Levantamento realizado por um grupo de trabalho identificou mais de 500 acidentes com vítimas de escalpelamentos ocorridos de 1967 a 2022. As cidades com mais casos registrados foram Muaná (43), Breves (37) e Portel (37), seguidas por Cametá (35) e Belém (33), todas no estado do Pará (PA)

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Ações preventivas – como cobrir o eixo do motor dos barcos – e de recuperação da autoestima e da qualidade de vida das pessoas atingidas – principalmente mulheres e meninas – fazem parte das iniciativas destacadas pelo Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos (MMFDH) neste domingo (28), Dia Nacional de Combate e Prevenção ao Escalpelamento. As atividades são promovidas pelo Grupo de Trabalho Interministerial (GTI) instituído por meio do Decreto nº 10.784/21. O GTI tem o objetivo de fortalecer e articular políticas públicas de prevenção e combate ao escalpelamento no país, especialmente na região Norte.

Definido pela Lei nº 12.199/10, o Dia Nacional tem o objetivo de conscientizar sobre a importância da prevenção ao escalpelamento, que consiste no arrancamento brusco, parcial ou total, do couro cabeludo (escalpo). Em muitos casos, as vítimas têm orelhas, sobrancelhas, pálpebras e parte do rosto e pescoço arrancados, o que causa graves lesões e pode levar à morte.

Segundo informações do Ministério da Saúde (MS), as consequências do escalpelamento são muito graves e variam conforme as áreas afetadas. As principais sequelas incluem dores de cabeça ou cervicais crônicas, dificuldade na audição, fala e visão. Essas disfunções comprometem a qualidade de vida, o lazer e o emprego das vítimas, que muitas vezes ficam impossibilitadas de trabalhar.

Números

Levantamento realizado pelo GTI identificou mais de 500 acidentes com vítimas de escalpelamentos ocorridos de 1967 a 2022. As cidades com mais casos registrados foram Muaná (43), Breves (37) e Portel (37), seguidos pelas cidades de Cametá (35) e Belém (33).

O período em que mais ocorreram acidentes foi em junho, seguido pelos meses de novembro e dezembro. Percebe-se uma ligação com as épocas chuvosas no estado do Pará.

“O Grupo Interministerial foi criado com o objetivo de construir um plano de trabalho a partir das experiências já desenvolvidas, para que possamos erradicar esse tipo de acidente no Brasil. A finalidade também consiste em amparar estas mulheres que têm a vida devastada de maneira repentina”, enfatiza a titular da Secretaria Nacional de Políticas para as Mulheres (SNPM/MMFDH), Ana Muñoz dos Reis.

Nesse contexto, a secretária ressalta a importância da prevenção ao acidente, além da promoção de iniciativas como a entrega de perucas personalizadas e com cabelo natural, realizada pelo Instituto Hera Artemisul. A proposta é recuperar a autoestima de mulheres e meninas escalpeladas.

Mulheres Escalpeladas

Iniciativa promovida pelo MMFDH no âmbito do Projeto Mulheres Escalpeladas,  foi assinado um Acordo de Cooperação Técnica (ACT) com o Instituto Nacional de Metrologia, Qualidade e Tecnologia (Inmetro), no ano passado. O Acordo visa ao desenvolvimento de estudos para construção de um protótipo para a proteção do eixo do motor das embarcações. A ação é realizada pela Marinha do Brasil, Capitania dos Portos e Universidade Federal do Pará (UFPA).

Além dessa, outra parceria foi firmada com o Ministério Público do Trabalho (MPT), com o intuito de desenvolver estudos e projetos que possam contribuir para a construção de políticas públicas que garantam a proteção integral e apoio, em especial, às mulheres vítimas destes acidentes. Ainda em 2021, o Brasil entregou perucas a mulheres vítimas de acidentes de escalpelamento.

Vivências

Entre as pessoas ouvidas pelo Projeto Mulheres Escalpeladas, estão duas moradoras de Breves (PA), que contaram as experiências de vida. Na ocasião, Maria dos Anjos relatou a dificuldade de falar, dormir e trabalhar após o acidente. Ela contou ainda que sente dor de cabeça e toma remédio controlado.

“A gente não consegue trabalhar, sofre preconceito, temos filhos para criar. Tem também a questão de muitas terem sido abandonadas pelos maridos ‘por terem ficado feias’. Não é fácil”, lamentou Isa Soares dos Santos.

Nova vida

Aos sete anos de idade, Maria Trindade Gomes teve todo o couro cabeludo bruscamente arrancado pelo eixo do barco de seu pai, enquanto atravessava a baía de Portel, na Ilha do Marajó (PA). Abandonada pela família após o acidente, Trindade fez da tragédia uma bandeira e atualmente, aos 54 anos, ela realiza um trabalho voluntário de confecção de perucas para vítimas de escalpelamento em todo o estado.

“Desde 2007 eu venho realizando esse trabalho de confecção de perucas para as mulheres vítimas desse acidente. Não ganho nada com isso, apenas a satisfação de poder ajudar uma mulher que sofreu como eu. Onde tiver uma mulher precisando da minha ajuda eu vou”, revela. Trindade faz parte da ONG Mulheres Vítimas de Escalpelamento do Brasil, sendo a única costureira a manipular as mechas para confecção das perucas.

O que fazer em casos de escalpelamento 

Chefe da Unidade de Cirurgia Plástica do Hospital Regional da Asa Norte (HRAN), em Brasília (DF), o cirurgião plástico Gustavo Felix Cardoso enfatiza que as mulheres e crianças são as mais afetadas pelo escalpelamento, especialmente na região Norte do país. De acordo com o especialista, foram registrados nove casos no Brasil em 2020 e outros 16 em 2021. No Distrito Federal (DF), um caso já foi notificado em 2022, que ocorreu com uma criança de 10 anos perto do motor de um trator.

“Caso o acidente ocorra, algumas medidas devem ser tomadas. Primeiro, é indicado afastar rapidamente a vítima da área de risco. Depois, lavar a região com água corrente para retirar a sujidade da ferida e fazer um curativo. Utilize panos limpos ou compressas para cobrir toda a área da ferida e, com ataduras ou panos cortados em rolos, cubra a região afetada em forma de turbante, comprimindo bem para controlar o sangramento”, aconselha.

“Mantenha a vítima sentada ou escorada, evitando deixar totalmente em pé ou em posição deitada. Chame imediatamente por ajuda e ligue para os bombeiros para que façam o transporte a uma unidade de saúde mais próxima. O segmento do couro cabeludo que foi arrancado pode ser levado junto com a paciente à unidade de saúde. Existem alguns centros hospitalares que têm capacidade cirúrgica para tentar o reimplante. Nem sempre é possível de ser feito, a depender do tempo transcorrido do trauma e da gravidade da lesão do couro cabeludo”, completa.

De acordo com o cirurgião plástico, as chances de sucesso são maiores quando o reimplante ocorre em até 6 horas após o acidente. “Quando for transportar o couro cabeludo, coloque-o dentro de um saco plástico fechado. Coloque o saco plástico contendo o segmento em recipiente com gelo ou água gelada. Não permitir que fique em contato direto com gelo”, enfatiza.

Cardoso acrescenta que o tratamento é longo e consiste em múltiplas cirurgias plásticas reparadoras e implante capilar, além de acompanhamento psicológico. “A prevenção é a principal forma de evitar este tipo de acidente e deve ser sempre estimulada e relembrada”, conclui.

Como prevenir o acidente em barcos

Entre as orientações, constam sentar longe do eixo do motor do barco; manter distância do volante, que é tão perigoso quanto o eixo; deixar as crianças apenas em áreas seguras, com vigilância constante; evitar retirar água ou pegar objetos no fundo do barco; evitar se movimentar enquanto o motor estiver ligado; manter os cabelos totalmente presos em forma de coque ou cobertos; evitar usar penteado de rabo de cavalo; ter cuidado com fraldas, lenços ou qualquer tecido que possa se enrolar no eixo do motor; não utilizar colares ou cordões.

Histórico

A primeira ação do projeto Mulheres Escalpeladas foi realizada em 2021, devido aos altos índices de acidentes com escalpelamento. O Comitê Técnico de Prevenção ao Acidente do Escalpelamento, encabeçado pelo MMFDH e parceiros, fez uma expedição de 10 dias no arquipélago do Marajó (PA). O objetivo consistiu em realizar um levantamento de dados para entender o contexto do escalpelamento e da população ribeirinha, além de identificar possíveis parceiros e verificar as necessidades locais.

A Marinha também fez, no mesmo período, as instalações de coberturas de eixos dos motores, doação de coletes salva-vidas e distribuição de material informativo sobre as ações de prevenção.

Ainda em 2021, a Cruz Vermelha Brasileira realizou palestras nas escolas, com o objetivo de sensibilizar a população sobre a importância da prevenção e os impactos do escalpelamento na vida de meninas e mulheres. Na oportunidade, foram abordados temas para o fortalecimento da cidadania das mulheres, como liderança, participação política feminina e direitos.

Pelo projeto, também foi ministrado o curso de manejo florestal para 80 mulheres moradoras dos municípios de Breves e Curralinho e seus entornos.

PUBLICADO POR: MINISTÉRIO DA MULHER, DA FAMÍLIA E DOS DIREITOS HUMANOS