, porém, vê-se a árida savana com sua uniformidade monocromática.
A fauna é muito parca e limita-se a algumas aves aquáticas, especialmente garças brancas e cinzento-prateadas, cuja carne, porém, como ocorre em todos os Rios de água branca, tem gosto de óleo de fígado de bacalhau e, por isso, nada saborosas. O mesmo não acontece com os iguanas grandes e verdes que, aqui e ali, levam uma existência contemplativa nos galhos das árvores e geralmente são visíveis apenas ao aguçado olhar do caçador nativo. Sua carne é bem saborosa e não difere muito da macia carne de frango.
Fizemos uma curta parada junto a uma cabana Macuxí à margem direita. O barco de Ildefonso está ancorado no porto. Ele próprio aparece de repente e me trata com servil amabilidade. Parece, portanto, saber agora quem realmente sou! Ele nem mesmo cumprimenta seu irmão. Não dou muita importância ao hipócrita e ele logo desaparece.
Por volta das 12h00, com a gritaria de sempre, continuamos nossa navegação, descendo uma sequência de rápidos chamados Molipoeselálu, onde os dois beneditinos, já falecidos, naufragaram e tudo perderam. Por um triz o mesmo não nos acontece, a forte correnteza nos atirou contra um penedo, a embarcação rangeu, mas, no último instante, Pedro conseguiu afastá-la com o remo. Na margem esquerda há algumas cabanas de índios Wapischána semicivilizados. São empregados das fazendas de gado que vamos encontrar doravante. […]
Almoçamos sobre algumas rochas, fustigados por nuvens de piuns, uma praga do Cotingo e do Surumu, que mal nos permitem desfrutar da comida. Enquanto isso, Ildefonso, de barco, passa calado por nós. Está profundamente ofendido e nos vira as costas. Melhor assim! À tarde, passamos pela corredeira de Maruaí, a última delas até São Marcos.
Logo abaixo, à margem direita, desemboca um Rio de mesmo nome, o único afluente maior do Cotingo depois da união deste com o Surumu. O Rio Maruaí é acompanhado de estreitas faixas de mata rala até o baixo cume que tem o mesmo nome, mas não tem sua origem nele, nasce mais adiante na savana.
Acima de sua Foz, a margem de 6 a 8 m de altura consiste em argila vermelho-esbranquiçada e gordurosa. Paramos num banco de areia. Mário comeu muita carne de boi e vomita terrivelmente, mas depois fica muito alegre de novo. Agora as cabanas dos criadores de gado seguem-se rapidamente, uma após a outra, em ambas as margens. Uma mulher branca chama Pitá:
‒ Ei, Manuel, você não trouxe nada para mim?
‒ Nem bananas, farinha de mandioca ou peixe?
É uma peruana, a mulher do negro Menandro, um empregado de Flechal. Meu pessoal imita sua voz gritada, caçoando. Pitá sorri. Diante de uma cabana de brasileiros na alta margem de areia, que se estende ao longe e é chamada de Dakábi pelos Macuxí, seis meninos morenos nus se arrastam de quatro, brincando, um atrás do outro.
Quando os chamamos, eles fogem, subindo o íngreme barranco. O menor deles não consegue acompanhá-los e grita, apavorado, até que seu irmão mais velho venha buscá-lo.
A fazenda Flechal, por onde passamos, na manhã seguinte, fica na alta margem direita. É a sede das gigantescas propriedades do falecido Sebastião Diniz. Quando o nível da água está normal, as pequenas lanchas chegam até aqui para buscar gado. Atrás das casas de teto de palha estende-se a baixa cadeia de mesmo nome, em direção ao Oeste. Rio abaixo, na mesma margem, há 5 grandes cabanas Wapischána.
Mais uma hora de viagem e chegamos ao Tacutu. Antes da Foz do Cotingo, ele é apenas poucos metros mais largo do que este, que mede 265 m. Após a confluência dos dois Rios, sua largura é de 345 m.
A água e o cenário das margens são os mesmos em ambos. Pela direita, ele logo recebe um pequeno afluente, que os Macuxí chamam de Anaí-ute, os brasileiros, de Igarapé do Milho.
Outrora, Ildefonso teve em sua margem uma grande Aldeia, mas sua gente, Pitá também, o abandonou, porque ele era um patife. Na povoação Tupucu, ou também Tipucu, na margem esquerda, cuja casa branca, coberta de telha, dá uma impressão bastante civilizada, encontramos a lancha Senador Silvério, que segue para Flechal para embarcar bois. […]
Em 19 de agosto, partimos cedo para chegar em São Marcos antes do almoço. O Baixo Tacutu tem algumas ilhas arborizadas. À esquerda, deságuam pequenos afluentes sem maior importância, cuja vegetação ciliar é formada pelas majestosas palmeiras Buriti [Mauritia flexuosa]. A margem direita é coberta de mata rala e próximo à Foz, no alto da margem esquerda, fica o chamado “Acampamento”, um Posto Militar brasileiro de uns vinte homens sob o comando de um Tenente.
Alguns soldados estão descansando diante de suas cabanas de palha, outros se banham no ancoradouro e zombam de nós com sua risada de negro ao passarmos rapidamente por eles. Do ponto de vista militar, esse posto da fronteira não tem mais nenhuma importância. Os comandantes têm tão pouco a fazer quanto seus subordinados e desenvolvem, paralelamente, um próspero comércio de mercadorias de Manaus compradas por um preço relativamente baixo e vendendo-as com bom lucro aos colonos.
Alguns enriquecem por outras práticas. Por isso, esse posto, eventualmente, também é procurado por oficiais da capital. Um ou outro Tenente leviano já se “arranjou” aqui e agora vive como fazendeiro no Rio Branco.
“Acampamento” serve como substituto do velho Forte São Joaquim, construído, no ano de 1775 pelos portugueses como proteção contra as invasões espanholas vindas do Oeste. Suas ruínas não ficam longe daqui, na confluência do Tacutu e do Urariquera. Os firmes muros de pedra estão cobertos pelo mato, mas ainda é possível reconhecer a forma de paralelogramo do antigo Forte, que, graças à sua localização dominante sobre três longos trechos de Rio, deve ter sido um excelente ponto estratégico.
Às 10h00, entramos no largo Urariquera e, meia hora depois, aportamos diante de São Marcos. Schmidt vem ao meu encontro no porto, muito contente, pois não me esperava tão cedo, há dois dias, apenas, os índios trouxeram a notícia de que estávamos a caminho. Hermann Schmidt é de Wittstock ([2]), e tem levado uma vida agitada. Há dez anos veio como colono para o Rio Grande do Sul e, de lá, foi para a Colônia Campos Sales, de curta existência, perto de Manaus. Tornou-se, então, empregado do Museu Amazonense em Manaus, a serviço do qual, entre outras coisas, coletava animais vivos e objetos etnográficos no Rio Branco e no Tacutu.
Por falta de dinheiro e pela má administração, essa promissora fundação teve vida breve. Os habitantes do Jardim Zoológico morriam ou iam para a mesa do necessitado Diretor. As belas coleções etnográficas dispersaram-se pelos quatro cantos. Dois valiosos tambores sinalizadores do Uaupés acabaram servindo de lenha para os funcionários. Mas Hermann Schmidt, no entanto, pegou novamente o bordão de peregrino e foi para o Alto Rio Negro, que ele já conhecia de outra viagem. Aqui ele seguiu minhas pegadas, coletou objetos para museus norte-americanos no Uaupés e no Içana e gozou, como eu, da desmedida hospitalidade do meu venerado amigo, o excelente Don Germano Garrido y Otero em São Felipe. Lá o alcançou meu convite para participar desta Expedição. As más condições de trânsito no Baixo no Negro retiveram-no por um mês inteiro em Santa. Isabel, ponto final da viagem a vapor. Caso contrário, ele já teria se juntado a mim em Manaus.
Há, de novo, muita gente aqui em São Marcos, Gouvêa também, com seus belos olhos vivos, e Brito, o eremita de Chiquiba, todos armados com suas Winchester. A política desempenha um papel importante. Quando soube que a polícia incendiara sua casa com tudo dentro e que sua mulher fora presa. Gouvêa apareceu em Boa Vista com sessenta homens do Urariquera fortemente armados. Mas todas as autoridades de lá fugiram a tempo para Manaus, em busca de segurança.
Dizem que agora o lugarejo está deserto. Aguarda-se aqui um grande destacamento policial. Então, com certeza, haverá tumulto novamente. Ildefonso esteve aqui somente por pouco tempo, voltando, então, por terra, depois de Neves passar-lhe uma carraspana. Ainda não chegaram outras cartas nem as mercadorias encomendadas por mim. A ligação com o mundo civilizado foi interrompida. O Rio baixa rapidamente. A lancha Senador Silvério também está voltando do Tacutu sem sucesso.
Não conseguiu chegar a Flechal em razão do baixo nível da água e também não vai até Manaus pelo Furo do Cujubim, mas somente até Boca da Estrada, no alto da grande cachoeira de Caracaraí. O Comandante Caetano, um português baixinho e furioso, está com febre alta e um humor pior do que o de costume. Ele recusou, sem rodeios, meu pedido para levar uma parte de minhas coleções.
Passamos oito dias em São Marcos e temos muito trabalho até tudo ficar pronto. De dia, serramos, empacotamos e costuramos na capela. ‒ Que o Santo nos perdoe! ‒ À noite, escrevo cartas e relatórios ou faço observações astronômicas no teodolito até de manhã cedo. Na varanda da casa, de dia e de noite, falam de política entusiasticamente. Os hóspedes vão e vêm.
Em 26 de agosto estamos com tudo pronto: mas, por enquanto, ainda é um enigma para mim como as muitas caixas e trouxas seguirão Rio acima e chegarão depois a Manaus. O amável Sargento do Posto Militar, que vai a serviço a Manaus num pequeno barco, pelo menos vai levar minhas cartas e uma caixinha com chapas fotográficas prontas.
Empilhamos o restante na capela, que é coberta com folha canelada e bastante impermeável. Que as coisas fiquem aqui, sob a proteção do santo, até uma ocasião mais propícia. […] (GRÜNBERG, 1916)
A seguir vamos apresentar as Fotos e Cartas da Expedição de Theodor Koch-Grünberg retiradas do seu livro “Vom Roroima Zum Orinoco” editado em Berlim no ano de 1917.
Por Hiram Reis e Silva (*), Bagé, 03.08.2022 – um Canoeiro eternamente em busca da Terceira Margem.
Bibliografia:
GRÜNBERG, Theodor Koch. De Roraima ao Orinoco. Volume II – Mitos e Lendas dos Índios Taulipáng e Arekuná – Alemanha – Berlim – D. Reimer (E. Vohsen), 1915.
(*) Hiram Reis e Silva é Canoeiro, Coronel de Engenharia, Analista de Sistemas, Professor, Palestrante, Historiador, Escritor e Colunista;
- Campeão do II Circuito de Canoagem do Mato Grosso do Sul (1989)
- Ex-Professor do Colégio Militar de Porto Alegre (CMPA);
- Ex-Pesquisador do Departamento de Educação e Cultura do Exército (DECEx);
- Ex-Presidente do Instituto dos Docentes do Magistério Militar – RS (IDMM – RS);
- Ex-Membro do 4° Grupamento de Engenharia do Comando Militar do Sul (CMS)
- Presidente da Sociedade de Amigos da Amazônia Brasileira (SAMBRAS);
- Membro da Academia de História Militar Terrestre do Brasil – RS (AHIMTB – RS);
- Membro do Instituto de História e Tradições do Rio Grande do Sul (IHTRGS – RS);
- Membro da Academia de Letras do Estado de Rondônia (ACLER – RO)
- Membro da Academia Vilhenense de Letras (AVL – RO);
- Comendador da Academia Maçônica de Letras do Rio Grande do Sul (AMLERS)
- Colaborador Emérito da Associação dos Diplomados da Escola Superior de Guerra (ADESG).
- Colaborador Emérito da Liga de Defesa Nacional (LDN).
- E-mail: [email protected].
[1] Tauari designa uma fina fibra de cor pardo-avermelhada, usada como capa de cigarro. Essa libra é tirada da árvore Lecythis ollaria (in.). (Hiram Reis)
[2] Wittstock: cidade alemã localizado na região Leste de Prignitz às margens do rio Dosse perto da confluência com seu afluente Glinze, cerca de 20 km a Leste de Pritzwalk e 95 km a Noroeste de Berlim. (Hiram Reis)
J Carlos
Excelente Galeria de fotos mostrando a região onde, hoje, se situa parte do Estado de Roraima. Parabéns ao pesquisador pelo resgate do livro – “Vom Roroima Zum Orinoco”
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