Em entrevista após a reunião com Vladimir Putin, o presidente Jair Bolsonaro destacou o agradecimento feito ao presidente russo pela posição de seu país em relação à Amazônia.

“Quando alguns países questionaram a Amazônia como patrimônio da Humanidade, eu quero agradecer a sua intervenção, que sempre esteve ao nosso lado em defesa da soberania”, disse Bolsonaro, no que foi considerado uma referência ao presidente francês Emmanuel Macron e ao estadunidense Joe Biden, contumazes críticos da política ambiental brasileira (O Globo16/02/2022)

Em dezembro, a Rússia vetou uma resolução apresentada ao Conselho de Segurança das Nações Unidas, a qual propunha a inclusão das mudanças climáticas entre as ameaças de segurança internacional. Se aprovada, a medida poderia trazer sérios problemas ao Brasil, inclusive, a possibilidade de imposição de sanções ao País, por supostos maus tratos dos biomas Amazônia e Cerrado e suas implicações imaginárias para a “segurança” do planeta.

De volta ao Brasil, em visita a Petrópolis (RJ), onde uma violenta tempestade provocou a morte de mais de 200 pessoas e grandes danos na cidade, Bolsonaro voltou a referir-se ao presidente russo: “(…) Agradeci a ele em público e em particular também, o que nos é muito caro: a nossa região amazônica… é um grande aliado ao nosso lado nessa questão tão cara para nós, da soberania nacional (Agência Brasil, 18/02/2022).”

No mesmo dia, comentando a visita, a porta-voz da Casa Branca, Jen Psaki, demonstrou a irritação que a presença de Bolsonaro em Moscou provocou em Washington, no momento do contencioso com a Rússia sobre a Ucrânia: “Não discuti… diretamente com o presidente [Joe Biden]. Mas eu diria que a vasta maioria da comunidade global está unida em uma visão compartilhada, de que invadir um outro país, tentar tirar parte do seu território, e aterrorizar a população, certamente não está alinhado com valores globais e, então, acho que o Brasil parece estar do outro lado de onde está a maioria da comunidade global (O Globo18/02/2022).”

O Departamento de Estado foi na mesma linha, por intermédio de um porta-voz citado pelo jornal carioca: “O momento em que o presidente do Brasil se solidarizou com a Rússia, enquanto as forças russas estão se preparando para potencialmente lançar ataques a cidades ucranianas, não poderia ter sido pior. Isso mina a diplomacia internacional destinada a evitar um desastre estratégico e humanitário, bem como os próprios apelos do Brasil por uma solução pacífica para a crise.”

O Itamaraty rebateu com uma nota firme (19/02/2022):

O Ministério das Relações Exteriores lamenta o teor da declaração da porta-voz da Casa Branca a respeito de pronunciamento do Senhor Presidente da República por ocasião de sua visita à Rússia.

As posições do Brasil sobre a situação da Ucrânia são claras, públicas e foram transmitidas em repetidas ocasiões às autoridades dos países amigos e manifestadas no âmbito do Conselho de Segurança das Nações Unidas (CSNU). O Ministério das Relações Exteriores não considera construtivas, nem úteis, portanto, extrapolações semelhantes a respeito da fala do Presidente.

A indisfarçada irritação estadunidense com o episódio é compreensível, pois os altos funcionários de Washington não estão habituados a ver países que considera como parte da sua esfera de influência agindo de forma independente, ainda mais, no caso brasileiro, onde as limitações de soberania na Amazônia vinham sendo aceitas passivamente por sucessivos governos, nas últimas décadas, e as relações com a Rússia haviam sido relegadas a um plano inferior pelo ex-chanceler Ernesto Araújo, com sua visão caolha dos EUA como baluarte da civilização cristã ocidental. Para ele e os que compartilham essa visão, a Rússia teria como objetivo um projeto imperial eurasiático, contrário à orientação geopolítica anglo-americana, cuja meta há mais de 120 anos é evitar uma união da Europa continental, Alemanha à frente, e a Rússia, para o desenvolvimento da “hinterland” eurasiática.

De qualquer maneira, seria o caso de se perguntar à diligente porta-voz da Casa Branca: a que “comunidade global” ela se refere, quando do outro lado a China emerge como a maior potência econômica e a Rússia como principal potência militar? Em síntese: quem está isolado de quem?

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PUBLICADO POR:   MSIA INFORMA