Descendo o Rio Branco
Michael Mac Turck (1898)
Parte I
Nos idos de 1898, é denunciado mais um conflito fronteiriço na região. Desta feita, provocado por Michael Mac Turck, um súdito inglês, que se arvorava de representante oficial do Governo de Sua Majestade Britânica. Turck penetra na região do Contestado com toda a pompa e circunstância com a missão de submeter os locais à autoridade inglesa.
Desde maio de 1896, Turck perambulava pela área, mesma época em que os ingleses foram informados, por Montagu Flint, súdito inglês, de que os Brasileiros estavam se estabelecendo a Leste do Rio Tacutu. O Governador da Guiana enviou Turck, em julho de 1897, como comissário especial da Colônia, com o objetivo de realizar um estudo pormenorizado da região e apresentar um relatório.
No dia 29.11.1897, Turck partiu do Rio Massaruni, e aportou no Contestado, na região de Quimata, no dia 16.12.1897, onde convocou uma assembleia com os indígenas que, segundo ele, se declararam, na sua totalidade, súditos ingleses. O comissário na oportunidade, nomeou um dos chefes indígenas Capitão dos Macuxis, e comandante de um posto de vigilância chamado Post-Holder. Turk partiu, então para o Rio Tacutu, aonde aportou aos 25.12.1897, e visitou todos os estabelecimentos ao Norte e a Leste do Tacutu.
Na ocasião teria recebido uma petição de fazendeiros ingleses, e segundo ele, de vários Brasileiros que se declaravam solidários e solicitavam a concessão formal das terras por eles habitadas.
Aos 07.01.1898, Turck reuniu em Dadad índios e fazendeiros locais, “dos quais todos, com a exceção de apenas três, se declararam Brasileiros”. O comissário declarou, então, que todos os que habitavam a Leste do Tacutu deveriam se sujeitar às leis inglesas e ao Governador inglês de Georgetown, e não às autoridades Brasileiras situadas no Forte São Joaquim. Naquela ocasião nomeou como Capitão e Oficial de Paz de Tawar-wow um tal de Ambrósio. Fundou outro posto em Dadad, na margem Oriental do Tacutu e designou Melville, como seu encarregado. Turk recebeu total aprovação do Governador inglês que, em despacho, de 15.02.1898, assim de expressou:
Esse oficial, ativo e zeloso, cumpriu a tarefa difícil e trabalhosa que lhe foi confiada com a desenvoltura que lhe é habitual. Conseguiu granjear a confiança dos locais, sejam eles nativos ou não. Conseguiu dos fazendeiros, na sua maioria Brasileiros, o reconhecimento fático da dominação inglesa na margem direita do Rio Tacutu, que entrassem com um pedido de permissão de ocupação das terras onde se encontram, e a promessa de pagar impostos justos e razoáveis pelas terras que habitam. Parece-me desnecessário ressaltar a importância desse reconhecimento da soberania inglesa por parte dos colonos e do seu desejo de virem a ser reconhecidos como proprietários da terra sob o regime da lei britânica.
As estripulias de Turck no Contestado chegou ao conhecimento do Governador do Estado do Amazonas que, imediatamente, transmitiu o fato ao Rio de Janeiro, que determinou ao Ministro João Arthur Sousa Corrêa, seu representante em Londres, cobrar do governo inglês a nulidade de todos os títulos conferidos por Turck e a desativação dos postos por contrariarem o acordo de neutralidade da área. O protesto foi apresentado oralmente aos 09.02.1898 e ratificado, por escrito, aos 24.02.1898. O ardiloso Governo inglês tentava diminuir a importância dos fatos afirmando serem provisórios os postos fundados e não definitivos os títulos concedidos. O representante Brasileiro continuava exigindo a imediata e integral desmobilização dos fortes e a nulidade dos títulos, finalmente o governo inglês cedeu. O Marquês de Salisbury, em 31.07.1900, afirmou que o Governo inglês: “aderiu à resolução de não estabelecer postos no território contestado”.
O Brasil, em 11.06.1900, voltou a apresentar nota de protesto contra outra visita do Comissário Turck à região contestada. A nota Brasileira, alegava que o comissário, mais uma vez se apresentara em missão oficial militar e policial, ostentando uniforme completo, numerosa escolta de índios e negros e, como na viagem anterior, afirmando estar encarregado levantar dados de uma suposta infração da neutralidade da área por parte do Brasil como se o território neutro pertencesse de fato à Guiana britânica, ou como se tivesse ele por missão reduzi-la à sua obediência. A resposta do Lorde Salisbury foi de que o governo Brasileiro estava mal informado, que Turck não havia agido de forma a infringir os possíveis direitos do Brasil na região; que o governo inglês julgava indispensável uma vigilância contínua da área por parte das autoridades coloniais.
Diário de Pernambuco, n° 46
Recife, PE – Terça-feira, 01.03.1898
Norte – Amazonas
Datas até 17 do corrente:
Recebeu o Governador do Estado notícia de ter sido o território amazonense no Rio Branco, invadido por ingleses que ali hastearam a bandeira de sua nação. A notícia declina que um comissário do governo britânico hasteou em pleno território Brasileiro, como fica dito, o pavilhão inglês e intimou os fazendeiros estabelecidos nas margens do Tacutu a render obediência e submeterem-se às leis da velha Albion, ocupando toda a margem do Tacutu até à embocadura do Rio Tarumã. Logo que teve notícia da invasão do território Brasileiro, mencionado, o Exm° Sr. Dr. Governador do Estado telegrafou ao Governo Federal declarando estar pronto à secundar os seus esforços, aparelhando para esse fim uma expedição que confiava à direção do brioso e valente soldado, Coronel Cândido José Mariano, que além de valente é engenheiro muito distinto. S. Ex.ª está pronto a mandar seguir esta expedição, mas aguarda ainda resposta do governo. Até a hora em que traçamos estas linhas, diz a “Federação”, não recebeu ainda o Sr. Dr. Governador resposta que o autorize agir no sentido de fazer respeitar os nossos direitos, mas estão a ser preparados, desde já, todos os elementos necessários à expedição. O território em que a comissão inglesa hasteou o pavilhão de sua nacionalidade é único e exclusivamente nosso e do modo algum devemos consentir que outros se apoderem dele sob pretexto algum.
Confiamos, entretanto, no governo e aguardamos a sua decisão, mas conservemo-nos a atalaia para impedir o esbulho.
A mesma folha posteriormente acrescentou:
Sabemos que o Exm° Sr. Dr. Governador do Estado recebeu telegrama do Sr. Ministro do Exterior, comunicando-lhe haver já levado ao conhecimento do Governo britânico o fato da invasão do nosso território, no Rio Branco. S. Ex.ª aguarda resposta do Sr. Ministro para agir como ao caso requer. […] (DDP, N° 46)
Diário de Notícias, n° 59
Belém, PA ‒ Domingo, 20.03.1898
Invasão Estrangeira no Rio Branco
Nos pedem a publicação do seguinte:
Apesar das verdades contidas na importante notícia sobre “a ocupação do Tacutu e Surumu pelos ingleses”, e cuja publicação encetou o Diário, em sua edição de 10 do corrente, parece que, da parte de um dos seus colegas aqui, há propósito em desvirtuá-las.
Pelas “Notas” o com que o estimável cidadão Bento Aranha, reforçou a descrição que faz da sua “Viagem ao alto Rio Branco”, e as quais passa a publicar, desejaria ver se ainda persistirá o ilustre cavalheiro no apoio que parece querer prestar à violência do emissário do governo britânico Michael Mac Turck, praticado a 6 de janeiro deste ano contra os sagrados direitos de nossa Pátria.
À vista das referidas ‘Notas’ o País ficará inteirado que por intermédio do Exm° General Comandante do 1° Distrito Militar, o Supremo Governo da República Brasileira, estará hoje de posse do mais importante documento sobre a invasão inglesa do Rio Branco, documento este que é a ratificação do protesto de 2 fevereiro dos moradores do Tacutu, fornecido pelo capitão comandante do Forte de S. Joaquim, perante quem foi lavrado e assignado o referido protesto.
A publicação desta peça oficial é sem dúvida uma necessidade hoje para que todos os Brasileiros se preparem para defender a Pátria contra a violência da Inglaterra, mandando invadir e ocupar o nosso território”. (DDN, N° 59)
Por Hiram Reis e Silva (*), Bagé, 24.06.2022 – um Canoeiro eternamente em busca da Terceira Margem.
Bibliografia
DDN, N° 59. Invasão Estrangeira no Rio Branco – Brasil – Belém, PA – Diário de Notícias, n° 59, 20.03.1898.
DDP, N° 46. Norte – Amazonas – Brasil – Recife, PE – Diário de Pernambuco, n° 46, 01.03.1898.
(*) Hiram Reis e Silva é Canoeiro, Coronel de Engenharia, Analista de Sistemas, Professor, Palestrante, Historiador, Escritor e Colunista;
- Campeão do II Circuito de Canoagem do Mato Grosso do Sul (1989)
- Ex-Professor do Colégio Militar de Porto Alegre (CMPA);
- Ex-Pesquisador do Departamento de Educação e Cultura do Exército (DECEx);
- Ex-Presidente do Instituto dos Docentes do Magistério Militar – RS (IDMM – RS);
- Ex-Membro do 4° Grupamento de Engenharia do Comando Militar do Sul (CMS)
- Presidente da Sociedade de Amigos da Amazônia Brasileira (SAMBRAS);
- Membro da Academia de História Militar Terrestre do Brasil – RS (AHIMTB – RS);
- Membro do Instituto de História e Tradições do Rio Grande do Sul (IHTRGS – RS);
- Membro da Academia de Letras do Estado de Rondônia (ACLER – RO)
- Membro da Academia Vilhenense de Letras (AVL – RO);
- Comendador da Academia Maçônica de Letras do Rio Grande do Sul (AMLERS)
- Colaborador Emérito da Associação dos Diplomados da Escola Superior de Guerra (ADESG).
- Colaborador Emérito da Liga de Defesa Nacional (LDN).
- E-mail: [email protected].
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