Para o cientista político  e escritor Sérgio Abranches, o Brasil precisa repensar a sua estrutura de proteção à Amazônia e aos povos indígenas

Os ataques às comunidades indígenas Kaiowa e Guarani no Mato Grosso do Sul e as recentes mortes do indigenista Bruno Pereira e do jornalista britânico Dom Philips escancararam uma realidade de violência em alta no País. Para o cientista político e escritor Sérgio Abranches, o contrabando de armas, o narcotráfico e os crimes ambientais estão estreitamente ligados, afetando o meio ambiente e a vida da população indígena.

“O que está acontecendo hoje na Amazônia é uma perversa articulação entre várias cadeias criminosas. A gente já tinha as cadeias criminosas tradicionais, que é a grilagem de terra, o desmatamento, a agropecuária extensiva e ilegal, um resquício da história do agrarismo brasileiro desde antes da gente se industrializar. Mas no final dos anos 1990 e início dos 2000, aconteceu um fenômeno muito negativo que se chama efeitos não desejados ou inesperados das políticas públicas”, explica.

Abranches detalha que o sistema de controle do tráfego aéreo foi tão bem-sucedido na gestão da criminalidade que fez com que os criminosos saíssem das rotas por aviões e descessem pelo Rio Amazonas e seus arredores. Isso fez com que traficantes e contrabandistas de espécies se encontrassem e, ao mesmo tempo, se conectassem com outras formas de crime mais organizadas, como o desmatamento, a pesca ilegal e o garimpo de ouro. Hoje, a Amazônia é dominada pelo narcotráfico.

“Também há a informação das facções criminosas em São Paulo e no Rio de Janeiro, o PCC e o Comando Vermelho, principalmente, que se expandiram pelo território brasileiro e chegaram à Amazônia e lá disputam os territórios.  Por exemplo, no Vale do Javari, onde Bruno Araújo e Dom Phillips foram mortos, o Comando Vermelho domina através de uma facção que se formou ali”, detalha.

Para o especialista, existe hoje um pensamento que está difundindo na sociedade e pelo Governo Federal de que os povos indígenas não estão atrelados ao desenvolvimento do País, o que também gera a diminuição nas políticas de criminalidade na Amazônia e na proteção dos povos tradicionais.

“É urgente combater a criminalidade presente hoje na Amazônia, proteger os povos indígenas, os ribeirinhos e os quilombolas, proteger as unidades de conservação e fazer a demarcação de terras para retirar os invasores, principalmente os garimpeiros. Porque o contrabando de armas, o narcotráfico e o crime ambiental estão todos juntos, eles estão articulando entre si.”

O especialista também denuncia o garimpo de ouro, que não possui legislação brasileira. “Lavar ouro é muito fácil, você sai com o ouro dos garimpos ilegais e violentos da Amazônia, que destroem o meio ambiente com mercúrio nas escavações, uma coisa totalmente predatória. E como não há nenhuma regulação para estabelecer a origem da rota do ouro, é possível que boa parte do que se comercializa legalmente no Brasil, seja no mercado financeiro ou no mercado de joias, é ouro de sangue, oriundo do garimpo ilegal.”

Sérgio Abranches conclui que é necessário um novo pensamento sobre as políticas públicas de proteção ambiental e indígena, com mais orçamento e reestruturação da Funai (Fundação Nacional do Índio), e uma estrutura investigativa para identificar como os crimes que acontecem no cenário amazônico têm impacto nas demais regiões brasileiras.

“A gente precisa de uma unidade especial da Polícia Federal e uma legislação específica para isso, com treinamento inclusive de combate na selva, além de uma linha de atuação científica e uma força-tarefa com o Ministério Público, para poder investigar as conexões desses crimes todos no Brasil e como o crime amazônico acaba beneficiando a economia do sudeste, a economia urbana”, conclui.

Rafael Revadam – Jornal da Ciência

PUBLICADO POR: JORNAL DA CIÊNCIA SBPC 

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