EPOPEIA ACREANA
Atentado à Vida de Plácido de Castro
O ano de 1905 foi pródigo em notícias de atentados à vida do herói acreano. As notícias que pipocavam sistematicamente, na imprensa nacional, eram, em seguida, desmentidas.
Uma delas porém, um atentado perpetrado em um hotel da capital manauara, apesar de verídica passou praticamente desapercebida da mídia e pesquisadores ao longo dos tempos.
Correio do Norte, n° 058
Manaus, AM – Quinta-feira, 29.03.1906
Coluna Acreana – Território do Acre
[…] Vamos hoje examinar as garantias de liberdade, de vida e de propriedade de que gozam os habitantes do Amazonas desde o tempo em que ele está sob o governo dos Ramalhos.
Já tivemos ocasião de descrever o nosso caso pessoal ‒ fomos perseguido, espoliado, proibido de exercer a nossa profissão de engenheiro civil e quase assassinado.
Ramalho I não admitia o exame de seus atos, assim é que mandou a sua polícia empastelar ([1]) os jornais “Pátria” e “Manaus”. Os redatores do primeiro, os Srs. Carlos Eugênio Chauvin e Demétrio de Oliveira tiveram que abrigar-se sob a proteção do Capitão do Porto de Manaus. Infelizmente, porém, esta proteção não se tornou efetiva, pois Ramalho I os reclamou e eles foram entregues à polícia para serem assassinados. Não fosse a generosidade do Sr. Mesquita, sócio da casa Andresen & Ciª, a mesma cuja firma Ramalho I havia falsificado em uma letra de 28:000$, conforme já descrevemos, não fosse a generosidade do Sr. Mesquita, dizemos, que exigiu de Ramalho I a soltura do preso, sob pena da publicação de sua infâmia, e teria sido consumado esse duplo assassinato.
Mas, deixemos Ramalho I e tratemos de Ramalho II. O jornal “A Federação”, de propriedade de Euclydes Nazareth, que havia sido o órgão do partido dos Ramalhos, ousou intentar uma pequena oposição ao governo de Ramalho II, publicando as bases desse escandaloso empréstimo externo de que falamos em nosso último artigo. Não foi preciso mais, o Sr. Néri, ou melhor Ramalho II, mandou comprar por um amigo o prédio em que funcionava esse jornal. No mesmo dia foi lavrada a escritura e o novo proprietário obteve um mandado de despejo.
A polícia, sob a direção em pessoa do chefe de segurança pública, tornou efetivo esse mandado, e o material foi recolhido ao depósito público e os tipos empastelados pela própria polícia. Foi o que se poderá chamar ‒ um empastelamento judicial! Mais tarde foi o jornal “Quo Vadis?” a vítima da sanha de Ramalho II. Mas desta vez o processo empregado foi outro. Os Ramalhos são férteis nesses processos. Era preciso dar um exemplo que perdurasse na memória de quantos assistissem esse ato de autoridade de Ramalho I: o edifício onde funcionava o “Quo Vadis?” com todo o seu material foi incendiado!
Ramalho II quer o Acre e para conseguir os seus fins não olha processo, tudo lhe serve, até mesmo o assassinato do chefe dos acreanos. Quando, após a assinatura do Tratado de Petrópolis, o Coronel Plácido de Castro veio a esta capital, teve necessidade de demorar-se alguns dias na cidade de Manaus.
Estava hospedado no Hotel Cassino e, quando, em um dia, escrevia em uma pequena mesa junto à sala das refeições, foi procurado por uma mulher de cor negra. O Coronel Plácido continuou sentado e a mulher que, apesar do calor, tinha sobre os ombros um chalé, sob o qual ocultava as mãos, subitamente, aproveitando–se de um momento de distração do Coronel Plácido, com um revólver Smith & Wesson, deu–lhe um tiro no rosto. Felizmente, apenas a pólvora lhe chamuscou a face.
Eram 11 horas da manhã e a sala das refeições estava completamente cheia de hóspedes. O Coronel Plácido subjugou a mulher, tomou-lhe o revólver e explicou da porta, a qual havia cerrado, aos curiosos que acudiram, que não havia sido nada, que o seu revólver havia disparado. A mulher lhe declarou que por forma alguma diria quem a havia mandado assassiná-lo. O Coronel Plácido manteve o mais completo silêncio sobre esse atentado à sua vida, mas não haviam decorrido 10 minutos e batia à porta de seu quarto um Sr. Simões, português e repórter do jornal “Amazonas”. Havia ido dizer ao Coronel Plácido que Silvério, ou Ramalho II, acabava de dar todas as providências para que a sua vida fosse garantida em Manaus e que estava pesaroso pelo que se havia passado. O Coronel Plácido respondeu que nada se havia passado e que estava surpreendido da emoção do Sr. Simões, e que podia dizer ao Sr. Governador que ele mesmo, Plácido, era o zelador de sua vida, a qual o Sr. Silvério não podia garantir nem dela dispor.
Este fato nos foi fielmente narrado pelo Coronel Plácido. Eis as garantias de vida asseguradas pelos Ramalhos do Amazonas.
Nos dispensamos de fazer comentários, mas o público não se admire se ler algum telegrama de Manaus, agora que para lá foi o Coronel José Plácido de Castro, dizendo que foi feita uma nova tentativa de assassinato ou que o Coronel Plácido foi de fato assassinado, pois Ramalho III é irmão de Ramalho II.
Já viu o público que no Amazonas não só se rouba – assassina-se também quando há necessidade de facilitar o roubo. O acreano conhece todas estas misérias. E com tais exemplos poderá ainda alguém acreditar que os acreanos não protestarão, até com as armas na mão, para se livrarem de semelhante quadrilha?
Continuaremos.
Orlando Corrêa Lopes ([2])
Rio, 2 de março de 1906. (CDN, n° 58)
O Leão Enfermo
(Múcio Teixeira)
À semelhança dos Heróis antigos
De que rezam as lendas gloriosas,
Que tombavam nos braços dos amigos,
Contemplando com vistas dolorosas
As montanhas, o espaço, a natureza,
– Tudo cheio de nuvens de tristeza –
E o Oceano – a lutar eternamente…
E o Sol, que é sempre o Sol, mesmo no poente!
Ei-lo prostrado, o forte – não vencido –
Lucrando sempre por se erguer de novo;
Às vezes, cai exausto, – adormecido
No coração sincero do seu povo!
Depois – ergue-se, forte como outrora,
Qual águia altiva pelo azul distante,
Dourando a pátria com clarões de aurora
O seu olhar de olímpico gigante!
Nas horas em que a febre lhe marulha
Em confusão no cérebro as ideias,
Um alvo pombo no seu peito arrulha,
E há nos seus lábios versos de epopeias!
Ele não tem os tétricos delírios
Desses que espalham prantos e martírios;
Tem sonhos de poeta: e voga, em cismas,
Num lago manso de serenos prismas.
Só nas horas de acesso, quando o susto
Nos assalta [pois nós nada sabemos],
É que pode sonhar tranquilo o justo;
Sem sofrer por saber que sofremos! […]
A Manuel Rodriguez
(Guillermo Matta, 26.05.1863)
IV
¡Mas ai! los que partieron
Su pan de proscripción i de amargura,
Los que a luchar vinieron
Y a la Patria, con él, su sangre dieron;
Un brazo mercenario
Armar supieron en la noche oscura
Aquí; en la sombra, vino
Su víctima a buscar el asesino;
¡I el héroe murió triste i solitario!…
Patriotas i héroes fueron
Los que armaron el brazo del sicario;
Por sus hazañas ínclitas
La mano de la gloria
De inmarcesible lauro los corona;
Más, del justo castigo no se eximen:
La Patria los perdona,
¡Mas nunca la justicia absuelve al crimen!
Por Hiram Reis e Silva (*), Bagé, 21.02.2022 – um Canoeiro eternamente em busca da Terceira Margem.
Bibliografia
CDN, n° 058. Coluna Acreana – Território do Acre – Brasil – Manaus, AM – Jornal do Comércio do Amazonas – n° 058, 29.03.1905.
MUCIO TEIXEIRA. Poesias e Poemas de Mucio Teixeira (1886-1887) – Brasil – Rio de Janeiro, RJ – Imprensa Nacional, 1888.
(*) Hiram Reis e Silva é Canoeiro, Coronel de Engenharia, Analista de Sistemas, Professor, Palestrante, Historiador, Escritor e Colunista;
- Campeão do II Circuito de Canoagem do Mato Grosso do Sul (1989)
- Ex-Professor do Colégio Militar de Porto Alegre (CMPA);
- Ex-Pesquisador do Departamento de Educação e Cultura do Exército (DECEx);
- Ex-Presidente do Instituto dos Docentes do Magistério Militar – RS (IDMM – RS);
- Ex-Membro do 4° Grupamento de Engenharia do Comando Militar do Sul (CMS)
- Presidente da Sociedade de Amigos da Amazônia Brasileira (SAMBRAS);
- Membro da Academia de História Militar Terrestre do Brasil – RS (AHIMTB – RS);
- Membro do Instituto de História e Tradições do Rio Grande do Sul (IHTRGS – RS);
- Membro da Academia de Letras do Estado de Rondônia (ACLER – RO)
- Membro da Academia Vilhenense de Letras (AVL – RO);
- Comendador da Academia Maçônica de Letras do Rio Grande do Sul (AMLERS)
- Colaborador Emérito da Associação dos Diplomados da Escola Superior de Guerra (ADESG).
- Colaborador Emérito da Liga de Defesa Nacional (LDN).
- E-mail: [email protected].
[1] Empastelar: inutilizar temporariamente oficina gráfica, redação de jornal ou revista, danificando-lhe o equipamento, misturando ou danificando seus tipos e matrizes.
[2] Orlando Correa Lopes: em novembro de 1900, comandou uma força, que ficou conhecida como “Expedição dos Poetas” ou “Expedição Floriano Peixoto”, que tinha como objetivo tomar o Acre da Bolívia e criar uma República Independente. Essa Expedição foi equipada graças à intervenção pessoal do Governador do Estado do Amazonas, Silvério Néri.
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