Descendo o Rio Branco 

The Journal of the Royal Geographical Society, 1841

Robert Hermann Schomburgk (1837/1838)
Parte I
Relato da Terceira Expedição ao interior da Guiana: Compreendendo a viagem às fontes do Essequibo, às Montanhas Carumá e ao Forte São Joaquim, no Rio Branco, em 1837-1838. Por Robert Hermann Schomburgk.  

Àqueles que se interessam pela geografia da Guiana Britânica vale lembrar que em duas ocasiões anteriores subi ao Essequibo até a catarata de William IV, e explorei os Rios Berbice e Corentyne, cujos relatos detalhados podem ser encontrados nos volumes 6 e 7 do “London Geographical Journal”. O objetivo da presente Expedição é examinar o Essequibo até suas fontes, e para conectar minhas viagens do Leste com aquelas do Barão Humboldt em Esmeralda, no Alto Orenoco, que no ano de 1800 chegou a esse ponto vindo do Oeste. Imediatamente depois de me recuperar de um ataque de febre amarela, tomei todas as providências para deixar a Colônia; recontratando os valiosos serviços do Sr. Vieth, como assistente naturalista, Sr. Morrison como desenhista, o Sr. Le Breton, encarregado da comissão, e vários dos fieis índios Warrau como parte da tripulação do meu barco. Nós chegamos a Georgetown, no dia 12.09.1837, na escuna do Sr. Arrindell, meu parceiro de navegação até a ampla extensão do Essequibo e aportamos no Posto de Ampa, cerca de 30 km do litoral, onde em um alguns dias, graças aos esforços do Sr. Crichton, o encarregado do Posto, conseguimos completar nossas tripulações; e tive a sorte de recrutar meu velho companheiro Peterson como timoneiro.

Cumuti – Rio Essequibo (Schomburk)

21 de setembro de 1837 – Esta manhã estávamos bem adiantados. Nossa equipe consistia de quatro europeus em três korijaals ([1]). É necessário aqui reportar o cenário. É preciso, porém, que não se permaneça no velho chavão da rica e luxuriante vegetação tropical; em meio a qual a majestosa Mora ([2]), o imponente Sawari, e o Cecropia ([3]), ou árvore-trompete, são notáveis.

1° de outubro de 1837 – pousamos no Cumuti, ou rochas Taquiara, que subi naquelas enormes massas de granito que mediam uns 49 m de altura, confir­mando assim a minha estimativa quando realizei mi­nha primeira subida pelo Essequibo. Quando subimos em uma das rochas, um Caribe apontou alguns “petróglifos” indígenas, que eram mais regulares do que o normal, e eram muito semelhantes às gravações encontradas no Leste de Ekaterinburg, na Sibéria, perto das nascentes do Rios Irbit e Pishma, afluentes do Rio Túra; e em Dighton, perto das margens do Rio Taunton, 58 km ao Sul de Boston, nos Estados Unidos da América; e para as quais alguns pesquisadores e naturalistas atribuíram uma origem fenícia. Qualquer que seja a sua origem real, o assunto é de grande interesse, e merece um estudo mais apurado nesta erma região da América do Sul. Eu mesmo investiguei estas inscrições através de 1.130 km de Longitude e 805 km de Latitude, ou espalhados aqui e ali por uma extensão de 563.270 km2. Muitos deles eu copiei, e é desejável que alguma luz seja lançada sobre o assunto, antes que minhas cópias sejam extraviadas.

16 de outubro de 1837 ‒ chegamos à junção do Rupumuni, há uns 320 km do litoral. Meu barômetro media 98 m acima do nível do mar. A origem da corrente aponta para uma direção Oeste por uns 48 km. Enquanto montávamos acampamento na sua costa Sul, Foz do Roiwa, fui até a Aldeia Macuxí, em Annay, perto da montanha do mesmo nome, para adquirir beiju, tendo em vista que nosso estoque tinha sido perdido quando a corial adernou perigosamente. A febre, por sua vez, começou a alastrar-se pela nossa tripulação.

24 a 25 de outubro de 1837 – No meu retorno, começamos a subida do Roiwa na direção S.S.E., por 48 km, cujo curso segue à cavaleiro do Essequibo, a uma distância média de 24 km. Sua largura é de 274 m, a profundidade de 3,6 m; a cor da água ‒ amarela lamacenta e a correnteza de 7,2 km/h. As margens do Rio tem cerca de 6 m de altura: a vegetação era praticamente a mesma de antes, mas com raras orquídeas: uma bela begônia de flores lilás pendia em grandes pencas; e a bela Inga latifolia, com suas esplêndidas flores roxas contrastavam com a folhagem densa e escura da floresta. Paramos à noite perto de um grupo de rochas de granito revestidas com o óxido negro do manganês. Nossa Latitude era de 03°44’ N. […]

03 a 05 de novembro de 1837 ‒ Chegamos em um pequeno povoado chamado Pukasanti, habitado por 20 nativos, Caribes e Atorais, onde paramos por alguns dias para conseguir um novo suprimento de beiju, e recompor nossas energias, já que praticamente todos nós estávamos sofrendo com a febre. Notei várias cestas grandes de Juva, ou “Noz Brasileira” ([4]), que, disseram-me, foram recolhidas nas proximidades. Como a árvore é de grande interesse para os botânicos e sua flor desconhecida, parti com um guia rumo Oeste. Depois de 2 horas de marcha em um terreno ondulado, através de densa floresta e pântanos, chegamos à região da Bertholletia; e se alguma vez uma árvore mereceu o epíteto de excelsa é esta. O tronco sobe ereto até uma altura de 18 ou 25 m ([5]) antes de distribuir seus ramos; a casca áspera, as folhas verde-escuras e lisas; mas pobre botânico, não há uma flor sequer para ser encontrada. O ouriço tem uns 45 cm de circunferência – da dimensão de um fruto do cacaueiro – e contém 16 a 20 nozes pequenas, de sabor doce: elas servem de repasto para o macaco, o caititu e outros animais. No caminho de volta, encontramos algumas sementes do Apeiba tibourbou ([6]), que são muito curiosas, e lembram o ovo-do-mar: o “Apeiba áspera” é ocasionalmente encontrado perto do litoral e este é o primeiro que eu encontrei no interior. Durante os três dias em que estávamos em Pukasanti o céu estava nublado, com um vento forte do N.N.E. A média do barômetro foi 75 cm, indicando uma altura de cerca de 113 m acima do mar. Termômetro 29,4°C; a Latitude, referenciando cinco estrelas, 3°04’N.

06 a 07 de novembro de 1837 ‒ Seguimos rumo S.W., sob a orientação de um índio Atorai, passamos por numerosos blocos irregulares de gnaisse contor­cidos, de curioso formato e com grandes fragmentos de quartzo embutidos neles. Paramos em um desses blocos, que era grande o suficiente para que cente­nas de homens acampassem nele. O curso do córre­go é permeado por corredeiras. Acampamos, ao alcançar o chamado Carabiru, e, depois, então nos dirigimos para Oeste para o famoso Ataraipu, ou a Rocha do Diabo. Depois de duas horas, passando por bosques tão densos que às vezes éramos obrigados a abrir caminho usando facões, subimos uma massa de granito de cerca de 122 m de altura, quando a magnífica pirâmide natural de Ataraipu surgiu de repente à nossa frente, erguendo a cabeça nua sobre um abismo de folhagem densa que se esparrama ao redor em todas as direções aos seus pés. A base desta montanha é arborizada por cerca de 107 m de altura; daí ascende a massa de granito, desprovida de qualquer vegetação, de formato piramidal, por cerca de 168 m, totalizando uma altura de 275 m acima da savana, ou 397 m acima do mar. […]

Ataraipu (Charles Bentley)

16 a 18 de novembro de 1837 ‒ Depois de seis dias partimos a pé rumo S.W. através da floresta: atravessando vários córregos que fluíam para o Guidaru, e à tarde adentramos nas savanas; um terreno geralmente ondulado, atravessado, eventualmente, por uma baixa faixa de morros graníticos e alamedas naturais de buritis [Mauritia flexuosa]. Às vezes nos deparamos com grandes trechos ou faixas de 183 m de largura, na direção N.W., de peças de quartzo, dispostas regularmente como um calçamento; outras vezes cruzamos por trechos de pedras de granito que, à distância, lembravam fortificações. Perto de um dos mais singulares desses blocos irregulares, chamado Si-aï, o último cacique dos Caribes, o célebre Mahanarva, residiu. Ao pôr-do-Sol de 17 chegamos à Aldeia de Watu Ticaba, constituída de 6 cabanas redondas e cerca de 60 pessoas, onde fomos gentilmente recebidos e objetos de grande curiosidade por parte dos Wapisianas, ou Wapishanas, a maioria dos quais viam um homem branco pela primeira vez. A Aldeia está cercada por pedras de granito, que como nos outros lugares, tem uma flora peculiar: vimos a bonita Epidendrum Caularthron bicornutum e um novo gênero de orquídea, no Corentyne ([7]), que o Dr. Lindley homenageou-me denominando-a de Schomburgkia. Identifiquei duas espécies, a marvinata e a crispa, além de alguns cactos ([8]). Os Wapisianas são homens altos e bonitos, com feições regulares e narizes grandes, muito diferentes do nariz malaio do Warrau e Arrawak; as mulheres são muito fortes e usam o cabelo até os ombros. A poligamia é usual, mas as crianças são bem educadas e obedientes; nunca presenciei um pai Wapisiana punir seu filho.

04 a 07 de dezembro de 1837 ‒ De manhã cedo, começamos nossa marcha para o S.E. em direção ao Cuyuni ([9]), no qual embarcaríamos e desceríamos a corrente até sua junção com o Essequibo. Nossa rota foi através de uma floresta, na qual notei a Anni, uma árvore alta e bonita, com uma noz espinhosa, da qual os índios fazem suas corials ([10]) […] Após 3 horas de marcha, ou cerca de 11 km, chegamos à margem esquerda do Cuyuni, aqui com 46 m de largura, 3,4 m de profundidade e fluindo para o N.E. e N., com uma corrente de apenas 8 km/h. As corials nas quais deveríamos embarcar para uma viagem de algumas semanas, foram, talvez, as mais miseráveis que eu já vi, a melhor delas não tinha mais do que 0,9 m de largura por 23 centímetros de altura, em que a única posição possível era agachar-se como um índio; as outras eram meras cascas de árvores, ou pakasses como são chamadas. O Cuyuni deriva seu nome de Cuyu, o termo geral dos índios da Guiana para o Marudi de cabeça branca [Penelope Pipile [11]], que deve ter sido muito comum por aqui. Diz-se que continua pelas montanhas cerca de 40 milhas para o S.W. A torrente do Cuyuni é bastante represada por bancos de areia e corredeiras, e, considerando a planura de suas margens, muito monótono. Pescamos muitos peixes, e particular­mente o Luganani, ou peixe-Sol, que é de excelente sabor. Notamos poucos animais, exceto uma pregui­ça de três dedos, e isso em uma ocasião, muito contrária aos seus hábitos, nadando através do Rio ‒ talvez tenha caído de um galho quebrado. Os Waccawais e Caribes comem sua carne, que eles descrevem como gorda e muito perfumada, assemelhando-se à da preá. Os índios dizem que não há jacarés no Cuyuni, mas é abundante uma espécie pequena, chamada pelos caribes Kaikuti e pelos Wapisianas de Aturi; eles raramente tem mais de 0,9 a 1,2 metros de comprimento e são considerados uma iguaria. Também vimos uma grande cobra Comuti [boa], que, entorpecida deglutia sua presa em um pântano, que tinha um cheiro muito intenso. Feri-a com um tiro e ela se deslocou em nossa direção obrigando-nos a recuar. Aparentava ter cerca de 7,3 m de comprimento ‒ a maior que eu já tinha visto. […] Passamos por numerosos blocos irregu­lares de rochas verdes ([12]), e em dois deles vimos alguns petróglifos. Ao perguntar aos Tarumãs quem fizera aquilo, eles responderam “que as mulheres tinham feito aquilo há muito tempo”. O Rio, ao Norte, faz várias e extensas curvas, e, depois de atingir seu ponto mais Setentrional, volta-se por 24 km quase que totalmente para o S., mudando, então, seu curso para E. até sua junção Essequibo: em Latitude 2°16’N. […]

09 a 10 de dezembro de 1837 ‒ Continuando nossa ascensão pelo Essequibo na direção geral S.W., passamos o Ribeirão Quitiva, que vem de S.W., e ao entardecer paramos na primeira Aldeia Tarumã, no Essequibo, composto por 30 pessoas, na margem direita do Rio, em Latitude de 2°02’N. Na manhã seguinte, passamos por uma região com mais rochas com petróglifos, chamado Bubamana; acima deste o Rio se espalha para 201 m de largura, e logo avistamos, a S.E., um pico muito alto que estimei em 914 m acima da planície: é chamado pelos nativos Wanguwai ou Montanha do Sol; sua Latitude é 1°49’N. Um pouco mais à W. há um morro chamado Amucu, arredondado e de menor elevação. […] (Continua…) (SCHOMBURGK, 1840)

Por Hiram Reis e Silva (*), Bagé, 03.06.2022 – um Canoeiro eternamente em busca da Terceira Margem.

Bibliografia  

SCHOMBURGK, Robert Hermann. Relato da Terceira Expedição ao interior da Guiana ‒ Inglaterra – Londres ‒ The Journal of the Royal Geographical Society of London, Volume The Tenth, 1841.   

(*) Hiram Reis e Silva é Canoeiro, Coronel de Engenharia, Analista de Sistemas, Professor, Palestrante, Historiador, Escritor e Colunista;

  • Campeão do II Circuito de Canoagem do Mato Grosso do Sul (1989)
  • Ex-Professor do Colégio Militar de Porto Alegre (CMPA);
  • Ex-Pesquisador do Departamento de Educação e Cultura do Exército (DECEx);
  • Ex-Presidente do Instituto dos Docentes do Magistério Militar – RS (IDMM – RS);
  • Ex-Membro do 4° Grupamento de Engenharia do Comando Militar do Sul (CMS)
  • Presidente da Sociedade de Amigos da Amazônia Brasileira (SAMBRAS);
  • Membro da Academia de História Militar Terrestre do Brasil – RS (AHIMTB – RS);
  • Membro do Instituto de História e Tradições do Rio Grande do Sul (IHTRGS – RS);
  • Membro da Academia de Letras do Estado de Rondônia (ACLER – RO)
  • Membro da Academia Vilhenense de Letras (AVL – RO);
  • Comendador da Academia Maçônica de Letras do Rio Grande do Sul (AMLERS)
  • Colaborador Emérito da Associação dos Diplomados da Escola Superior de Guerra (ADESG).
  • Colaborador Emérito da Liga de Defesa Nacional (LDN).
  • E-mail: [email protected].

[1]   Corial: Tronco vaciado (canoa), Kuriyara. Esta palabra es igualmente común en la mayoría de los dialectos Caribes y ha sido adoptada por el Español de Sur América “curiara”. (REVISTA DE FOMENTO, n° 21 a 25)

[2]   Mora ou Paracuúba: gênero botânico pertencente à família Fabaceae.

[3]   Cecropia: embaúba.

[4]   Noz Brasileira (Bertholletia excelsa): popularmente conhecida como castanha-do-brasil, castanha-da-amazônia ou ainda castanha-do-pará.

[5]   A Castanheira atinge até 60 m de altura e o diâmetro de seu tronco 0,5 cm (1,60 m de circunferência). O ouriço, rijo e esférico, pesa entre 0,5 a 1,5 kg e um diâmetro de 10 a 38 cm com de 12 a 25 sementes.

[6]   Apeiba Tiburbu: conhecida vulgarmente como pau-jangada, pente de macaco, cortiça, jangadeira, escova de macaco e embira-branca.

[7]   O Rio Corentyne que banha a Guiana e o Suriname, nasce na serra do Acaraí e corre para o Norte por aproximadamente 724 km entre Guiana e Suriname, desaguando no Oceano Atlântico.

[8]   Schomburgkia é um gênero botânico pertencente à família das orquí­deas. Foi proposto por John Lindley em Sertum Orchidaceum ‒ Tomo 10, em 1838. A espécie tipo é a Schomburgkia crispa Lindley.

[9]   O Rio Cuyuni fica entre a Guiana e a parte Oriental do Estado de Bolí­var, Leste venezuelano, servindo, eventualmente, de fronteira entre os dois países.

[10]  Corials: canoas.

[11]  Penélope: gênero de aves da família Cracidae, da ordem dos Gallifor­mes, no Brasil, conhecidos por jacu.

[12]  Os cinturões de rochas verdes são responsáveis por grande parte de depósitos minerais ao redor do mundo, sendo os mais notáveis de ouro. Também são importantes os depósitos de prata, chumbo, cobre, níquel, cromo e zinco. Diversas empresas de mineração mantêm projetos de exploração mineral das mais diversas substâncias minerais nestas áreas.