Mais uma vez tenho a honra de repercutir um artigo de meu Mestre Higino Veiga Macedo.
A FORMAÇÃO ACADÊMICA
(Cel Eng Higino Veiga Macedo)
Até 1970, a formação acadêmica, na Academia Militar das Agulhas Negras, era considerada como muito influenciada pelo POSITIVISMO. As matérias do chamado ensino universitário eram fortes em ciências exatas.
Desconfia-se que bem pouca gente sabia o que exatamente significava POSITIVISMO. Parece que confundiam raciocínio matemático com raciocínio cartesiano e estes com raciocínio positivista. Também confundiam raciocínio matemático com raciocínio aritmético.
No início da década de setenta, a maioria dos professores do ensino universitário, na Academia, lutavam para que os Cadetes tivessem uma formação humanística. Argumentavam que a partir de Tenente todo o trato no quartel seria de relacionamento humano. Assim o oficial teria que dispor de técnicas das ciências humanas que lhe ajudasse a extrair de seus homens o máximo de profissionalismo.
As notícias, que se tinham das guarnições mais distantes, eram que o oficial teria que ter embasamentos outros porque sempre seria, nesses lugares, o juiz, o padre, o médico, o parteiro, etc., etc.
O presente ensaio pretende defender que, para a formação intelectual do oficial do Exército, o militar de carreira necessita ser matemático, para treinar a equacionar problemas; cartesiano, para avaliar as soluções; e positivista, para tomar decisões.
O MILITAR
O militar é o profissional da guerra. A ele cabe defender sua nação ou submeter outra à vontade da sua usando o poder militar de forma violenta. A guerra é a continuação da política, mas pelo uso da violência. O treinamento profissional tem que estar voltado para fazer o homem enfrentar o risco, o perigo e a morte com naturalidade de um profissional. Isto não quer dizer que o militar tenha que ser uma máquina de matar, um ser frio e cruel. O seu comportamento diante da morte tem que ser o de um profissional. Terá que enfrentar a adversidade com frieza dominando o medo, o pânico tanto os seus como os de seus subordinados e, quiçá, até de superiores. A tomada de decisão tem que ser rápida e no instante requerido. Tomada de Decisão esta conhecida como CONDUTA.
Para tanto, o raciocínio tem que ser rápido e coerente. Nada mais importante que treiná-lo com exercícios matemáticos.
A MATEMÁTICA
Desde a antiguidade, entenda os pitagóricos de todas as gerações, que os homens treinam para o raciocínio rápido através da matemática. Nela, adrede se sabe o resultado que se quer. A dificuldade reside na montagem da equação do problema. Equacionado o problema está resolvido o problema.
O exercício mental pode ser de tal ordem que o homem pode praticá-lo mesmo longe de instrutores. Pela matemática o homem acostuma a acreditar em modelos teóricos como são as diversas doutrinas na arte da guerra. Todos sabemos a impossibilidade de se testar doutrinas de combates, usando munição real, entre tropas amigas. O militar tem que acreditar que a doutrina é verdadeira, pois, quem a escreveu o fez estudando conflitos passados com perdas de preciosas vidas. É a mesma crença que nos faz crer na velocidade da luz, no tamanho do universo, na idade a terra etc., etc., etc.
O treinamento da inteligência, pela matemática, não quer dizer o uso primário de raciocínio que a aritmética permite. Não é o uso abstrato dos números. Cita HORTA BARBOSA do terceiro e último ensaio de DESCARTES “Regras para a Direção do Espírito” o seguinte trecho: “As matemáticas, escreve Descartes, têm invenções sutilíssimas que servem tanto para satisfazer os curiosos como para facilitar todas as artes e diminuir o trabalho humano” ([1]).
O CARTESEANISMO
O Discurso do Método, que é o método para busca de solução de problemas novos, foi criado por Descartes para uso próprio. Graças à sua simplicidade passaram a usá-lo como ferramenta para solução de todos os problemas. É, em verdade, um método analítico que se bem conduzido pode levar a conclusões acertadas. Convém ressaltar que jamais Descartes disse que era para se duvidar de todas as verdades. Particularmente por ser ele um Cristão.
Disse, isto sim, que o que se tem por verdade deve ser analisado para saber se ainda o é. Portanto o raciocínio cartesiano é um eterno analisar para descobrir as validades das verdades. Com a dialética, que é válida para as formulações ideológicas, está sempre trazendo novos conhecimentos e valores.
O raciocínio para ser cartesiano determina que o TODO seja destrinçado, analisadas as partes, integradas e estabelecido um NOVO CONHECIMENTO. É uma maneira rápida para se formular respostas para problemas em todos os níveis.
Os problemas militares são todos factíveis pelo raciocínio cartesiano. O próprio planejamento da guerra, que no Exército começa com o ESTUDO DE SITUAÇÃO, é cartesiano.
Daí todos os militares terem a necessidade de aprender e de continuamente estar praticando o cartesianismo. Particularmente em combate. Ali as formulações terão ter alta probabilidade de acerto, pois o chefe estará tratando não de coisas, mas de vidas que lhes foram confiadas. Neste momento estará o líder “buscando soluções”. E lhe basta uma que resolva o problema.
Portanto negar a prática e o uso do raciocínio cartesiano por toda a vida militar é desconhecer o método, a sua importância e a sua necessidade. Alegar que o militar é antes de tudo um condutor de homens e por isso terá que ser um ente que aja com emoções, é desconhecer a finalidade do militar na sociedade (semiologia militar) e as condições anormais vivido em tempo de paz. Embora em paz, o militar “tem que estar preparado” para a guerra.
É a prática constante do cartesianismo que levará o militar a atualizar as doutrinas, os procedimentos, a eficiência e eficácia dos materiais, a formação dos recursos humanos, as hipóteses de guerra ([2]), em fim, tudo o que se referir à sua profissão.
O POSITIVISMO
O pensamento positivo foi percebido já entre os gregos. Aristóteles foi um dos primeiros a afirmar “que nada há no entendimento que não haja passado pelos sentidos”. Antes, na escola pitagórica, diz HORTA BARBOSA, “ao lado de suas componentes místicas, prosseguiu aquela tradição positiva, recorrendo à observação e até mesmo à experiência”.
Embora Auguste Comte tenha extrapolado formando, a partir da filosofia positiva, uma religião, a sua parte idealista (ou ideológica como queiram) levaram os enciclopedistas a dela fazer uso. O pensamento positivo permite ao homem a decidir com racionalidade.
Elimina a componente emocional (teológica e metafísica) e agiganta a componente racional (positiva) sem, contudo fazer do responsável pela decisão um materialista, um calculista desalmado. O homem decide após passar o problema pelo crivo da RAZÃO. Há uma ideia errada de que o positivista era pacifista. Sempre foi racionalista e empirista, como prescrevia John Locke e os demais empiristas ingleses. A qualquer militar, em qualquer nível de execução, terá que usar a razão – a doutrina de guerra… um racionalista.
Como poderá ele decidir e determinar que alguém cumpra uma missão que custará a vida! Com certeza não será com a emoção. Terá que ter intenso treinamento – o adestramento… um empirista. Quando se vê, em qualquer nível, um militar conferindo algo, quer venha de subordinado, quer venha de superiores, nada mais está fazendo que usar o positivismo na sua esfera de atribuições: conferir. E conferir não é desconfiar: é certificar se não há erro (que pode custar vidas).
Quanto menor for o nível decisório, maior será a necessidade do pensamento positivo ( racional e empírico). Com isso se quer dizer que entre os sargentos e os oficiais, até capitães, a assertiva é muito mais verdadeira. Daí ser inadiável a revisão da formação da AMAN e da EsSA hoje, equivocadamente, muito voltada para ciências humanas. É comum, oficiais de hoje, comentar que Cadetes, quase aspirantes, chamam-lhes de TIO. A formação humana também está forte nas escolas de primeiro e segundo grau. É necessária que ela seja minimizada nas escolas militares. Se não veremos, mais vezes, Tenente comandante de pelotão chorando porque seu soldado quebrou a pernas quando caiu em um buraco numa patrulha noturna (acontecimento pessoalmente vivido pelo autor, quando comandante).
A FILOSOFIA
A partir de quando o militar terá que ter uma visão mais humana e filosófica de sua profissão? Com certeza não poderá ser na AMAN e ou EsSA. Ali por serem escolas de formação têm que ser eminentemente técnicas e treinadas – a prática (racional e empírica).
Para os oficiais a partir da EsAO é que caberá ministrar, incentivar, promover e facilitar a formação filosófica do militar. A escola corresponde ao curso de pós-graduação dos cursos universitários. Aí terá que haver um equilíbrio entre a execução e a filosofia. Mais que nunca terá que ser cartesiano, entender “o porquê” do “tem que ser”; entender sua função na sociedade; sua posição na sociedade e sua importância na sociedade.
Na ECEME o oficial estará fazendo o seu doutorado. O curso terá que ser mais filosófico que de execução. Infelizmente, até a história militar foi tirada. Nada mais é tratado sobre a geopolítica. A estratégia é apenas uma nuvem tênue. Não se sabe mais o que é a tropa blindada e porque tê-la em combate. Porque se tem tropa mecanizada. Não há fórum de discussão sobre os conhecidos gênios da arte da guerra. Não se fala ou discute porque a democracia é boa ou má; porque república ou monarquia; porque presidencialismo ou parlamentarismo. E, o pior, como militar, onde se posicionar por ser ele o braço defensor da nação. No CPEAAEX por todos os motivos terá que primar pelos aspectos filosóficos dos temas militares e dos que afetam ou influenciam tais temas. É o Ph D da profissão militar. A partir dele não se pode mais citar Clawsewitz, Sun Tsu e Maquiavel apenas pelo “ouvi falar”.
CONCLUSÃO
O mundo, nesta última década, passa por enormes transformações. Muitas delas parecem ser novidades. Mas, por se ter perdido o referencial devido a várias mudanças, às vezes açodada, são retornos às origens.
Não que isso represente retrocesso, mas gesto de humildade para reconhecer que houve enganos e equívocos e, assim, retomar o caminho seguro da modernização no que for possível modernizar; atualizar o que não for necessário modernizar; e conservar o que for necessário conservar para que não haja uma ruptura com o passado e com as verdades imutáveis do universo. Qualquer que seja a evolução e a modernidade atingida pelo mundo sempre haverá uma guerra, um conflito. Negar isso seria negar o animal que o homem é; é negar a liberdade de pensar; é negar a ambição do homem, pois se assim não o fosse não teria saído das cavernas.
O militar tem que estar preparado todos os dias de todos os anos enquanto militar for. O desempenho profissional necessita de embasamentos diferenciados nos diferenciados momento da carreira. Diferentemente dos profissionais liberais e outros que, desde que saem do curso de formação, exercerão a mesma rotina profissional, até a morte. A profissão militar é singular. O superior, para o militar, não é um chefe. É um comandante que poderá conduzi-lo à morte. O superior, para um outro profissional, é o chefe que terá de usar técnicas que modifique o comportamento humano para que o subordinada produza melhor. Há que usar ciências humanas. Qualquer que seja a tecnologia da guerra sempre terá um militar na guerra.
(Cel Eng Higino Veiga Macedo)
Por Hiram Reis e Silva (*), Bagé, 02.08.2022 – um Canoeiro eternamente em busca da Terceira Margem.
(*) Hiram Reis e Silva é Canoeiro, Coronel de Engenharia, Analista de Sistemas, Professor, Palestrante, Historiador, Escritor e Colunista;
- Campeão do II Circuito de Canoagem do Mato Grosso do Sul (1989)
- Ex-Professor do Colégio Militar de Porto Alegre (CMPA);
- Ex-Pesquisador do Departamento de Educação e Cultura do Exército (DECEx);
- Ex-Presidente do Instituto dos Docentes do Magistério Militar – RS (IDMM – RS);
- Ex-Membro do 4° Grupamento de Engenharia do Comando Militar do Sul (CMS)
- Presidente da Sociedade de Amigos da Amazônia Brasileira (SAMBRAS);
- Membro da Academia de História Militar Terrestre do Brasil – RS (AHIMTB – RS);
- Membro do Instituto de História e Tradições do Rio Grande do Sul (IHTRGS – RS);
- Membro da Academia de Letras do Estado de Rondônia (ACLER – RO)
- Membro da Academia Vilhenense de Letras (AVL – RO);
- Comendador da Academia Maçônica de Letras do Rio Grande do Sul (AMLERS)
- Colaborador Emérito da Associação dos Diplomados da Escola Superior de Guerra (ADESG).
- Colaborador Emérito da Liga de Defesa Nacional (LDN).
- E-mail: [email protected].
[1] História da Filosofia – Brasil – Rio de Janeiro, RJ – IBBD –1963.
[2] “O primeiro motivo, que te faz perder um Estado, é descuidar da arte bélica e o que te faz conquistá-lo é ser perito em tal arte”. O Príncipe – XV – DA RELAÇÃO ENTRE O PRÍNCIPE E OS EXÉRCITOS. (Maquiavel)
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