A aplicação da biotecnologia bioflocos, pela manipulação de micro-organismos como as bactérias, diminui a quantidade de substâncias nitrogenadas tóxicas na água e promove a melhoria na saúde dos animais, já que é rica em nutrientes. Na criação de peixes nativos da Amazônia, a tecnologia mostrou resultados animadores em pesquisas de laboratório e experimento de validação em escala comercial. Agora o Grupo de Pesquisa “Aquicultura na Amazônia Ocidental” do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa/MCTI) está com a tecnologia de bioflocos, um sistema de produção superintensivo, pronta para aplicar em pisciculturas de criação de matrinxã, e avaliar sua viabilidade em nível comercial.

Próximo passo é montar uma unidade demonstrativa em piscicultura para testar a viabilidade produtiva e econômica da tecnologia de bioflocos, que retira compostos nitrogenados tóxicos da água, através da manipulação de bactérias, que possuem um alto poder nutricional. Foto: Cimone Barros – Postada em: INPA

De carne saborosa e nutritiva, a matrinxã tem ótima aceitação no mercado amazonense. Atualmente, sua produção ainda representa uma parcela pequena, menos de 1% do total da piscicultura nacional, porém, mais de 90% é produzido pela região Norte, com mais da metade somente no Amazonas, onde é a segunda espécie mais produzida no estado. Em 2019 a produção de matrinxã movimentou mais de R$ 31 milhões, a um preço médio de R$ 8,95 por quilo, valor 22,6% superior ao tambaqui (R$ 7,30) e 57% à tilápia (R$5,70), as duas espécies de peixes mais produzidas no Brasil.

De hábito onívoro, a matrinxã apresenta comportamento agressivo e com altas taxas de mortalidade, em especial durante a larvicultura e a recria, fases iniciais da criação, podendo trazer perdas econômicas de até 90% para os criadores.

“Os bioflocos têm mostrado resultados excelentes, com uma sobrevivência de quase 100% (nas fases iniciais) e uma produtividade surpreendentemente elevada, o que é de extrema importância para o setor aquícola. Acredito que seremos os primeiros a implantar esse sistema nas pisciculturas no Amazonas, com espécies como o matrinxã que têm uma excelente aceitação no mercado da região”, disse a líder do Grupo de Pesquisa em Aquicultura, a pesquisadora do Inpa Elizabeth Gusmão, que também é Coordenadora do Programa de Pós-Graduação em Aquicultura (PPG-Aquicultura), da Nilton Lins em associação com o Inpa.

A tecnologia de Bioflocos (BFT) é uma técnica de produção aquícola superintensiva, que possibilita a utilização de espaços menores, do que os tanques tradicionais que são utilizados desde a década de 1970 no Amazonas. Contudo, a tecnologia ainda não é completamente dominada para espécies nativas da Amazônia, trabalho que o Inpa vem desenvolvendo desde 2015.

 O Grupo de Pesquisa Aquicultura na Amazônia Ocidental trabalha para levar os resultados promissores da pesquisa para o mercado, numa área considerada estratégica para a economia e segurança alimentar do Amazonas. “Queremos implantar uma unidade demonstrativa junto a Associação de Piscicultores de Novo Airão (Apina), que é um polo produtor de matrinxã, e em fazendas nas fases iniciais de tambaqui e matrinxã, em Rio Preto da Eva e Presidente Figueiredo, para servirem de modelo para outras unidades. Para isso, submetemos dois projetos para obtermos os recursos necessários e estamos aguardando os resultados”, contou Gusmão.

Resultados

Experimentos de validação realizados no Inpa com a tecnologia de bioflocos (BFT) na criação de matrinxã na fase de recria, que ainda não é a de consumo, mostraram resultados animadores comparados com o sistema tradicional, chamado de “água verde”. A validação é a etapa final dos estudos realizados em laboratório para saber se há viabilidade para colocar a tecnologia ou o produto no mercado. Serão analisados aspectos produtivos, ambientais e econômicos do sistema BFT.

No Inpa, a equipe montou uma infraestrutura de validação da tecnologia, que exige o máximo de ambiente controlado e sem interferência de intempéries. Num terreno de 120 m², foram instalados seis tanques com aço galvanizado, geomembrana e cobertos com lona, com capacidade de 10 metros cúbicos (m³) cada, em frente ao Laboratório de Fisiologia Aplicada à Piscicultura (Lafap), na Estação Experimental de Aquicultura, no campus III do Instituto. O investimento ficou em torno de R$ 35 mil, sem contar a aquisição de gerador, soprador e tubulação, equipamentos que devem elevar a conta para aproximadamente de R$ 60 mil a R$ 70 mil.

De acordo com o engenheiro de pesca, doutor em Aquicultura e Pós-doc, Raphael Brito, o tanque com bioflocos permitiu uma densidade de estocagem de 400 peixes por m³, enquanto na água verde apenas 30 peixes por m³. O peso inicial dos animais no bioflocos era de 10 gramas e no tradicional de 12 g. A taxa de sobrevivência na BFT também foi melhor que no sistema convencional, sendo 94,8% e 72,2%, respectivamente.

“Um dos principais resultados foi o ganho de biomassa, que na água verde foi de 7 kg e na BFT foi 136 kg, no mesmo espaço, usando menos água do que o sistema tradicional que tinha uma renovação diária de 10%. Outro resultado significativo foi na produtividade, que no sistema tradicional foi de 1,3 kg/m³, já no BFT foi de 21 kg/m³”, contou Brito, bolsista pós-doc do Inpa pelo Programa de Desenvolvimento da Pós-Graduação – Amazônia Legal (PDPG-Capes).

Também chamam atenção os dados do Fator de Conversão Alimentar (FCA), que representam a quantidade de ração ofertada para o animal converter em peso ou biomassa. A relação é simples: quanto menor o FCA, melhor o resultado.  “Eu ofertei na água verde 1,9 kg de ração para converter em um quilo de peixe, enquanto no BFT foi necessário menos da metade da ração (860 g) para convertê-la no mesmo um quilo de peixe, quando comparado ao sistema tradicional”, explicou Brito, que estudou o uso de bioflocos para a criação de tambaqui no mestrado e doutorado.

O pós-doutorando realizou o experimento de validação em BFT para matrinxã, aplicando os resultados definidos em laboratório pelo grupo do Inpa, como densidade de estocagem (400 peixes/m³), concentração de proteína na ração (32% de proteína bruta) e taxa de arraçoamento (4% da biomassa).

Vantagens do BFT

Com relação à larvicultura, o BFT aumenta a produtividade e melhora a qualidade das larvas, em termos de proteína, ácidos graxos e substâncias imunoestimulantes (probióticos) que fortalecem e previnem problemas sanitários, produzindo animais com maior resistência para as próximas fases de vida. Além de serem “extremamente nutritivo”, os bioflocos, na recria de tambaqui e matrinxã, possibilitam a redução do percentual de proteína na ração, nutriente mais oneroso na criação dos peixes, e ajuda a retirar compostos tóxicos da água como amônia e nitrito, controlando problemas sanitários e minimizando impactos da aquicultura ao meio ambiente, devido à baixa geração de efluentes devido a mínima troca de água.

“Nos testes com tambaqui na recria, foi possível reduzir de 32% para 24% a concentração de proteína na ração, o que na prática pode significar uma grande economia, uma vez que se utiliza toneladas de ração em fazendas de grande e médio porte e consequente aumento na rentabilidade do produtor, já que chegou às mesmas condições zootécnicas usando um percentual menor de proteína”, explicou Gusmão.

Por outro lado, o sistema exige conhecimento, capacitação técnica e uso de recursos extras, como energia elétrica e gerador de energia para suprir carência de energia e os aeradores para a oxigenação e manutenção dos sólidos em suspensão na água. Além de contribuir na formação de profissionais para atuar na pesquisa, desenvolvimento, gestão e consultoria em aquicultura, o grupo de pesquisa desenvolve várias atividades de extensão, capacitação e popularização da ciência, com a realização de cursos, oficinas, exposições e publicações de cartilhas.

As pesquisas do Grupo de Pesquisa recebem financiamento da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Amazonas (Fapeam), do Banco da Amazônia, da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e apoio do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia de Adaptações da Biota Aquática da Amazônia (INCT-Adapta/ Inpa) e do PPG-Aquicultura (Nilton Lins/Inpa).

PUBLICADO POR:    INPA