Descendo o Rio Branco
Ernesto Mattoso (1898)
Parte VI
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O Tratado de Limites entre Espanha e Portugal, na América, de 13 de janeiro de 1750, em seu artigo 3°, de grande clareza, assim diz:
Da mesma forma pertencerá à Coroa de Portugal tudo o que tem ocupado pelo Rio Marañon ou das Amazonas acima, e o Território de ambas as margens deste Rio até as paragens que abaixo se dirão, como também tudo o que tem ocupado no Distrito de Mato Grosso e desde esta paragem até a parte do Oriente e Brasil, sem embargo de qualquer pretensão que possa ser alegada por parte da Coroa de Espanha, baseada no que se determinou no referido Tratado de Tordesilhas, de cujas regalias Sua Majestade Católica, em seu nome e no de seus herdeiros e sucessores, desiste e renuncia formalmente de qualquer direito e ação que em virtude “do dito Tratado ou por qualquer Título possa ter aos referidos Territórios”.
Os artigos 9° e 18° deste mesmo Tratado são também bastante claros, porquanto assinalam os limites entre as duas nações, pelo dorso das serras que dividem as águas do Orenoco e as do Amazonas, tais como estão traçadas nos limites com a Venezuela, 1859, dando a elas as águas que vertem ao Orenoco e para o Brasil as que vertem para o Amazonas.
A serra especificada nesses dois artigos, 9° e 18°, do aludido Tratado é a mesma que o Sr. Salisbury tem a pretensão de chamar de montanhas da Roraima da “GUIANA BRITÂNICA”.
Os limites da antiga Província da Guiana conhecidos desde 1742, e com os quais constituíram os espanhóis em 4 de junho de 1762 uma comandância separada, a cargo do Coronel D. Joaquim Moreno de Mendoza eram constituídos do seguinte modo, conforme reza o expediente, relativo aos limites da Guiana Espanhola com a Holandesa:
Que a Província de Guiana tem por limite pelo Este toda a costa em que estão situadas as Colônias Holandesas do Esquivo, Berbice, Demerara, Corentyne e Suriname, e mais a barlavento ([1]) a Caiena pertencente aos franceses; pelo Norte, as margens do Orenoco, que divide as províncias de Cumaná, Barcelona, Caracas, Barinas, Santa Fé e Popayán, formava meio círculo, volvendo a Este a buscar suas cabeceiras na lagoa de Parima, como se veria em um mapa geral das ditas Províncias e Rio: pelo “Sul com os domínios do Rei Fidelíssimo no Brasil”, ignorando-se os confins destes e da dita Província de Guiana, etc.
Os confins acima referidos pouco mais tarde foram bem determinados pelo Tratado de 1777, como acima se viu, e em seus artigos 1° e 12°.
Este Tratado, juntamente com o de 11 de março de 1778, confirmam todos os anteriores, entre eles os de 13 de fevereiro de 1668, 6 de fevereiro de 1715, 13 de janeiro de 1750 e 10 de fevereiro de 1763. No mapa geral da Província de Cumaná, enviado à Espanha pelo governador D. José Dibuja, em 176I, também diz :
Por el Sur los dominios del Rey Fidelísimo en el Brasil.
No “Diccionario Universal de la lingua castellana, sciencias y artes”, de Nicolás Maria Serrano, buscando-se a palavra Guyana, tomo VI, ver-se-á, além de outros esclarecimentos, o seguinte:
A Guayana ou Guiana inglesa se divide em três Condados que tomam o nome dos rios que os regam; o Berbice a Este, cuja capital é Nova Amsterdam; Demerara, no centro, sua capital Georgetown; e Essequibo, a Oeste, e tem por capital a cidade do mesmo nome.
Ora, se o seu Território esbarra no Essequibo, uma só das margens lhes pertence, a direita, sendo a esquerda, em parte (foz do Rupununi) ao Norte, pertencente à Venezuela e no Sul ao Brasil.
Vivien de San Martin, Presidente da Sociedade de Geografia de Paris, em seu novo “Novo Dicionário de Geografia Universal, físico, político, econômico, etnográfico, histórico”, publicado em 1884, diz:
Guiana Venezuelana… que se estende da margem Meridional ou direita deste pequeno Amazonas (Orenoco) “até Essequibo que a separa da Guiana Inglesa”.
Mais adiante, tratando da Venezuela, escreve ainda:
Ela reivindica como fronteira a “margem esquerda do Essequibo até a confluência do Rupununi, etc”.
É claro que dessa confluência para o Sul nem ela mesma a reclama, pois reconhece o direito do Brasil. Acompanhemos, porém, autores mais antigos.
Varkermaer, membro do Instituto, em sua obra “Descripção Geral da Terra”, publicada por Deterville, Pariz, 1816, declara que:
A Guiana Espanhola tem por capital S. Thomé, sobre a margem do Orenoco, a 50 léguas de sua embocadura; este País está “separado da Guiana holandesa pelo Rio Essequibo”.
MacCarthy, no seu Tratado de “Geografia com mapa-múndi, segundo as mais recentes descobertas”, publicado por Puyol Scribe, Paris, de 1823 a 1835, diz:
Colômbia ([2]), país de la América Meridional, está limitada ao Norte pelo mar Caribe, a Noroeste pelo Oceano Atlântico, a Leste pelo Brasil e Colômbia, a Oeste “com o mesmo Império e Colômbia, de que está separado pelo Essequibo”.
Castellano Foligno, no seu “Nuevo Espejo histórico, comercial y político, o Diccionario Geographico”, impresso em 1839, Tomo 2°, pág. 3, escreve:
Colombia…, A Guiana Espanhola se estende desde o Orenoco até o Essequibo, que a separa da Guiana Inglesa.
Na “Encyclopédie Methodica: Geographia Moderna”, impressa em Paris, por Panckouke, 1782, pág, 705, lê-se:
A Guiana Holandesa começa no Rio Maravini e termina no Essequibo, etc..
Meisas e Mechelot no seu “Dicionário Geográfico, Industrial, Comercial e Político”, impresso por Hachette, Paris, 1847, diz:
Essequibo ou Essequebo, Rio da América do Sul, “que nasce no Brasil, separa” em parte a Venezuela da Guiana Inglesa.
Na “Enciclopédia do Século XIX, repertório universal de Ciências e Artes”, publicada em Paris, 1872, tomo X, sob a rubrica Essequebo ou Essequibo, lê-se o seguinte:
Rio da Guiana que “tem suas cabeceiras na Guiana do Brasil, vertente Norte da Serra do Acaraí”. Corre primeiro ao Noroeste, depois ao Nordeste, “separa em uma grande extensão a Guiana Inglesa da República de Venezuela”.
A Cédula de 5 de maio de 1768, assinada em Aranjuez, é do teor seguinte:
El Rey – Mi Virrey Gobernador y Capitán General del nuevo Reino de Granada y Presidente de mi Real Audiencia de la ciudad de Santa Fe.
Don Joseph Iturriaga, Jefe de Escuadra de mi Real Armada, dispuso que la Comandancia General de las nuevas fundaciones del bajo y alto Orinoco y “Río Negro” que ejercía, quedase como lo está, por su fallecimiento, a cargo del Gobernador y Comandante de Guyana: he conformándome con esta disposición, y hallando conveniente a mi Real servicio que subsista invariable hasta nueva resolución mía la expresada agregación al proprio Gobernador y Comandante de Guyana como más inmediato a los citados parajes, y que por lo mismo hasta ahora ha estado encargado de la escolta de misiones destinada a ellos, de suerte que quede reunido en aquel mando siempre con subordinación a esa Capitanía General el todo de la referida Provincia, cuyos términos son: por el Septentrión, el bajo Orinoco, lindero Meridional de las Provincias de Cumaná y Venezuela; por el Occidente, el alto Orenoco, el Casiquiare y el “Río Negro por el Medio-día, el Río Amazonas”, y por el Oriente del Océano Atlántico, he venido se declararlo así y expediros la presente mi Real cédula, en virtud de la cual os mando comuniquéis las ordenes convenientes a su cumplimiento a los Tribunales, Gobernadores y oficinas a quienes corresponda su observancia y noticia que así es mi voluntad, y que de esta mi Real cédula, se pase al mi consejo de las Indias, para los efectos a que pueda ser conducente en él, copia rubricada del infrascrito mi Secretario de Estado y del despacho de Indias.
Dada en Aranjuez a cinco de mayo de 1768, – Yo El Rey. Don Julián de Arriaga.
Ora, se a Espanha se considerava senhora e possuidora do Território até o Amazonas, cujos domínios cedeu à Coroa de Portugal em 1750; se jamais os holandeses pretenderam sequer chegar até esses domínios, como, pois, a Inglaterra tem a pretensão de querer anexa-los à sua Colônia?
Ainda mais que uma certidão passada em 20 de abril de 1771 assim se exprime:
Nosotros Don Andrés Callejon, Cura Rector Vicario, Yuez Eclesiástico de esta ciudad de S. Tomé de la Guayana, Don Andrés de Oleaga, contador oficial, etc. etc. – Certificamos para ante los señores que la presente viren y leyeren, como el señor Don Manuel Centurión Guerrero de Torres, Teniente-coronel de los Reales Ejércitos, y Comandante General de esta dicha ciudad y su provincia di Guayana y nuevas poblaciones del alto y bajo Orenoco y Río Negro, ha procurado… etc. etc…; y para que se convenzan de la verdad de nuestra certificación los señores que la viren, hagan punto y reparen lo que les produce a los extranjeros sus Colonias del gran Pará á Amazonas a los portugueses; la Cayena a los franceses, y a los holandeses Surinam, Berbice y Essequibo, que corren en la costa Oriental de esta Provincia, etc.
Era então público e notório, todas as autoridades espanholas sabiam que os holandeses possuíam na costa apenas as suas Colônias de Suriname, Berbice e Essequibo, sem nunca penetrar pelo interior, pois parava no Essequibo a sua propriedade territorial.
A Cédula de 10 de setembro de 1776 assim descreve os limites da Província da Guiana:
Posteriormente (dice) llegó una carta suya (de Centurión) de 11 de noviembre de 1773, en que a consecuencia de dicha primera cédula, y acompañando nueve documentos, informa que aquella Provincia de la Guayana es la parte más Oriental de mis dominios en la América Meridional a la costa del Norte, y sus términos san: por el Septentrión, el bajo Orenoco, lindero Meridional de las Provincias de Cumaná y Caracas; por el Oriente el Océano Atlántico: “por el Sur, el gran Río de las Amazonas y por el Occidente el Río Negro, el cano de Casiquiare” y el alto Orenoco, lindero de la parte Oriental é incógnita de ese Reino de Santa Fe. Que en la circunferencia o recinto del vasto continente de aquella Provincia tienen los “franceses y holandeses ocupado toda la costa del mar con sus Colonias”… etc.
Vê-se, pois, que os holandeses restringiam seus domínios somente às costas do mar. No “Projeto e Reflexões sobre a melhor demarcação de limites entre as Coroas de Espanha e Portugal” pelo Brigadeiro Engenheiro em chefe, Don Francisco Requeña, também se lê:
Es muy fácil señalar con exactitud la demarcación del país por donde debe correr la línea divisoria desde el punto (H) del Río Negro hasta donde por el Oriente han de terminar los Dominios de ambas Caronas, si se toma por guía para trazarla el curso de los ríos que por aquella parte tomen direcciones, diametralmente opuestas. Los artículos IX y XII de los Tratados de 1750 Y 1777 están acordes y expresan que seguirá la frontera por “lo cumbre de los montes que median entre los ríos Orenoco y Amazonas”, mas dado el caso que en algunos puntos no se hallasen montes ni serranías por cualesquiera collados o altura de terrenos por pequeña que fuese, podría seguir la expresada raya designada en el mapa ([3]) con la letra (F) teniendo consideración al curso de las aguas y al nacimiento de ellas, puse todas las quebradas o “vertientes que se dirigiesen al Río Negro, al Río Blanco, o directamente al Río Marañon, deberían ser privativas de la corona de Portugal con todos sus pertenencias, inmediaciones y orillas del mismo” que cuantos se encaminasen al cano de Casiquiare, al Río Orenoco y a los que a este san tributarios, seria a si mismo privativos y del dominio de la España.
Pertencem a Portugal todas as “águas que vertem para o rio Negro e rio Branco, com todas as suas adjacências e imediações”, e ainda mais o “curso delas e as suas nascentes”, como o Rupununi que nasce em nosso Território, o Essequibo que igualmente brota da nossa serra do Acaraí e o Pirara que deságua no Rio Maú, se esses rios são todos nossos pelos antigos Tratados entre as duas Côrtes da Espanha e Portugal, como pode a Inglaterra imaginar sequer que a ela serão adjudicados?
Prossigamos. Existem no Ministério das Relações Exteriores da Republica de Venezuela as seguintes “noticias sobre los límites entre as Guayanas Venezolana e Inglesa”:
La extensión de los derechos que posean los pueblos que ocupan hoy estas Guayanas, se deriva del hecho de la conquista por la cual vinieron a ocupar los predecesores de éstas sus respectivos territorios. Por virtud de ella los españoles se adjudicaron el dominio sobre las tierras y tribus indígenas que se extendían al Norte del Amazonas y los portugueses el de las que se hallaban al Sur del mismo río. Los primeros descubrimientos de los españoles no habían pasado, sin embargo, al principio, de las márgenes del Orenoco, ni los de los Portugueses se habían extendido más al Norte del Amazonas, “y no fue sino por virtud de expediciones sucesivas y parciales que uno e otro pueblo fueron extendiendo progresivamente sus dominios con el derecho de primeros ocupantes”.
Las guerras europeas fueron más después la causa de que los holandeses entraran en posesión de los territorios más Septentrionales de la Guyana portuguesa; pero como ellos derivaban sus derechos del que tenían estos últimos, “nunca llegaron a extender sus Colonias sino hasta las márgenes del Essequibo”.
Nunca chegaram a estender suas Colônias senão “até às margens do Essequibo”, diz mais este valioso documento. E, se jamais ultrapassaram os holandeses o Rio Essequibo, é inacreditável que seus sucessores, os ingleses, sonhem com transpor esse claro limite e estabelecerem-se em terras que foram de Portugal e que hoje são nossas. O Sr. Pedro Ezequiel Rojas, enviado venezuelano junto ao governo britânico para o ajuste de seus limites em 1881, expressou ao mesmo governo, em sua proposta de limites:
Que em virtude de títulos, documentos e cartas geográficas oficiais, e de todas as provas mais incontestáveis em direito, a fronteira entre ambas as Guianas começa nas bocas do Rio Essequibo, aguas acima do dito Rio, “até sua confluência com os Rios Rupununi e Rewa, ao extremo Oriental da serra de Pacaraima”, e que por conseguinte todo o imenso território ocupado hoje pelo governo de S. M. Britânica dentro dos ditos limites corresponde à Venezuela.
Até esse ponto, concordamos, à ela pertence a margem esquerda do Essequibo, mas daí para o Sul a margem esquerda é nossa. A própria vizinha república o atesta. Conrad Malte-Brun, descrevendo a divisão topográfica da Guiana, nos diz:
A Guiana na maior acepção que pode dar-se a seu Território, desde a embocadura do Amazonas à do Orenoco, está hoje dividida por 5 estados. A parte mais Oriental, vizinha do Rio Amazonas e que formava o que se chamava a Guiana portuguesa, pertence ao Império do Brasil e forma parte da Província do Amazonas, da qual damos adiante a descrição.
A parte Ocidental, compreendida entre a embocadura do Essequibo e do Orenoco, formava em outro tempo a Guiana espanhola, pertence à república da Venezuela e forma o Departamento da Guiana que descrevemos anteriormente. Entre estas duas Províncias, que são dependentes da Venezuela e do Brasil, estão situadas as Colônias dos europeus na Guiana, que tomam naturalmente o nome do Estado a que pertencem, Guiana Inglesa, Guiana Holandesa e Guiana Francesa.
O art. 12° do Tratado de 1° de outubro de 1877 é de extraordinária clareza pelos seus termos, como se vê:
A cujo fim as pessoas que se nomearem para a execução deste Tratado assinalarão aqueles limites, buscando as águas e rios que se juntem ao Japurá e Negro, e se aproximem mais ao rumo Norte, e neles fixarão o ponto em que não deverá passar a navegação e uso de uma e de outra nação quando, afastando-se dos rios, tenha de continuar a fronteira pelos montes que medeiam entre o Orenoco e o Marañon ou Amazonas, levando também a linha divisória quanto “possa ser para o Norte, sem reparar no pouco mais ou menos do terreno que fica a uma ou a outra Coroa”, contanto que se logrem os aludidos fins; até concluir a dita linha onde finalizam os domínios.
Nada mais evidente é, pois, que a linha Portuguesa-espanhola indo pelo dorso das serras, divisória dos dois vales Orenoco e Amazonas, segue sempre esses cumes até o final da cordilheira, que é perto da embocadura do Rupununi, no Essequibo, na serra Makarapã.
Convém aqui dar a íntegra do art. 9° do Tratado de 13 de janeiro de 1750, já referido, afim de que nenhuma dúvida possa ainda pairar sobre a legitimidade da linha que reclamamos:
Continuará a fronteira pelo meio do Rio Japurá e pelos demais Rios que se lhe juntem e se avizinhem mais do rumo do Norte, até encontrar o alto da cordilheira de montes que medeiam entre o Rio Orenoco e o Marañon ou das Amazonas, e seguirá pelo “cume destes montes ao Oriente até onde se estenda o domínio de uma e outra Monarquia”. As pessoas nomeadas por ambas as Coroas para estabelecer os limites, segundo o disposto no presente artigo, terão particular cuidado de assinalar a fronteira, nesta parte, subindo águas acima da boca do Japurá, de forma que se deixem cobertos os estabelecimentos que atualmente tenham os portugueses às vizinhanças deste Rio e do Negro, como também a comunicação ou canal de que se servem entre estes dois Rios; e que não se dê lugar a que os espanhóis, com nenhum pretexto nem interpretação, possam neles introduzir-se, nem na dita comunicação, nem os portugueses remontar ao Rio Orenoco, nem estender-se às Províncias povoadas da Espanha, nem nas despovoadas que lhe hão de pertencer, segundo os presentes artigos, em cujo comprimento assinalarão os limites pelos lagos e rios, endereçando a linha de raia quanto possa ser “pelo lado do Norte”, sem reparar ao pouco mais ou menos do terreno em que fique a uma ou a outra Coroa, contanto que se logre os expressados fins.
Ora, como os montes aqui designados seguem para o “Oriente” até o Essequibo, na confluência do Rupununi, aos 4° e 5° Latitude Norte, não é lícito duvidar que a linha divisória vá “pelos cumes” até o final dos montes, no ponto chamado serra de Makarapã, que demora junto à foz do dito Rio Rupununi que é a verdadeira linha reconhecida por todos os autores competentes, bastando citar o notável geógrafo, insuspeito por ser venezuelano, o Sr. Augustín Codazzi e o sábio Alexander Von Humboldt. Entre todos os historiadores e geógrafos notáveis, engenheiros e exploradores conscienciosos que temos consultado só uma única voz dissonante encontramos, e a essa provaremos a sua pouca competência para julgar de tão importante assunto. A sua incompetência não vem de certo de poucos conhecimentos; ao contrário, a sua obra intitulada “Exploración oficial”, de 1867 – é um livro de história precioso pelas descrições e estatísticas colecionadas em viagem feita pelo próprio autor, o Sr. F. Michelena y Rojas. A sua pouca autoridade na matéria de que nos ocupamos vem de parcialidade com que se refere a tudo quanto diz respeito ao Brasil.
No seu livro, à parte da sua narração de viagem, em quase todas as suas 677 páginas abundam não só inverdades como até calúnias e insultos grosseiros atirados ao Brasil, à sua politica, aos seus costumes e ao caráter dos brasileiros, que por infelicidade e de acordo com os seus hábitos proverbiais o receberam com tanto cavalheirismo e carinho. Esse escritor nutre tamanho ódio contra nós que, sendo venezuelano, advoga com fervor a causa dos ingleses contra nós, a despeito de serem eles os próprios que querem possuir do Território da gloriosa Pátria de Bolívar e sua, parte enorme, como Rojas mesmo o apregoa.
O seu ódio, a sua má vontade contra o Brasil cega-o de modo a invectivar ([4]) as opiniões do seu notável compatriota o Sr. Augustín Codazzi, universalmente acatado pelo seu saber; chega ao ponto de fazer do sábio Humboldt um ignorante, e do viajante inglês Robert Schomburgk um eminente sábio! A despeito disso, porém, é tão clara a verdade e tão firmes os nossos direitos, que desse inimigo mesmo vamos transcrever um trecho do capítulo X de seu livro, pág. 492, que conquanto finalizando com mais uma injúria ao Brasil, no seu começo, afirma de modo claríssimo os direitos que temos à linha que traçamos no nosso mapa e que nestes escritos sustentamos como a verdadeira, que nos separa da Guiana Inglesa e da Venezuela. Diz assim o nosso gratuito inimigo:
Después que la línea divisoria con Venezuela y el Brasil termina “en la boca del Rupununi”: à los 4° de Latitud Norte y 58°20’ de Longitud Oeste, remonta la que lo separa (al Brasil) de la Guyana Inglesa, por la “margen izquierda” del Essequibo, y hasta lo más encumbrado de la sierra Acarahy, vertientes del Essequibo, y desde allí una línea recta hasta el Corentin. Esta era una de las líneas que Venezuela reclamaba al Brasil hasta el Oyapoc, la que por el Tratado se ha renunciado. Y no contento con habérsela quitado, hace no mucho tiempo que reclama del gobierno inglés nada menos que hasta la boca del Siparuni, en el Essequibo, cerca de los 5° de Latitud Norte; pero creemos se quedará en simples reclamación, pues no es con los Estados del Sur-América, a quienes despoja con facilidad, con quien tiene que hacer.
Vê-se, pois, que ele próprio, reconhece os nossos limites tais quais nós o queremos. Para bem conhecer-se a sua parcialidade basta referir que na nossa “Questão das Missões” ([5]) com a República Argentina, ele nos tratou de usurpadores; desejaríamos ver, porém o que diria depois de ler o luminoso laudo do Sr. Cleveland, que nos deu pleno direito ao que reclamávamos. Mas esse Sr. Francisco Michelena y Rojas, conquanto injusto em suas apreciações, é um historiador de certo mérito: por isso não deixou de acentuar a verdadeira linha divisória entre o Brasil e a Guiana Inglesa.
Chama-nos de usurpadores, mas afirma que o nosso Território vem “pela margem esquerda do Essequibo, desde a boca do Rupununi até a serra do Acaraí”. Não há, portanto, autoridade mais insuspeita. Até esse nos reconhece o direito. (MATTOSO, 1898)
Por Hiram Reis e Silva (*), Bagé, 11.07.2022 – um Canoeiro eternamente em busca da Terceira Margem.
Bibliografia:
MATTOSO, Ernesto. Limites da República com a Guiana Inglesa – Memória Justificativa do Direitos do Brasil – Brasil – Manaus – Tipografia Leuzinger, 1898.
(*) Hiram Reis e Silva é Canoeiro, Coronel de Engenharia, Analista de Sistemas, Professor, Palestrante, Historiador, Escritor e Colunista;
- Campeão do II Circuito de Canoagem do Mato Grosso do Sul (1989)
- Ex-Professor do Colégio Militar de Porto Alegre (CMPA);
- Ex-Pesquisador do Departamento de Educação e Cultura do Exército (DECEx);
- Ex-Presidente do Instituto dos Docentes do Magistério Militar – RS (IDMM – RS);
- Ex-Membro do 4° Grupamento de Engenharia do Comando Militar do Sul (CMS)
- Presidente da Sociedade de Amigos da Amazônia Brasileira (SAMBRAS);
- Membro da Academia de História Militar Terrestre do Brasil – RS (AHIMTB – RS);
- Membro do Instituto de História e Tradições do Rio Grande do Sul (IHTRGS – RS);
- Membro da Academia de Letras do Estado de Rondônia (ACLER – RO)
- Membro da Academia Vilhenense de Letras (AVL – RO);
- Comendador da Academia Maçônica de Letras do Rio Grande do Sul (AMLERS)
- Colaborador Emérito da Associação dos Diplomados da Escola Superior de Guerra (ADESG).
- Colaborador Emérito da Liga de Defesa Nacional (LDN).
- E-mail: [email protected].
[1] Barlavento: lado de onde normalmente sopram os ventos. Neste caso os “Ventos Alísios de Nordeste” que sopram de Nordeste para Sudoeste. (Hiram Reis)
[2] Colombia era assim chamada a Columbia propriamente dita e Venezuela que a ela estava unida. (MATTOSO)
[3] Mapa enviado por F. Requeña à Corte da Espanha. (MATTOSO)
[4] Invectiva, s. f. (Do latim invectivus). Discurso forte e veemente contra alguém, ou contra alguma coisa. […]
Invectivar, v. a. Fazer ou dirigir invectivas contra alguém. […] (DOMINGOS VIEIRA)
[5] Compilei uma excelente bibliografia a respeito desta Questão que pode ser acessada através do link: Questão das Palmas ou para “los Hermanos” – de las Misiones | Ecoamazônia (ecoamazonia.org.br) / (Hiram Reis)
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