A Agência da ONU para Refugiados (ACNUR) reconhece o sistema que salva vidas e dá às pessoas refugiadas oportunidades de construir um futuro melhor no país

Família venezuelana com sua documentação em centro de registro em Boa Vista. © ACNUR/Allana Ferreira

A Lei 9.474/1997, que define mecanismos para a implementação do Estatuto dos Refugiados no Brasil, completa hoje 25 anos de promulgação. Trata-se de uma peça normativa essencial para proteger os direitos das pessoas forçadas a se deslocar por conflitos e graves violações de direitos humanos e que chegam ao Brasil procurando estar seguras e viver uma vida normal.

Esta comemoração ocorre no momento em que o Brasil responde à situação humanitária criada pelo fluxo oriundo da Venezuela, o maior na história recente da região. Na atualidade, o país acolhe cerca de 500.000 pessoas de interesse do ACNUR, incluindo pessoas refugiadas de 121 nacionalidades diferentes.

Nesse contexto, a Lei 9.474 se apresenta como uma conquista fundamental para acolher refugiados no Brasil, e é indiscutível que o país tem motivos para celebrar os 25 anos de sua sanção. Ao mesmo tempo, não devemos deixar de reconhecer que, além da lei, existe todo um sistema de proteção mais amplo, que serve para salvaguardar os direitos das pessoas refugiadas e dar a elas a oportunidade de construir um futuro melhor aqui.

Além da adoção de uma definição ampliada para o reconhecimento de refugiados, com base na Declaração de Cartagena sobre Refugiados (1984), outra entre as várias medidas importantes introduzidas pela Lei 9.474 é a criação do Comitê Nacional para os Refugiados (Conare) e o estabelecimento do procedimento para ser reconhecido como refugiado, que contempla a participação da sociedade civil e do ACNUR. Desde 2019, o Conare oferece um procedimento mais rápido e simplificado para a população da Venezuela, resultando no reconhecimento de mais de 48.000 pessoas venezuelanas como refugiadas, maior número de refugiados venezuelanos reconhecidos na América Latina.

O Brasil também é reconhecido pela resposta emergencial ao fluxo da Venezuela, a Operação Acolhida, iniciativa coordenada pela Casa Civil para fornecer registro e documentação na chegada dessas pessoas, bem como assistência humanitária emergencial, incluindo alimentação e abrigo temporário.

Além disso, mais de 78.000 venezuelanos participaram de um programa de realocação voluntária conhecido como “Interiorização”, uma estratégia iniciada pelo Ministério da Cidadania e as Forças Armadas, com apoio de autoridades locais, ACNUR e outras organizações da ONU, sociedade civil e setor privado. Este programa oferece suporte para a realocação de pessoas do estado de Roraima para mais de 800 cidades onde há mais oportunidades de integração, aliviando a pressão sobre as comunidades fronteiriças.

O ACNUR entende que a proteção e a integração de pessoas sob o mandato da agência são responsabilidades compartilhadas entre diferentes atores, e que apenas estratégias conjuntas e sinérgicas podem promover respostas integrais às necessidades da população refugiada. No Brasil, é preciso reconhecer também o compromisso e trabalho das autoridades locais, que estão na linha de frente da resposta aos refugiados e outras situações de deslocamento forçado. Assim, o ACNUR atua em cooperação com os Conselhos e Comitês estaduais e municipais para pessoas refugiadas e migrantes, fornecendo suporte a planos de políticas públicas para esta população, assim como a iniciativa Cidades Solidárias.

Apesar de um quadro favorável de proteção no Brasil, alguns desafios permanecem. Faz-se necessário ampliar as ações implementadas pelos governos federal e locais, com o apoio da sociedade civil, do sistema das Nações Unidas e das próprias comunidades de acolhida e refugiadas, a fim de reforçar o atendimento nas áreas de saúde, educação, meios de subsistência e outras necessidades urgentes. Ou seja, é preciso dobrar nossos esforços coletivos para responder a qualquer desafio da implementação efetiva da lei para que as pessoas refugiadas possam desfrutar na prática de todos os direitos garantidos a elas.

Neste sentido, o Pacto Global sobre Refugiados, afirmado pela Assembleia Geral das Nações Unidas em 2018, promove um novo modelo abrangente de resposta aos refugiados e pede maior apoio aos refugiados e às comunidades que os acolhem, muitas vezes entre as mais pobres do mundo, e visa ajudar os refugiados a alcançarem a autossuficiência para que possam proporcionar um futuro digno para suas famílias e contribuir com a comunidade anfitriã.

Neste ano em que se celebra o 25º aniversário da Lei sobre Proteção de Refugiados, o ACNUR completa 40 anos de atuação no Brasil, com um trabalho pautado pela proteção aos refugiados e pela promoção de soluções duradouras para seus problemas. Hoje, nesta oportunidade, agradecemos ao Brasil pela solidariedade com as pessoas refugiadas e pela parceria com o ACNUR nestas últimas quatro décadas, desejando um futuro em que ninguém precise ter que deixar seu país por situações de perseguição e falta de proteção a seus direitos.

Por Federico Martinez-Monge, representante interino do ACNUR no Brasil  – ACNUR