Nesta semana, o Painel Intergovernamental da ONU sobre Mudança Climática, Ipcc, lançou um novo relatório sobre o clima. Pela primeira vez, este tipo de documento traz uma sessão especial sobre a Amazônia e como a população local já está sofrendo com os impactos do aquecimento global. A ONU News entrevistou uma das co-autoras do estudo do Ipcc, a especialista em ecologia humana Patrícia Pinho. De São Paulo, ela detalhou a ligação entre mudança climática e injustiça social.  

ONU News: O relatório é muito extenso e separado por regiões. Se o mundo não conseguir limitar o aquecimento global a 1,5° Celsius, como será a Amazônia do futuro? Espécies serão extintas? Qual será o impacto para as populações que lá vivem? 

Patrícia Pinho: Muito boa essa colocação. Eu desenvolvi um box só sobre a Amazônia, sendo que a primeira vez que o relatório traz com muito mais propriedade um olhar social sobre a Amazônia. A gente conseguiu trazer o que significa o aquecimento, o que significam os impactos e riscos das mudanças climáticas no contexto dos povos indígenas da Amazônia. Dentro deste contexto, existe um componente de justiça climática muito forte nesse relatório.

Historicamente, os países e regiões e populações que são mais responsáveis pela maior parte das emissões dos gases de efeito estufa e consequentemente do aquecimento global, enquanto as regiões do Sul global são aquelas que experenciam os impactos mais severos e mais acirrados. E são as populações do Sul global que têm a menor capacidade de resposta.

Dentro desta população que já é vulnerável e exposta, a gente tem também a vulnerabilidade que tem cor, que tem raça, etnia, gênero e geografia. A gente traz isso com muito mais prominência nesse relatório.

Para os povos indígenas e a Amazônia, nesse documento a gente mostra como que para algumas populações esse limiar social já tem acontecido. Por conta do que? Perdas e danos. É um outro conceito que o IPCC tem trazido, ele não é novo, mas ganhou muito espaço dentro deste relatório. A questão da justiça climática é porquê a gente tem observado e os riscos no futuro vão se materializar de maneira muito mais pronunciada, que geram perdas e danos econômicos e também  não-econômicos, não-materiais, como perda de habitat, perdas de valores coletivos, perda de lugares sagrados, perda de modo de vida. E isso tudo num contexto indígena e sobretudo, na Amazônia, é muito severo.

Mas não é só a Amazônia neste caso. A gente tem o Ártico, onde 1,5° C em 2040 significa 7 graus de aquecimento no Ártico. O que acontece com esses povos? O que acontece com a população mais indígena, tradicional, que depende mais desses ecossistemas?

No caso da Amazônia brasileira, a gente tem mostrado que os povos indígenas e a população mais tradicional ela está no cerne da questão dos impactos que geram a vulnerabilidade à exposição, que é a mudança do uso da terra, que são atividades ilegais de desmatamento, de mineração, conflitos fundiários que acontecem dentro do seu território e mais os impactos das mudanças climáticas. O que a gente mostra é que essa população está num risco muito, muito grande.

Algumas pessoas podem falar: “bom, a gente tira essa população de lá e elas vão morar em outros meios”. Mas isso já está acontecendo, a gente já está tendo muita migração, entre e dentro dos países, por consequência de mudanças climáticas, por consequências dos processos desiguais de desenvolvimento socioeconômico.

Quando você tem um impacto na fenologia, que a gente sabe que na Amazônia algumas espécies já florescem de maneira diferente, a gente tem perda de polinizadores, ineficiência da própria agricultura de subsistência por conta de seca extrema ou cheia extrema… então esses povos, por consequência disso, já estão saindo do seu território. Migram para uma situação de cidades. Só que o que acontece, é uma estratégia de adaptação, mas que no longo termo, ela não é adaptativa. Essa é outra novidade do relatório. É a primeira vez que o relatório traz seções e mais seções sobre o que significa essa má adaptação. Quando você traz essa população que já era marginalizada no seu lugar de origem, ela não vai ser uma população apta a viver nas cidades, ela não tem oportunidades de trabalho, não tem oportunidades de educação ou de saúde, vão ocupar áreas marginais já degradadas, aumentando assim a problemática das múltiplas crises que estamos vivendo. Uma crise humanitária como consequência de uma crise climática e ambiental.

PUBLICADO POR:    ONU – NAÇÕES UNIDAS