Uma nova cadeia produtiva de alimentos comerciais está surgindo que visa maximizar os lucros em detrimento do meio ambiente e das comunidades tradicionais da região amazônica. Além disso, a combinação do impacto ambiental com a criação de animais confinados (incluindo porcos e aves), em locais onde os animais podem ter contato com outras doenças, traz o perigo de gerar uma nova pandemia de proporções mundiais.
Publicamos um trabalho na prestigiada revista Regional Environmental Change, disponível aqui, que explica este risco [1]. Segue uma tradução do conteúdo:
As forças que impulsionam o desmatamento na Amazônia aumentaram significativamente desde que Jair Bolsonaro assumiu como presidente do Brasil em 1º de janeiro de 2019 [2-5]. A região amazônica tem sido alvo de expansão de novos centros industriais, e novas estradas têm dado acesso a áreas antes intocadas [3, 4, 6]. A administração presidencial está tentando abrir terras indígenas para permitir não indígenas instalarem plantações de monoculturas nessas áreas e consolidar esse setor na região amazônica por meio do afrouxamento da legislação ambiental federal [7, 8]. Aqui relatamos como essas mudanças estão vinculadas a uma nova cadeia de produção de produtos alimentícios comerciais em detrimento do meio ambiente e das comunidades tradicionais, e como isso aumenta o risco de novas pandemias.
Uma das empresas instaladas na região para esse fim é a Millenium Bioenergy que, a princípio, teria sua produção voltada apenas para biocombustíveis [4, 9]. No entanto, a empresa anunciou que fará “parcerias” com comunidades indígenas e outras comunidades locais para produzir milho, peixe, galinhas, porcos e gado confinado para venda à empresa [9, 10] (Veja entrevista com representante da empresa: [11]). Um representante da empresa que cuida do licenciamento ambiental nos disse que os planos para essa iniciativa nos estados do Amazonas e Roraima (Figura 1), seriam para produzir biocombustíveis a partir de monoculturas em terras indígenas e outras comunidades tradicionais (Veja entrevista com representante da empresa: [11]).
As comunidades não seriam pagas, mas a empresa subsidiaria o estabelecimento de uma cadeia produtiva de animais confinados que consumissem rações produzidas pela própria empresa com o talo do milho e demais materiais vegetais descartados no processo de produção do biocombustível. As peças publicitárias da empresa (Veja: [10]) corroboram esse plano de integração dos povos indígenas e suas terras à cadeia produtiva do agronegócio. Segundo o representante da empresa em entrevista oficial conosco, esses produtos seriam exportados pelo porto de Georgetown, Guiana, principalmente para a China e outros países asiáticos, mas também para os Estados Unidos e Europa (Veja entrevista com o representante da empresa: [11]). [12]
Por Lucas Ferrante, Reinaldo Imbrozio Barbosa, Luiz Duczmal & Philip Martin Fearnside
Notas
[1] Ferrante L, Barbosa RI. Duczmal L, Fearnside PM (2021) Brazil’s planned exploitation of Amazonian indigenous lands for commercial agriculture increases risk of new pandemics. Regional Environmental Change 21, Art. 81.https://doi.org/10.1007/s10113-021-01819-6
[2] Abessa D, Famá A, Buruaem L (2019) The systematic dismantling of Brazilian environmental laws risks losses on all fronts. Nature Ecology and Evolution 3: 510–511. https://doi.org/10.1038/s41559-019-0855-9
[3] Ferrante L, Fearnside PM (2019) O novo presidente do Brasil e “ruralistas” ameaçam o meio ambiente, povos tradicionais da Amazônia e o clima global. Amazônia Real, 30 de julho de 2019. https://amazoniareal.com.br/o-novo-presidente-do-brasil-e-ruralistas-ameacam-o-meio-ambiente-povos-tradicionais-da-amazonia-e-o-clima-global/
[4] Ferrante L, Fearnside PM (2020) Os planos de biocombustíveis do Brasil impulsionam o desmatamento. Amazônia Real 13 de janeiro de 2020. https://amazoniareal.com.br/os-planos-de-biocombustiveis-do-brasil-impulsionam-o-desmatamento/
[5] Vale MM, Berenguer E, de Menezes MA, de Castro EBV, de Siqueira LP, Portela RCQ (2021) The COVID-19 pandemic as an opportunity to weaken environmental protection in Brazil. Biological Conservation 255: art. 108994. https://doi.org/10.1016/j.biocon.2021.108994
[6] Ferrante L, Fearnside PM (2020) BR-319: O caminho para o desmatamento da Amazônia. Amazônia Real, 07 de agosto de 2020. https://amazoniareal.com.br/br-319-o-caminho-para-o-desmatamento-da-amazonia-08-08-2020/
[7] Ferrante L, Fearnside PM (2020) O Brasil ameaça terras indígenas. Amazônia Real, 06 de maio de 2020.
[8] Siqueira-Gay J, Soares-Filho B, Sánchez LE, Oviedo A, Sonter LJ (2020) Proposed legislation to mine Brazil’s Indigenous lands will threaten Amazon forests and their valuable ecosystem services. One Earth 3: 1–7. https://doi.org/10.1016/j.oneear.2020.08.008
[9] NovaCana (2019) Usina de etanol de milho da Millenium Bioenergy em Roraima já pode sair do papel. https://bityl.co/5J9a
[10] BrasilAgro (2019) Millenium Bioenergy vai produzir etanol a partir do milho no Amazonas.https://bityl.co/5J9l
[11] Ferrante L (2020) Entrevista com representante para licenciamento ambiental para o projeto de Millenium Bioenergy no Amazonas e Roraima. https://bityl.co/87I7
[12] O trabalho em inglês do qual este texto foi traduzido está disponível para livre acesso em [1].
PUBLICADO POR: AMAZÔNIA REAL
- A planejada exploração de terras indígenas aumenta o risco de novas pandemias: 1 – O Projeto Millenium – Amazônia Real (amazoniareal.com.br)
- A planejada exploração de terras indígenas aumenta o risco de novas pandemias: 2 – Riscos epidemiológicos – Amazônia Real (amazoniareal.com.br)
- A planejada exploração de terras indígenas aumenta o risco de novas pandemias: 3 – Impacto da abertura das terras indígenas – Amazônia Real (amazoniareal.com.br)
- A planejada exploração de terras indígenas aumenta o risco de novas pandemias: 4 – Impactos ambientais – Amazônia Real (amazoniareal.com.br)
- A planejada exploração de terras indígenas aumenta o risco de novas pandemias: 5 – A necessidade de parar – Amazônia Real (amazoniareal.com.br)
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