Decisão é da Justiça Federal em Mato Grosso, a pedido do Ministério Público Federal (MPF), que ingressou com ação civil pública em 2019

Arte: Secom/MPF

A Justiça Federal em Mato Grosso, a pedido do Ministério Público Federal (MPF), condenou a Fundação Nacional do Índio (Funai) e a União a pagarem o valor de R$ 4 milhões em indenização à comunidade indígena Tapirapé de Urubu Branco a título de danos morais coletivos, devido a demora inconcebível para que a extrusão dos não indígenas do interior da Terra Indígena Urubu Branco fosse concluída.

O MPF informou à Justiça que, desde que houve a regularização fundiária das terras tradicionalmente ocupadas pelos Tapirapé, até a propositura da ação civil pública, em 2019, passaram-se 36 anos, sendo que inoperância estatal em relação a resolução e segurança jurídica da questão territorial da TI Urubu Branco atinge um lapso temporal superior a 20 anos.

Para tomar a decisão, a magistrada da Vara Federal Cível e Criminal da SSJ de Barra do Garças levou em consideração os diversos procedimentos investigatórios instaurados que noticiaram vários crimes cometidos contra a comunidade indígena Tapirapé de Urubu Branco desde o ano de 2013. Entre eles, crimes ambientais, ameaça, corrupção de menores, associação criminosa, posse ilegal de arma de fogo, homicídio, redução a condição análoga à de escravo, invasão e exploração de terras públicas. Também se verificou a abertura de estradas, pista de pouso, instalação de energia elétrica e torre de internet, assim como posses, consistentes em várias edificações.

A juíza ressaltou que, além dos crimes relatados no processo, a permanência dos invasores na área “é claramente ilícita no aspecto civil-constitucional e também na esfera penal”. Em sua decisão, a magistrada enfatizou que os fatos registrados nos autos demonstram a instabilidade e o enfraquecimento da condição social da comunidade indígena Tapirapé de Urubu Branco, tanto por causa da omissão da Funai e da União no exercício de suas atribuições legais, quanto em relação ao poder de polícia.

“(…) no presente caso, vislumbro, além da causalidade direta entre a omissão do Poder Público e o dano moral causado, culpa por parte da União e da FUNAI, que têm atuado de maneira negligente ao permitir que todo o processo demarcatório, aqui compreendido desde o levantamento fundiário até a extrusão de terceiros perdure por 36 (trinta e seis) anos, fomentando o aumento do número de conflitos entre índios e não índios na área. Não há dúvidas de que a omissão das rés, consistente na ausência de vigilância e cuidado da comunidade indígena (…)”, consta da decisão.

Para a magistrada federal, o dano ao qual o MPF pediu indenização para a comunidade indígena, independente de ser moral, demonstra uma redução do patrimônio total, sejam os bens de valor monetário ou os de valor afetivo, ou, ainda, do bem-estar psicológico.

“(…) a intensa devastação ambiental, avanço de ocupação por terceiros não indígenas e instalação de rede de energia elétrica, ato fomentado pelo próprio Poder Público, feriu frontalmente o patrimônio valorativo dessa comunidade, ou seja, feriu sua própria cultura, em seu aspecto imaterial, uma vez que, mesmo já demarcada e homologada sua área, os indígenas estão impedidos de exercer plenamente seus direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam. No presente caso, o dano moral coletivo atingiu os direitos de personalidade dessa comunidade indígena, que não pode exercer plenamente seus direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupa, em razão do atraso injustificado na extrusão dos não indígenas no interior da Terra Indígena Urubu Branco”, completou a magistrada.

Relação com a terra – Em seu pedido, o MPF ressaltou que a relação dos indígenas com suas terras possui um significado totalmente diverso do que o do não-índio. Para os indígenas, a terra não constitui simples moradia, mas representa, acima de tudo, o elo que mantém a união de seus integrantes, permitindo sua continuidade ao longo do tempo, possibilitando a preservação de sua cultura, de seus valores e de suas tradições.

“Portanto, para os povos indígenas, as terras representam muito mais do que um bem material/patrimonial. Estas terras correspondem à própria identidade das comunidades, viabilizando as manifestações culturais e tradicionais, reproduzindo os costumes e legando-os para os seus descendentes. Assim, a proteção desse espaço cultural afetado à posse permanente dos indígenas deve ser tratada como condição indispensável (sine qua non) para a proteção de todos os demais direitos indígenas. Nesse contexto, é preciso rechaçar a ideia de que a terra indígena possa ser compreendida apenas pelas relações de produção, com viés lucrativo”, complementou a magistrada em sua decisão.

Ao determinar o ressarcimento de dano moral coletivo no valor de R$ 4 milhões, a juíza federal evidenciou que a União e a Funai foram indiferentes aos conflitos ocorridos na Terra Indígena Urubu Branco, assim como aos conflitos, invasões e cometimento de crimes na área, ao deixarem de tomar as providências necessárias ao afastamento dos ocupantes ilegais, que cometeram crimes e desmatamento em áreas de proteção ambiental.

O valor relativo ao dano moral coletivo será revertido em investimentos diretos, objetivando à promoção de políticas públicas destinadas aos indígenas pertencentes à comunidade indígena Tapirapé de Urubu Branco, conforme solicitado pelo MPF.

A Terra Indígena Urubu Branco está localizada no município de Confresa, a 1.160 quilômetros de Cuiabá, na região norte de Mato Grosso, é de ocupação tradicional do povo Tapirapé, e tem extensão de 167,5 mil hectares.

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