O Coronel de Engenharia Higino Veiga Macedo, meu Caro Amigo e Mentor (com letras maiúsculas mesmo), enviou-me mais um texto de sua autoria que faço questão de compartilhar com os leitores.

Eu e as Colonizações…
Texto do Coronel Eng Higino Veiga Macedo

Tenho um dileto companheiro de arma e irmão da arte real que me tem feito estudar e aprender muito sobre História do Brasil. Em particular a parte bem negligenciada dos estudos que são os períodos coloniais e imperiais. Como um entusiasta da história, ele consegue, em uma verdadeira pesquisa Arqueológica da história nacional descobrir algo novo aos olhos dos leigos como eu sou.

Ao trazer lume aos trabalhos de Jaime Cortesão, brasileiro que costurou o Tratado de Madri de 1750, cuja inteligência permitiu o quase total formato atual do mapa do Brasil. me presenteou com a história do planejamento feito pela corte portuguesa. Planejamento, orientado pelo brasileiro, da colonização feita a partir da Ilha de Santa Catarina, hoje Florianópolis. Os colonos vieram da Ilha dos Açores. Chamou-me a atenção os detalhes do planejamento. Até a fechadura para trancar as portas das futuras casas foram fornecidas pelo governo português. Pensaram até no número de assentados por locais bem como aas ferramentas, os tipos de construção e a previsão de expansão.

Como o fulcro do texto, que ele me mandou, foi sobre colonização, passei a “ruminar” sobre o tema e me veio com certa facilidade, as oportunidades vividas que tive e as que me contaram sobre colonização. Participei inclusive, como profissional militar, de algumas dessas proezas.

Começo pela cidade onde nasci – Terenos – em Mato Grosso do Sul.

A ocupação da área que hoje constitui a cidade de Terenos, até então habitada pela tribo indígena “Terena”, deu-se com a implantação da Estrada de Ferro Noroeste do Brasil, que em data de 06 de setembro de 1914, inaugurou a estação ferroviária e telegráfica, do mesmo nome […].

Terenos ou Terenas – o mesmo que Gaturamorei – ave de família dos Tanagrídeos, também chamado “Bonito”.

Em 08 de maio de 1924, foi instalada pelo Governo do Estado, em convênio com a municipalidade de Campo Grande a Colônia Agrícola de Terenos (hoje conhecida como Colônia Velha). Esta Colônia tinha a finalidade de assentar em seus respectivos lotes, as famílias dos agricultores, as quais recebiam uma casa de madeira coberta de telhas, ferramentas agrícolas e auxílio de manutenção por dois anos. Dada a excelente qualidade de suas terras e o real interesse dos seus dirigentes, a Colônia em dois anos havia alcançado pleno êxito, com uma população de 454 pessoas e uma área cultivada de 381 hectares. Convêm frisar que a grande maioria dos colonos era de origem europeia…

Embora não tão bem aparelhada como foram as colonizações dos açorianos, havia no planejamento o oferecimento do mínimo para começar a trabalhar a terra: casa, ferramentas e ajuda de custo. Embora não conste do site do município, mas por eu ser do local e ter conhecidos alguns dos colonos, que até se tornaram parentes, incluía na ajuda animais: gado e burros.

Quando já adolescente, o Brasil passou pela Revolução de 1964 com um elevado salto qualitativo. E um desses saltos foram o estabelecimento de assentamento agrícola.

Um desses assentamentos pioneiros se deu em Mundo Novo, hoje município. Mundo Novo fica próximo do Rio Paraná e da fronteira do Paraguai. Era local de fronteira seca onde havia muito contrabando de café principalmente. Nos tempos de menino a coisa era tão séria que envolvia unidades militares. Em Mundo Novo houve um destacamento, valor pelotão do 11° RC, hoje 11° R C Mec. Posteriormente assumiu tal função o 17° RCMec, transferido de Pirassununga.

O Governo havia criado o IBRA – Instituo Brasileiro de Reforma Agraria. A missão: a execução do Plano Nacional de Reforma Agrária. Poucas informações se têm. Mas tive um orientador para o concurso da Escola de Estado Maior, em Brasília (1987/1989) – Coronel OTÁVIO TOSTA DA SILVA, um dos idealizadores e executores dessa experiência de assentamento rural. O Cel Tosta foi um dos últimos geopolíticos do Brasil e do Exército. Lembro-me que ele comentou sobre os recursos: a terra, a casa de alvenaria e telha, as ferramentas manuais, um arado de tração animal e um burro. Houve um erro, segundo ele: dar a titulação, muito cedo, para facilitar financiamento. Como em todo agrupamento humano, tem o trabalhador, o de iniciativa, o empreendedor (palavra da moda) e tem o acomodado, o preguiçoso. Se foi para desconstruir os latifúndio, para criar a, hoje dito, agricultura familiar, coisa que nunca existiu, depois de alguns anos o assentamento voltou ao latifúndio. Como? Um determinado assentado, trabalhador, comprava o terreno do da direita, preguiçoso, e o do da esquerda, mais preguiçoso ainda. E, assim comprando de um e de outro, acabaram por restabelecer fazendas. E os preguiçosos voltaram a pedir um lote de terreno. Nesse diapasão é que apareceram os ditos “Sem Terra”.

Como oficial do Exército, de Engenharia tive oportunidade de encontrar vários assentamentos em Rondônia e Acre. Meu contato primeiro em Rondônia foi o PIC – Ouro Preto. Há muito já tinha deixado de ser assentamento para ser um vila e hoje um enorme cidade – Ouro Preto do Oeste.

No ano de 1970, o IBRA iniciou o Projeto Integrado de Colonização Ouro Preto (Picop) assentando 500 famílias migrantes, o plano inicial previa a capacidade de atender cerca de 2 mil famílias, no ano de 1973 já contava com mais de 3 mil famílias.

Eu o conheci em 1974. Ouro Preto dista 340 km de Porto Velho. Em Ouro Preto havia uma estação experimental para o cultivo do cacau – CEPLAC – Comissão Executiva do Plano da Lavoura Cacaueira. Ouro Preto sofreu o mesmo processo dito pelo Coronel Tosta: o que inicialmente foi assentamento, acabou por se tornar fazendolas. Com a presença de agrupamentos humanos polariza, incialmente, pequenos comércios: posto de gasolina, restaurante e casas de comércio variadas, o assentamento já era uma cidade em 1974. Em Ji-paraná, em 1979, conheci o senhor Assis Canuto, inicialmente funcionário do INCRA e depois com variados cargos públicos eletivos, o qual considerava o assentamento de Ouro Preto o mais bem sucedido do Acre e Rondônia. O 5° Batalhão de Engenharia de Construção (5° BEC) fora o maior parceiro que tiveram, segundo Assis Canuto. Hospedaram-se nas instalações de Vila de Rondônia, hoje Ji-Paraná por alguns anos por acolhimento.

Em Rondônia, revendo o mapa do Estado, consigo identificar inúmeros assentamentos bem sucedido feito pelo INCRA. Claro, sem ter acesso aos perrengues passados pelos assentados pelo isolamento e pelas endemias.

Registro os que participei e que hoje são municípios bem sucedidos: Cujubim, Urupá e Machadinho, em Rondônia; Rio Juma no Amazonas e o de Acrelândia, no Acre. O assentamento de Machadinho, hoje Machadinho do Oeste, com 40 mil habitantes sou testemunha de seu nascimento. Após o convênio entre o 5° BEC e o INCRA, estive no local, guiado por uma picada onde fora aberta uma planta e, depois de orientada com os pontos cardeais, nos foram informados onde seria a sede administrativa com administração, escola, enfermaria e outras instalações.

Eu desempenhava a função do oficial de logística do Batalhão. Os outros dois de Rondônia foram convênios para dar continuidade do que havia sido começado por empresas de terraplenagens.

Registro aqui essa parceria entre as unidades de construção do Exército e o INCRA. Em particular com o 5° BEC. Para esclarecimento, servi três vezes no 5° BEC, não por desejos, mas por coincidências. A cada modernização da administração pública muito frequente nos ditos indevidamente governos militares, aumentavam os controles. Uma, dessas modernizações, foi a criação do SIAFI (Sistema Integrado de Administração Financeira) do Governo Federal. Antes disso, a administração pública era um tanto desorganizada. As Forças Armadas é que tinha um sistema d Plano de trabalho, empenho das despesas, contas bancárias e pagamentos via bancos. Lembro que o 5° BEC foi um dos primeiros parceiros do INCRA. Veio uma comitiva de Brasília para Porto Velho para aprender a fazer plano de trabalho e as técnicas de cálculos de custos unitários de serviço, processo de medições, cronograma físico-financeiro etc, etc.. Eles não tinham nenhuma estrutura de engenharia. Assim, para os primeiros convênios tudo foi aprendido com o Batalhão. Depois de uns cinco anos, eis que alguns “barbudinhos” do INCRA ainda sem estrutura de engenharia vieram cheios de autoridades auditar medições de serviços medidos. Foi um estresse danado, pois além de nada entenderem, tentavam argumentar sobre autoritarismo, opressão e outras lengalengas nojentas de marxista de ouvi falar.

Notei também que quando havia insistência do INCRA em continuar algum trabalho era porque a firma contratada (sempre por licitação) havia falido ou abandonado o trabalho. Atuar em locais com poucos recursos nas capitais requeria enorme esforço para atualizar e ou modificar planejamentos. A colonização de Acrelândia, no Acre foi continuidade de trabalhos anteriormente realizados. O contrato fora cumprido parcialmente por empreiteira e com baixíssimo padrão de qualidade.

No Amazonas, pela BR 230 (Transamazônica), para socorrer contratos mal ou nem cumpridos, fomos obrigados a aceitar a continuar a abertura do assentamento do Rio Juma. Tal trabalho havia sido distribuído ao 8° BEC, Santarém. Mas pela enorme dificuldade de mobilização, foi repassado ao 5° BEC. Esse assentado do Rio Juma, hoje está no município de Apuí, que na época não existia. Apuí é distante 400 km de Humaitá, na direção Leste.

Portanto, nasci em um local que veio de assentamento. Ouvi histórias, bem sucedidas, sobre assentamentos. Participei da implantação de vários assentamentos. Estudei, nas histórias dos romanos os seus sucessos com colônias militares, costumes também praticado por portugueses no Brasil. E, agora, já setentão, admiro o trabalho de assentamentos no Brasil, descritos por Jaime Cortesão, nos séculos XVII e XVIII. É um privilégio.

Ao longo dessa minha vivência, registrei algumas passagens que foram tocantes umas, até hilárias algumas e tristes outras.

Por Hiram Reis e Silva (*), Bagé, 22.03.2022 – um Canoeiro eternamente em busca da Terceira Margem.  

(*) Hiram Reis e Silva é Canoeiro, Coronel de Engenharia, Analista de Sistemas, Professor, Palestrante, Historiador, Escritor e Colunista;

  • Campeão do II Circuito de Canoagem do Mato Grosso do Sul (1989)
  • Ex-Professor do Colégio Militar de Porto Alegre (CMPA);
  • Ex-Pesquisador do Departamento de Educação e Cultura do Exército (DECEx);
  • Ex-Presidente do Instituto dos Docentes do Magistério Militar – RS (IDMM – RS);
  • Ex-Membro do 4° Grupamento de Engenharia do Comando Militar do Sul (CMS)
  • Presidente da Sociedade de Amigos da Amazônia Brasileira (SAMBRAS);
  • Membro da Academia de História Militar Terrestre do Brasil – RS (AHIMTB – RS);
  • Membro do Instituto de História e Tradições do Rio Grande do Sul (IHTRGS – RS);
  • Membro da Academia de Letras do Estado de Rondônia (ACLER – RO)
  • Membro da Academia Vilhenense de Letras (AVL – RO);
  • Comendador da Academia Maçônica de Letras do Rio Grande do Sul (AMLERS)
  • Colaborador Emérito da Associação dos Diplomados da Escola Superior de Guerra (ADESG).
  • Colaborador Emérito da Liga de Defesa Nacional (LDN).
  • E-mail: [email protected]