Ao participar de audiência pública no Senado, procurador apresentou sugestões para proteção das comunidades e combate efetivo da mineração ilegal

Foto: Pedro França/Agência Senado – Postada em: MPF

Tragédia humanitária em curso. Assim o procurador da República Alisson Marugal definiu a situação vivida na Terra Indígena Yanomami, em Roraima, durante audiência pública na Comissão de Direitos Humanos do Senado Federal, nesta segunda-feira (25). O membro do Ministério Público Federal (MPF) é o representante da Câmara de Populações Indígenas e Comunidades Tradicionais (6CCR) no estado. No debate, ele apresentou panorama do garimpo no território indígena, pontuou os efeitos negativos da atividade para as comunidades tradicionais e apresentou propostas para o enfrentamento dessa prática ilegal.

Em meados da década de 1980, a corrida pelo ouro em terras Yanomami gerou graves consequências à subsistência do povo indígena, que tradicionalmente ocupa mais de nove milhões de hectares de floresta tropical brasileira. Trinta anos após a homologação do território, o procurador do MPF alerta para os riscos de uma nova crise sanitária decorrente da mineração ilegal. Dados do relatório da Associação Yanomami Hutukara apontam que, somente em 2021, a atividade aumentou 46% em comparação ao ano anterior, resultando num salto de mais de 3.350% nos últimos cinco anos.

Na avaliação de Marugal, os números ilustram a urgência da criação de políticas efetivas de proteção das comunidades e do território Yanomami. Na audiência pública, o procurador apresentou dados, gráficos e mapas que demonstram o crescimento dos pontos de garimpagem no território indígena. “Num período de dois anos, foram aproximadamente 3 mil alertas de mineração ilegal, mostrando a expansão dessa atividade. Atualmente, essa mineração afeta mais de 16 mil indígenas”, ressaltou.

O agravamento da situação também se deve à expansão dos pontos de apoio logístico nas redondezas do território indígena. Ao apresentar o mapa de requerimentos de lavra garimpeira em trâmite na Associação Nacional de Mineração (ANM), o procurador pontuou que boa parte da terra indígena está na mira das empresas e associações que compõem o que ele considera uma “estrutura industrial do garimpo”. Para Marugal, a presença de mais de 20 mil garimpeiros na terra indígena reflete a falta de políticas públicas de proteção territorial, as omissões governamentais e o apoio da sociedade local à atividade econômica, práticas que dificultam a atuação dos órgãos de fiscalização.

Falsa solução – O MPF rebateu o argumento de que a legalização da mineração em terras indígenas seria uma forma de minorar os conflitos entre garimpeiros e povos tradicionais. Segundo o procurador, esta não é uma solução cabível, tampouco constitucional. Para Marugal, o primeiro passo para combater a atividade garimpeira no território Yanomami é “refutar a visão fatalista” de que ela é inevitável.

Segundo o representante da 6CCR, a união de órgãos locais e nacionais em grandes operações é essencial para desmontar a estrutura que sustenta o garimpo ilegal. Ele ressaltou, ainda, outras medidas necessárias, como o fortalecimento da fiscalização e das bases etnoambientais, o bloqueio da logística do garimpo nos pontos de acesso por meio de rios, a regulação da cadeia do ouro, além do desenvolvimento de políticas sociais voltadas à geração de renda dos Yanomami e de uma política educacional que resulte em lideranças conscientes dos seus direitos.

Criminalização – Em relação às atribuições da Justiça e do Ministério Público, o procurador da República destacou a importância de investigar organizações criminosas que se beneficiam do garimpo ilegal. Na sua avaliação, o “narcogarimpo” é um dos piores cenários possíveis para os Yanomami, devido à potencialização do grau de violência gerado pelos membros de grupos criminosos que atuam nesse cenário. O relatório da Associação Yanomami Hutukara aponta indícios da aproximação do crime organizado, como o Primeiro Comando da Capital (CPP), em ataques às comunidades indígenas de áreas afetadas pelo garimpo ilegal.

Para Marugal, a adoção de penas mais severas para quem pratica o garimpo ilegal pode contribuir para uma persecução penal mais efetiva. Atualmente, segundo ele, as penas para os crimes relacionados à garimpagem não ultrapassam, na prática, 4 anos de reclusão, normalmente resultando em substituição da pena por prestação de serviço ao final do processo. “O que temos feito agora é apostar na investigação das organizações criminosas e lavagem de dinheiro para introduzir de maneira lícita os lucros obtidos no garimpo, crimes que geram penas maiores. Essa é a maneira mais eficiente de se combater o garimpo ilegal no âmbito da investigação”, disse.