Descendo o Rio Branco

O Canoeiro Hiram Reis e Silva

Manoel da Gama Lobo de Almada (1787)
Parte I 

Revista Trimestral de História e Geografia ‒ Volume 24, 1861

A seguinte descrição, que faço depois das pes­soais explorações ([1]), que de ordem de Sua Majestade acabo de executar pelo Rio Branco, e seus confluentes, contém:

1° uma relação do Rio Branco; de onde, e quais são as principais vertentes ou cabeceiras dele, e todas as suas fontes;

2° a grande, e unida cordilheira de montes, que borda o alto desta fronteira;

3° quais são as nações estrangeiras confinantes; e como elas se podem comunicar para estes domí­nios portugueses. Demonstrando-se por uma coleção de documentos, que se acham autentica­dos nos seus competentes arquivos, as injustas pretensões dos espanhóis ao Rio Branco, e o direito que Portugal tem a este Rio, e seus conflu­entes: acrescentados os ditos documentos, das notas, que me pareceram convenientes para melhor inteligência;

4° alguns dos produtos naturais desta região: a propriedade da sua agricultura e do seu comércio.

5° o atual estado da população em geral: e de cada uma das povoações em particular;

6° as nações de gentilidade que habitam os matos, e montanhas do País, os meios de descer esta gen­te, e colonizar com ela o Rio;

7° finalmente, a fortificação que existe, as suas van­tagens, e defeitos. Com um mapa da guarnição militar.

As duas estampas, que ajunto ao fim, contém: a I. uma carta geográfica do Rio Branco, e seus confluentes e a II. a sua fortificação.

Estampa I – Carta Geográfica do Rio Branco

ARTIGO I
Rio Branco, e suas Fontes  

O Rio Branco, que deságua por três bocas na mar­gem Setentrional do Rio Negro, tem a sua verdadeira Foz, ou principal Boca em 1°28’ de Latitude Meridional, na Longitude de 315°40’ ao Oriente da ilha do Ferro. Esta Boca que é a mais Oriental, dista da segunda, duas milhas; e da terceira três léguas: a terceira Boca se denomina Furo de Amayau. [Veja-se a carta geográfica].

O Rio Branco tem a sua origem, ou as suas cabe­ceiras e principais vertentes em uma cordilheira de altas serras; cuja cordilheira descrevo, particular e separadamente no Artigo II. As copiosas, e continua­das chuvas, que ali se ajuntam, se desatam das montanhas pela costa austral em torrentes de águas, que unidas umas às outras, se vão engrossando mais e mais, até que formalizam os Rios Urariquera, Uraricapará, Idumé, Amajarí, Parime, Surumu, e Mau, que são as principais fontes do Rio Branco, porque por estes Rios deságua a maior quantidade das águas verten­tes dele. [Veja-se a dita carta] A direção geral a que sobe o Rio Branco, é no rumo do Norte. A sua continuação, com o nome de Urariquera, na direção de Oeste.

Urariquera 

O Rio Urariquera [assim chamado ao Rio Branco até à sua confluência com o Rio Tacutu] além de traba­lhosas e arriscadas cachoeiras, que de Caiacaia para cima tem ele da sua confluência com o Rio Urari­capará para riba, é muito difícil de navegar; porque encontrando logo as serras por onde recebe águas, vai subindo por cachoeiras sobre cachoeiras, que dificultam totalmente o passo. Em vista destes embaraços, e persistindo eu constantemente em buscar subir a altura que me pudesse determinar a Latitude das cabeceiras ou vertentes do Rio Branco; naveguei pelo Rio Urarica­pará águas acima até onde ele me deu passo, sempre por entre serras, e por cima delas, montando continuadas cachoeiras, até que desembarcando do Igarapé Araicuque, que deságua no Uraricapará pela margem Ocidental, segui daí em diante por terra; e fazendo caminho pelas serranias da cordilheira, na direção do quarto quadrante puxando para Oeste, cheguei às águas vertentes do Rio Uraricapará; e ainda avancei, passando à costa Boreal da cordi­lheira; aonde as águas já deságuam para o Orenoco; como explico melhor no Artigo II em que descrevo a cordilheira.

Uraricapará 

O Uraricapará é o Rio mais Ocidental, que da cordilheira corre para o Rio Branco, ou Urariquera; no qual deságua pela margem Setentrional em 3°23’ Boreais, na Longitude de 315°24”. As suas águas vertentes ou cabeceiras [às quais cheguei como deixo dito] estão por 4°03’ de Latitude Setentrional, e na Longitude de 314°21’.

Idumé, Amajarí, Parime  

Os Rios Idumé, Amajarí, e Parime deságuam também no Urariquera pela margem Setentrional. O Idumé ao Oriente do Uraricapará cinco léguas. O Amajarí mais abaixo vinte e uma. E o Parime nove léguas.

Surumu 

O Rio Surumu deságua no Rio Tacutu pela margem Setentrional, dez léguas acima da Fortaleza de S. Joaquim. Este Rio, estreito, e sumamente embara­çado, é navegável poucos dias, e só em canoas pequenas e ligeiras. Por este Rio acima montei vinte e uma cachoeiras, e cheguei até à cachoeira do Cunauaru, assim chamada por ser produzida da serra Cunauaru, que lhe está contígua. Esta serra é uma das da cordilheira. Daí para cima é o Rio fechado de pedrarias, produzidas das serranias da mesma cordilheira, pelas quais vem despenhadas as águas, que tem a sua origem na continuação, e espessura da dita cordilheira.

O Rio Surumu, como digo, tem a sua origem, não no Lago Aparim [como parece que se entendia]. Mas sim nesta cordilheira de serras, as quais do mesmo modo dão as vertentes dos mais Rios, que são fontes principais do Rio Branco, e como as suas principais vertentes. O modo porque o Rio Surumu se vai arrumando, internando-se pelas serranias da cordilheira, persua­de a verdade de ser na dita cordilheira a sua origem; mas além disso, assim me foi afirmado por uma partida que deitei por terra com guias bem práticos, às cabeceiras do Rio, enquanto eu pela sua Foz o fui subindo

E assim o afirmam também constantemente os tapuias gentios nacionais, e habitantes da mesma cordilheira, com os quais falei nas suas malocas sobre as mesmas serras a que subi: e eles asseguram e repetem unanimemente que em todo o Rio Surumu não há Lago algum; que as serranias da cordilheira é que dão as vertentes deste Rio.

Mau  

O Rio Mau tem a sua Foz na margem Setentrional do Tacutu, doze léguas acima da do Surumu. O Mau é o Rio mais Oriental que da cordilheira recebe águas para o Rio Branco.

Tacutu 

O Rio Tacutu deságua no Rio Branco pela margem Oriental dele, na Latitude Setentrional de 3°01’. Longitude 316°56’. Da sua confluência com o Rio Urariquera, até a Foz do Rio Surumu sobe ao Norte.

Da Foz do Surumu até à do Mau continua ao Nordeste: e daí por diante até as suas cabeceiras por 2°30’ Boreais, vai ao sul. Este Rio tem as suas principais vertentes nos campos do Rio Branco; em cujos campos cortados de pântanos, e serranias, tem também a sua origem o Rio Rupununi ([2]). Do Tacutu para o Rupununi se pode comunicar por breves trajetos de terra, principalmente por meio do Igarapé Sarauru, que deságua no Tacutu pela margem Oriental.

Maracá  

O Maracá é um pequeno Rio que tem a sua embo­cadura na margem austral do Rio Urariquera, acima da Foz desde vinte e sete léguas.

Igarapés de Pouco Curso,
que Deságuam no Rio Urariquera 

No Rio Urariquera desembocam mais, os Igarapés seguintes: pela parte do Norte, o Cauarapuru, Camaraioá, Caiacaia ([3]), Sereré. E da parte do Sul; Maripamarí, Camu, Perre, Truaré; todos de pouco curso, além de alguns outros, ainda mais insi­gnificantes. E eis aqui todas as fontes, que até à Fortaleza de S. Joaquim deságuam na parte superior do Rio Branco. Agora direi os mais Rios que desembocam nele depois da confluência do Rio Tacutu com o Rio Urariquera; daí para baixo, denominado Rio Branco.

Anauau 

Da parte Oriental deságua o Rio Anauau em 56’ Boreais. Este Rio na maior enchente [que é quando eu o naveguei] tem pouco mais de 12 braças na sua maior largura. De 5 dias da sua navegação para ci­ma, é todo uma calçada de pedrarias, que formali­zam quantidade de cachoeiras, e imensos secos. De 13 dias para riba estreita o Rio tanto mais, que continua em seis para 8 braças de largo. As canoas daí em diante são levadas à vara, porque o álveo do Rio, que em muitas partes já não contém de fundo mais de 5 palmos de águas, não permite remar-se por meio de tantos secos. Finalmente o Rio Anauau é só navegável dois ou três meses, que durará a sua maior enchente. Até ao termo onde subi, montei cinquenta cachoeiras, que são outros tantos passos de dificuldade, daí em diante já se não pode navegar sem muito embaraço, é preciso atravessar por terra para se chegar às suas cabeceiras, que são junto da serra do Açarí, segundo dizem os tapuias práticos nacionais do mesmo Rio. Esta travessia de terra para as ditas cabeceiras, dizem os mesmos práticos ser de dez dias, e por matos ora alagados, ora montuosos. Esta a narração do Rio Anauau, pela qual me parece se pode formar toda a ideia dele.

Curiucu e Meneuiní  

Na mesma margem Oriental, deságuam mais dois pequenos Rios, que acabam logo. O mais alto chamado Curiucu tem a sua Foz vinte e 2 léguas ao Sul da do Anauau. O segundo chamado Meneuiní, 4 léguas mais abaixo. Os Rios que deságuam na parte Ocidental do Rio Branco são, Mucajaí, Caratirimani, e Sereviní.

Mucajaí 

O Mucajaí, tem as suas cabeceiras perto das dos Rios Maracá, e Caratirimani, e a sua Foz quatorze léguas abaixo da Fortaleza de S. Joaquim. O Caratirimani, e o Serevini, estes dois Rios sendo encarregado o exame deles a dois oficiais da minha Expedição o Sargento-mor engenheiro, e o Doutor matemático também engenheiro, contém o resultado dos seus exames, em substância.

Caratirimani 

Enquanto ao Caratirimani: que ele tem a sua foz em 26° ao Norte. Que de quinze dias de navegação para cima, o Rio estreita, e os embaraços de cachoeiras se multiplicam tanto mais, que foram precisados a seguir em canoinhas nimiamente ([4]) pequenas; e que nessas mesmas subiram sete dias mais, e assentaram que dali podiam fazer todo o juízo preciso daquele Rio, que já não poderia ir muito longe. Que até a esse termo a que subiram, montaram quarenta cachoeiras tendo chegado a perto de 2° de Latitude Boreal.

Que o Rio se representa não vir imediatamente da grande cordilheira; mas sim de outros terrenos mais apartados dela.

Sereviní 

No que pertence ao Rio Sereviní concluem, que não é, apropriadamente falar, mais do que um Lago, que acaba logo; que é de água preta; e que deságua no Amaiau, Boca mais Ocidental do Rio Branco. A foz do Sereviní, dista da do Caratirimani trinta léguas.

Igarapés que Deságuam na
Margem Ocidental do Rio Branco  

Na mesma margem Ocidental, deságuam mais seis Igarapés denominados, principiando pelo mais alto, Tacune, Cahumé, Mariuanin, Iarani, Eneuini, e Tarimauana. Tenho referido todas as fontes do Rio Branco; deixando só de fazer menção de alguns pequenos Lagos, e de alguns Igarapés de mui pouco curso. (ALMADA)

 

Por Hiram Reis e Silva (*), Bagé, 29.04.2022 – um Canoeiro eternamente em busca da Terceira Margem

Bibliografia  

ALMADA, Manoel da Gama Lobo de. Descrição Relativa ao Rio Branco e seu Território – Brasil – Rio de Janeiro, RJ – Revista Trimestral do Instituto Histórico, Geográfico e Etnográfico ‒ Volume 24 – Kraus Reprint, 1861.

(*) Hiram Reis e Silva é Canoeiro, Coronel de Engenharia, Analista de Sistemas, Professor, Palestrante, Historiador, Escritor e Colunista;

  • Campeão do II Circuito de Canoagem do Mato Grosso do Sul (1989)
  • Ex-Professor do Colégio Militar de Porto Alegre (CMPA);
  • Ex-Pesquisador do Departamento de Educação e Cultura do Exército (DECEx);
  • Ex-Presidente do Instituto dos Docentes do Magistério Militar – RS (IDMM – RS);
  • Ex-Membro do 4° Grupamento de Engenharia do Comando Militar do Sul (CMS)
  • Presidente da Sociedade de Amigos da Amazônia Brasileira (SAMBRAS);
  • Membro da Academia de História Militar Terrestre do Brasil – RS (AHIMTB – RS);
  • Membro do Instituto de História e Tradições do Rio Grande do Sul (IHTRGS – RS);
  • Membro da Academia de Letras do Estado de Rondônia (ACLER – RO)
  • Membro da Academia Vilhenense de Letras (AVL – RO);
  • Comendador da Academia Maçônica de Letras do Rio Grande do Sul (AMLERS)
  • Colaborador Emérito da Associação dos Diplomados da Escola Superior de Guerra (ADESG).
  • Colaborador Emérito da Liga de Defesa Nacional (LDN).
  • E-mail: [email protected].

[1]   1787.

[2]   Rio Rupununi: deságua no Rio Essequibo, e este no mar do Norte. No Essequibo tem estabelecimentos os holandeses.

[3]   Caiacaia ou Cada Cada: Igarapé junto do qual estiveram intrusamente situados os espanhóis, em um lugar elevado, aonde ainda se vê as paredes arruinadas de uma casa.

[4]   Nimiamente: muito.