É a primeira vez que a espécie Gymnophthalmus underwoodi é registrada em uma área ao sul do Rio Amazonas, sendo provável que tenha sido introduzida na região acidentalmente, por navios que atracam em Belém. O lagartinho não apresenta riscos para os seres humanos, mas são necessários mais estudos para entender seu impacto para a natureza local

Agência Museu Goeldi – Cientistas identificaram uma espécie exótica de lagarto ocorrendo no município de Belém (PA). Até então, o local mais próximo onde o lagarto Gymnophthalmus underwoodi ocorria era a Guiana Francesa, a mais de 600 km de distância do Pará. Mesmo assim, os cientistas comprovaram que exemplares coletados no distrito de Icoaraci e na ilha de Mosqueiro, em Belém, pertencem à espécie.

A descoberta foi publicada na revista científica Acta Amazonica e aconteceu a partir de pesquisas desenvolvidas nos laboratórios de Herpetologia e de Biologia Molecular do Museu Paraense Emílio Goeldi, com recursos da Financiadora de Estudos e Projetos do Ministério da Ciência e Tecnologia (FINEp/MCTI).

O principal autor do estudo é o biólogo Adriano Maciel, doutor em Zoologia e pesquisador do Programa de Capacitação Institucional do Museu Goeldi. O cientista diz que ainda não se sabe se o novo morador de Belém representa ameaça para outras espécies nativas de lagartos. Por enquanto, na Região Metropolitana de Belém, a espécie só tem sido encontrada em áreas já bastante degradadas e urbanizadas.

“Outro detalhe importante é que as pessoas não devem ter medo caso encontrem o lagartinho, pois ele não apresenta nenhuma ameaça ao ser humano. Assim como todos os outros lagartos que conhecemos no país, eles são inofensivos”, tranquiliza Adriano.

Além de pesquisadores do Museu Paraense Emílio Goeldi, a pesquisa contou ainda com cientistas da Universidade Federal do Pará e da Universidade Federal de São Paulo. É a primeira vez que a espécie é registrada em uma área ao sul do Rio Amazonas, sendo provável que tenha sido introduzida na região acidentalmente, por navios que atracam em Belém.

Exótica – Quando uma espécie é encontrada fora de sua distribuição natural ela é considerada uma espécie exótica. Já uma espécie exótica invasora é “toda aquela que introduzida em uma área em que não era encontrada antes, consegue se adaptar, reproduzir e estabelecer uma população em sua nova área de ocorrência”, explica Adriano Maciel.

De acordo com o pesquisador, a melhor maneira de definir o lagarto encontrado em Belém, por enquanto, é como uma espécie exótica potencialmente invasora, já que foi encontrada em diferentes partes da cidade ao longo dos últimos dez anos, o que indica que está conseguindo se estabelecer. Adriano pontua ainda que uma característica do lagarto facilita a adaptação: o fato de realizar um tipo de reprodução assexuada chamada Partenogênese.

“Espécies partenogenéticas só apresentam fêmeas, que produzem óvulos que formam um embrião sem precisar da fecundação. Vários tipos de organismos se reproduzem assim. Desse modo, apenas uma fêmea seria necessária para começar a reprodução da espécie no novo ambiente”, explica.

Origem – Como o Gymnophthalmus underwoodi foi identificado em Icoaraci e Mosqueiro, perto de áreas portuárias, é possível que tenha chegado a Belém em navios vindos do Mar do Caribe. Isso porque, em 2015, outra espécie exótica foi identificada em Belém, a Lepidodactylus lugubris. Na época, os pesquisadores que a identificaram também apontaram que, em 2012, uma companhia de transporte marítimo de cargas iniciou uma rota a partir de Guadalupe, com paradas em diferentes países, incluindo o Suriname, até chegar a Belém.

Nesses países, as duas espécies já são encontradas como invasoras há muito tempo. O que acende o alerta para a possibilidade de ser esse o caminho por onde elas chegaram até o Pará. Coincidentemente, ou não, 2012 é o ano em que apareceu o primeiro Gymnophthalmus underwoodi em Belém.

De acordo com o biólogo Adriano Maciel, muitas espécies reconhecidas como invasoras podem causar danos a populações de espécies que ocorrem naturalmente na área. “Às vezes, os impactos dessas espécies são difíceis de avaliar e quantificar, podendo gerar dúvidas até mesmo entre especialistas. Algumas das ameaças às espécies nativas são a proliferação de novas doenças, a predação e a competição por alimentos e outros recursos ambientais” pontua.

Adriano diz que há exemplos de espécies invasoras bastante conhecidas no Brasil: as abelhas produtoras de mel, que tem origem europeia, o pardal originário do Oriente Médio e o mexilhão-dourado-asiático que veio na água de lastro de navios cargueiros.

No Brasil, são registrados 136 repteis e anfíbios exóticos, incluindo espécies do próprio Brasil encontradas fora do seu local natural de distribuição. Os cientistas sugerem que a espécie encontrada em Belém, Gymnophthalmus underwoodi, seja agora incluída nessa lista.

Pesquisa – Em 2012, quando Adriano Maciel era estudante de doutorado, um pequeno lagarto encontrado em Icoaraci foi levado para o laboratório de Herpetologia do Museu Goeldi. Infelizmente, o exemplar não estava em boas condições de conservação e não foi possível confirmar a sua identidade com base em uma análise de DNA. Naquele ano, os pesquisadores somente conseguiram saber que o lagartinho diferente pertencia ao gênero Gymnophthalmus com base nas características de suas escamas e coloração.

A partir dessa primeira pista, identificar a presença do Gymnophthalmus underwoodi em Belém exigiu um grande esforço científico. Como muitas vezes ocorre, outros exemplares de lagartos ainda não estudados o suficiente foram depositados na coleção Herpetológica do Museu Goeldi. Eles vinham de áreas de savana ao norte do rio Amazonas, nos municípios de Óbidos (PA) e Mazagão (AP).

Para identificar os exemplares do norte do rio Amazonas e outros cinco exemplares coletados em Belém, foi necessário submetê-los a diversas análises. Isso porque o gênero Gymnophthalmus tem 8 espécies diferentes, das quais apenas três ocorrem no Brasil e apenas um no Pará: o Gymnophthalmus vanzoi.

Análise – Nesse trabalho de detetive, primeiro foram anotadas características físicas de cada um dos exemplares presentes na Coleção Herpetológica do Museu Goeldi. É o que os cientistas chamam de análise morfológica: eles medem e registram parâmetros como o comprimento do focinho, o formato e estrutura dos dedos e o número de escamas em certas partes do corpo dos animais.

Mas, como alguns bichos são muito parecidos fisicamente, mesmo alguns de espécies diferentes, também foram coletadas amostras de DNA de quatro dos exemplares. As amostras foram analisadas e depositadas em um banco de dados online chamado GenBank. A partir desse banco de dados genéticos, foi possível consultar e comparar as informações coletadas com sequências genéticas de dezenas de outros exemplares de lagartos de outras coleções do mundo.

Após a análise morfológica, então, os exames de DNA confirmaram: os cinco animais encontrados em Icoaraci e Mosqueiro eram de uma espécie que não deveria estar ali: o Gymnophthalmus underwoodi, a espécie invasoraJá as de Óbidos (PA) e Mazagão (AP) eram de Gymnophthalmus vanzoi, animal já encontrado próximo daquelas regiões.

Adriano Maciel diz que mais estudos estão sendo conduzidos para entender por onde o lagarto já se espalhou e quais podem ser as consequências de sua presença: “atualmente, temos encontrado o lagarto em mais localidades na cidade, incluindo o encontro de desovas da espécie. Futuramente, com novos inventários de espécies e estudos de ecologia da comunidade de lagartos locais, ficaremos sabendo se o lagartinho exótico já se expandiu para municípios vizinhos e se apresenta ameaça às espécies nativas”, conclui.

Texto: Uriel Pinho, com informações do pesquisador – Publicado por:  MUSEU GOELDI