EPOPEIA ACREANA
Assassinato de Plácido de Castro – V
Genesco repercute no seu livro uma representação do Dr. Sylvio Gentio de Lima a Affonso Penna:
Exm°. Sr. Dr. Affonso Augusto Moreira Penna – M. D. Presidente da República.
Usando do direito que me confere o art. 72 § 9° da Constituição, venho, na dupla qualidade de cidadão e magistrado, representar a V. Exª contra os atos de prepotência praticados pelo Sr. Cel Gabino Besouro, Prefeito do Departamento do Alto Acre, e os seus prepostos, atitude que sou forçado a assumir, fazendo, aliás, não pequena violência no meu temperamento, sempre inclinado ao esquecimento das ofensas e ao perdão das injúrias. Farei uma sucinta descrição dos atos que se me afiguraram ilegais e atentatórios dos direitos do cidadão, praticados, uns diretamente pelo Sr. Prefeito, outros por funcionários de sua imediata confiança, e com o seu assentimento tácito, e para ela solicito, imploro e suplico a preciosa atenção de V. Exª de antemão assegurando a V. Exª, com os olhos em Deus de que tudo quanto alego é a expressão genuína da verdade.
Nomeado por V. Exª para exercer o cargo de Juiz Preparador do 2° Termo da Comarca do Alto Acre, cuja sede é “Xapuri”, para lá segui em companhia de minha família, tendo, antes de entrar em exercício desse cargo, ocupado por alguns dias [de 9 a 15 de maio] o juizado de direito vago pela ausência do respectivo Juiz, Dr. João Rodrigues do Lago.
Comparecendo esse magistrado deixei a Vara de Direito, e só entrei no exercício do cargo de Juiz Preparador no dia 14 de junho, por ter ficado na “Empresa” [Rio Branco], sede da Comarca, 15 dias à espera de condução para o “Xapuri”. Poucos dias depois de ter passado o exercício ao Dr. Juiz de Direito da Comarca, deu-se entre S. Exª. e o Sr. Prefeito o atrito que deu causa ao rompimento das relações oficiais entre os dois, e cuja origem foi a seguinte: tendo o Dr. Lago necessidade de informações policiais para orientar-se a respeito de determinado processo sujeito a seu julgamento, oficiou nesse sentido ao Sr. Gabino Besouro para que lhas fornecesse, fazendo-lhe sentir que não as solicitava do Delegado Auxiliar em exercício Josias Lima, porque este indivíduo figurava como réu de “crimes infamantes em processos que corriam pelo seu juízo”, além de já se achar “pronunciado por tentativa de homicídio”.
Essa atitude do Dr. Juiz de Direito, absolutamente digna e moralizadora, irritou por tal forma o Sr. Prefeito que em ofício dirigido àquele magistrado verberou em linguagem descortês e cheia de insidiosas indiretas ao seu correto procedimento.
Devo dizer a S. Exª com franqueza e lealdade o motivo pelo qual o Dr. Lago considerava o Delegado Josias Lima ainda sob a ação da pronúncia. Tendo sido esse Sr. processado e pronunciado pelo crime de tentativa de homicídio na pessoa do Negociante J. Dias Pereira, conseguiu ser julgado e absolvido por um júri adrede preparado, presidido por um suplente de Juiz de Distrito nomeado pelo encarregado do expediente da Prefeitura, na ausência do Prefeito. Releva notar que o Promotor Público Sr. Santa Rosa, depois de ter interposto o recurso de apelação da sentença absolutória, desistira do mesmo ilegal e criminosamente.
O Dr. Juiz de Direito considerou, e muito legalmente, insubsistente um tal julgamento, não somente por ter sido o júri de camaradagem organizado com preterição de formalidades essenciais, como porque o dito suplente não podia ser nomeado pelo encarregado do expediente da Prefeitura. Que o juiz de direito procedera com acerto, prova a decisão do Tribunal de Apelação, anulando o julgamento e mandando submeter o réu a novo júri, o que até à data da minha partida não havia sido feito, nem sequer recolhido o mesmo à prisão.
Deixei o Sr. Josias exercendo como rábula a advocacia na “Empresa” e no “Xapuri” e blasonando ([1]) a proteção, neste ponto simplesmente criminosa, que lhe dispensa o Sr. Prefeito. (CASTRO)
PROTESTO DO ACRE
“Tem chegado ao Acre vagabundos e vagabundas vindos principalmente do Rio de Janeiro. O povo de lá está contrariadíssimo com essa nociva imigração, tão prejudicial ao seu crédito e ao seu futuro”. (Dos Jornais)
Conclui Genesco de Oliveira Castro no seu livro “O Estado Independente do Acre e J. Plácido de Castro: Excertos Históricos”:
Perseguido e injuriado, Plácido assistiu ainda o Governo Federal distribuir com os seus fâmulos ([2]) o fruto de quase 2 anos de uma luta titânica dos acreanos contra a Bolívia e contra os rigores de um clima letal; viu o Governo Federal cingir alheia cabeça com os louros colhidos pelos acreanos em uma série de sangrentos combates, e, finalmente, caiu traspassado pelas balas assassinas, em uma emboscada composta de um troço de bandidos sustentados pela Prefeitura do Alto Acre, e capitaneados pelo subdelegado Alexandrino José da Silva, comensal e homem da confiança do Prefeito Besouro.
Com a decidida e ostensiva proteção do Dr. Affonso Penna e dos seus sucessores ao logo depois General Gabino Besouro, os assassinos de Plácido ficaram impunes e foram, mesmo gratificados uns e galardoados outros pelo serviço que prestaram à República e a política do Dr. Affonso Augusto Moreira Penna. O crime prescreveu sem que as autoridades federais consentissem na abertura do mais ligeiro inquérito a respeito. (CASTRO)
O túmulo de Plácido de Castro, é um monumento extremamente simbólico e contestatório às autoridades locais e federais que permitiram que os seus assassinos, conhecidos por todos, permanecessem impunes. Projetado na Itália, é talhado em granito rosa e mármore branco. A deusa Têmis, que o encima chama a atenção por sua curiosa aparência. A justiça tem os olhos bem abertos, e a venda, que normalmente lhe cobre a visão, foi afastada para a testa.
Têmis segura na mão esquerda a simbólica balança e com um punhal, na mão direita, força um dos pratos repleto de ouro para baixo em contraposição ao outro onde se encontra o Código das Leis. Agonizando aos seus pés um imponente leão, simbolizando o herói libertador do Acre, mostra perplexidade no seu olhar por ter sido alvejado pelas costas, em pleno coração.
Reporta-nos Genesco de Oliveira Castro:
O túmulo de J. Plácido de Castro é um monumento simbólico. Como se vê da fotografia, consta de um pedestal de forma paralepipédica reta, de base retangular, encimado pela figura de um leão e pela de mulher que se eleva sobre uma coluna composta de quatro colunatas.
As estátuas são de tamanho natural e executadas em mármore de Carrara, e o corpo do monumento e a coluna, são de granito róseo. O leão, ferido pelas costas, com uma seta cravada no flanco direito, representa o Fundador do Estado Independente do Acre, e lembra como foi ele assassinado pelos homens do Prefeito Gabino Besouro.
A mulher ([3]) sustenta uma balança na mão esquerda e um punhal na direita. Em um dos pratos da balança, há um livro representando as leis brasileiras e no outro, um saco cheio de ouro, sobre o qual ela firma o olhar concupiscente e a ponta do punhal sanguinário, fazendo inclinar o prato para o lado da conveniência, do ouro. Assim quis eu representar a justiça que por muitos anos dominou o Acre, protegendo os ladrões e os assassinos e perseguindo os justos. (CASTRO)
Na parte frontal do monumento, há uma longa inscrição onde os nomes dos principais mandantes do crime se confundem com o do executor. Do lado oposto, há um mapa do “Estado Independente do Acre” gravado em mármore negro, onde graficamente se destaca a área perdida com o Tratado de Petrópolis. Em uma face do monumento lê-se:
José Plácido de Castro, fundador do Estado Independente do Acre, era filho de Prudente da Fonseca Castro e D. Zeferina de Oliveira Castro. Nasceu a 9 de dezembro de 1873 em S. Gabriel, Estado do Rio Grande do Sul, e faleceu em Benfica, vítima de uma emboscada de bandidos, capitaneados pelo subdelegado de polícia do Departamento do Alto Acre, Alexandrino J. da Silva. Era Prefeito do Alto Acre o Coronel Gabino Besouro e presidente da República o conselheiro Affonso Penna.
Não houve inquérito o crime ficou impune e o Coronel Besouro foi promovido a General. As últimas palavras do herói acreano, foram “Tanta ocasião gloriosa de morrer, e estes cavalheiros me matam pelas costas! Mas em Canudos fizeram pior?!”
A imagem da justiça com a espada apontada para o prato da balança com um saco cheio de ouro remete-nos a uma lendária passagem histórica patrocinada pelo General Gaulês Brennus. Brennus foi o chefe da tribo celta dos Sênones que, em 387 A.C., liderou o exército gaulês que capturou e saqueou a cidade de Roma, depois ter vencido os romanos na Batalha do Ália.
Os romanos concordaram com o pagamento de um resgate para que a cidade fosse libertada. Como não se chegasse a um acordo sobre o peso do ouro a ser pago pelo resgate, Brennus lança sua pesada espada de ferro na balança e pronuncia a célebre frase – “Vae victis” (“Ai dos vencidos”).
O poeta e escritor José Jorge Letria, na obra “Quem Assim Falou ‒ Grandes Frases de Todos os Tempos”, faz a seguinte colocação sobre a frase:
“Desgraça Para os Vencidos!”
Ainda não existia o conceito do “politicamente correto” que recomenda que se acautele a honra dos vencidos, para que na hora da retaliação não sejam demasiado cruéis e destrutivos como foram, por exemplo, os nazistas quando quiseram, e conseguiram, vingar a humilhação imposta pelo Tratado de Versalhes, no fim da I Grande Guerra.
O episódio que está na origem desta frase que a História registrou ocorreu em 387 a.C. e teve como protagonista um chefe gaulês de nome Brennus, que era, de resto, o nome atribuído genericamente pelos romanos a todos os chefes vindos da Gália.
Depois de vencer os romanos junto de um afluente do Tibre, Brennus avançou com os seus homens até Roma e saqueou a cidade, tendo mantido debaixo de um feroz cerco as forças que resistiam no Capitólio.
Contudo, as forças sitiadas conseguiram resistir durante sete meses, o que levou Brennus a optar pela retirada, não sem que primeiro impusesse como condição para libertar a cidade o pagamento de mil libras de ouro.
O valor do tributo foi calculado da seguinte forma: Brennus colocou a sua pesada espada numa balança e exigiu que lhe fosse entregue o valor em ouro correspondente ao peso da arma. Já no momento da retirada, contrariado com o desaire ([4]) que sofrera apesar de ser força situante ([5]), gritou: “Vae victis!”, o que pode traduzir-se por “Desgraça para os vencidos!” (LETRIA)
I-Juca-Pirama
(Gonçalves Dias)
X
Um velho Timbira, coberto de glória,
Guardou a memória
Do moço guerreiro, do velho Tupi!
E à noite, nas tabas, se alguém duvidava
Do que ele contava,
Dizia prudente: – “Meninos, eu vi!
Eu vi o brioso no largo terreiro
Cantar prisioneiro
Seu canto de morte, que nunca esqueci:
Valente, como era, chorou sem ter pejo;
Parece que o vejo,
Que o tenho nesta hora diante de mim”. […]
Assim o Timbira, coberto de glória,
Guardava a memória
Do moço guerreiro, do velho Tupi.
E à noite nas tabas, se alguém duvidava
Do que ele contava,
Tomava prudente: “Meninos, eu vi!”
Pátrio Dever
(Quintino Cunha)
Não basta adoração, amor não basta,
Vênias augustas, méritos reais,
Para a grandeza imensamente vasta
Dos belicosos seres imortais.
O ferro, o bronze, que a Ciência gasta
Nos vultos dos heróis que a vida faz,
Ah! nunca mais que, tu, morte nefasta,
Nunca mais o consomes, nunca mais!
Escreva pois a Pátria esta sentença,
Grande na forma, de pensar extensa,
Escreva a Pátria, em tímidos alardes,
Em nossa História – espaço de mil sóis:
– Seja de lodo a sombra dos covardes,
Seja de bronze a sombra dos heróis!
Por Hiram Reis e Silva (*), Bagé, 04.03.2022 – um Canoeiro eternamente em busca da Terceira Margem.
Bibliografia
CASTRO, Genesco de Oliveira. O Estado Independente do Acre e J. Plácido de Castro: Excertos Históricos – Brasil – Rio de Janeiro, RJ – Tipografia São Benedicto, 1930.
LETRIA, José Jorge. Quem Assim Falou – Grandes Frases de Todos os Tempos – Portugal – Lisboa – Oficina do Livro, 2012
(*) Hiram Reis e Silva é Canoeiro, Coronel de Engenharia, Analista de Sistemas, Professor, Palestrante, Historiador, Escritor e Colunista;
- Campeão do II Circuito de Canoagem do Mato Grosso do Sul (1989)
- Ex-Professor do Colégio Militar de Porto Alegre (CMPA);
- Ex-Pesquisador do Departamento de Educação e Cultura do Exército (DECEx);
- Ex-Presidente do Instituto dos Docentes do Magistério Militar – RS (IDMM – RS);
- Ex-Membro do 4° Grupamento de Engenharia do Comando Militar do Sul (CMS)
- Presidente da Sociedade de Amigos da Amazônia Brasileira (SAMBRAS);
- Membro da Academia de História Militar Terrestre do Brasil – RS (AHIMTB – RS);
- Membro do Instituto de História e Tradições do Rio Grande do Sul (IHTRGS – RS);
- Membro da Academia de Letras do Estado de Rondônia (ACLER – RO)
- Membro da Academia Vilhenense de Letras (AVL – RO);
- Comendador da Academia Maçônica de Letras do Rio Grande do Sul (AMLERS)
- Colaborador Emérito da Associação dos Diplomados da Escola Superior de Guerra (ADESG).
- Colaborador Emérito da Liga de Defesa Nacional (LDN).
- E-mail: [email protected].
[1] Blasonando: alardeando.
[2] Fâmulos: funcionários.
[3] Mulher: justiça.
[4] Desaire: inconveniência.
[5] Situante: sitiante.
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