Foram localizados 16 processos, em São Félix do Araguaia (MT), que estão parados nos últimos três anos por omissão da Fundação

Foto: Christiano Antonucci Secom-MT – Arte: Ascom – PRMT – Postada em: MPF

A Justiça Federal em Mato Grosso atendeu ao pedido do Ministério Público Federal (MPF), por meio de sua unidade em Barra do Garças (MT), e condenou a Fundação Nacional do Índio (Funai) na obrigatoriedade de cumprir sua função institucional, como representante oficial da política indigenista, em todos os processos de destituição de poder familiar, tutela ou adoção que envolvam crianças indígenas. A atuação da Funai está prevista no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) e, conforme denúncia encaminhada ao MPF, a Fundação tem sido omissa nos processos em trâmite na Comarca de São Félix do Araguaia, município localizado a 1.030 km de Cuiabá, capital do estado.

O pedido feito pelo MPF consta da Ação Civil Pública nº 1002061-31.2019.4.01.3605, ajuizada a partir do inquérito civil instaurado a partir de uma comunicação feita pela Promotoria de Justiça da Comarca de São Félix do Araguaia, informando a omissão da unidade da Funai localizada no município quanto a realização de estudo multidisciplinar nos processos de destituição de poder familiar, tutela ou adoção que envolvam crianças indígenas.

De acordo com a informação encaminhada pela Promotoria de Justiça da Comarca de São Félix do Araguaia, foram localizados 16 processos envolvendo crianças indígenas e que estão parados, nos últimos 3 anos, à espera da Funai. Conforme o MPF, é obrigatória a participação do órgão federal de proteção ao indígena, além de antropólogos, em todos os procedimentos que tratem da colocação de menores indígenas em famílias substitutas. Porém, a Fundação se mantém omissa e, a falta de manifestação da instituição, acaba acarretando na nulidade de todo o processo de guarda ou adoção de crianças indígenas. “Assim, diante dessa obrigatória em contraponto a omissão do órgão indigenista, há processos aguardando durante anos para que haja o julgamento do mérito”, afirma o MPF.

No texto da ACP, o procurador da República Everton Pereira Aguiar Araújo, que está a frente do procedimento, ressalta que, diante das informações coletadas durante o inquérito civil, fica evidente a omissão da Funai frente aos processos envolvendo as crianças indígenas. “Tal desmazelo gera violação a direitos fundamentais da criança e adolescente indígena, por parte do órgão que deveria justamente protegê-los. (…) A Funai não vem cumprindo com uma de suas funções na proteção dos interesses das crianças e adolescentes indígenas, mesmo após reiteradas ordens do juízo de São Félix do Araguaia solicitando sua intervenção nos feitos judiciais que versem sobre a colocação do menor indígena em famílias substitutas”, afirma.

O procurador alerta também para a irresponsabilidade do órgão indigenista ao não tratar com prioridade absoluta os casos de colocação do menor em famílias substitutas e as sequelas que essa omissão por parte da Fundação poderão ocasionar aos envolvidos. “(…) é evidente que a omissão da Funai gera consequências irreparáveis para o menor que se vê na incerteza de um dos aspectos mais importantes da vida do ser humano, a família. Do mesmo modo, a omissão do órgão, além de afetar o correto desenvolvimento do menor indígena, fere o direito daqueles que pretendem adotar uma criança. Dessa forma, aguardar um provimento até o término do processo representa o agravamento do dano que as pessoas envolvidas no processo vêm sofrendo”, enfatiza.

Diante dos fatos levantados no inquérito civil, o MPF solicitou, por meio do ajuizamento da ACP, a condenação da Funai para que intervenha nos processos em andamento, em que já foi regularmente citada a manifestar-se e que envolvam a colocação do menor indígena em família substituta, no prazo de 60 dias, sob pena de multa diária.

Decisão – Com a decisão condenatória proferida pela Justiça Federal em Mato Grosso, a Funai deverá se manifestar nos processo de colocação dos menores indígenas em família substituta, em que já foi citada, dentro do prazo de 60 dias. Também foi fixada multa de R$ 5 mil a cada descumprimento de atuação por processo.

“(…) a Funai, mais especificamente as Coordenações Regionais, deve sempre acompanhar os casos existentes sob orientação da Diretoria de Promoção ao Desenvolvimento Sustentável – DPDS e da Procuradoria Federal Especializada. Por meio de seus procuradores federais, o órgão indigenista oficial tem o dever de estar presente em todos os atos que tratem sobre colocação do menor indígena em família substituta, para que os interesses e direitos da criança indígena sejam respeitados. A partir do entendimento levado pelos servidores da Funai, o juiz tomará conhecimento dos diferentes conceitos de família, identidade cultural e costumes da etnia ou povo ao qual a criança pertence”, ressalta a decisão judicial.

Atribuições da Funai conforme o ECA – O art. 28, parágrafo 6º, inciso III do ECA prevê a participação obrigatória da Funai e de antropóloga nos processos de colocação de crianças indígenas em família substituta. Tais determinações visam dar efetividade ao art. 227 da Constituição Federal, que estabelece o direito à convivência familiar e comunitária como direito humano da criança.

O parágrafo 6º do artigo 28 prevê que, em se tratando de criança ou adolescente indígena ou proveniente de comunidade remanescente de quilombo, é obrigatório que sejam consideradas e respeitadas sua identidade social e cultural, os seus costumes e tradições, bem como suas instituições, desde que não sejam incompatíveis com os direitos fundamentais reconhecidos pelo ECA e pela Constituição Federal; que a colocação familiar ocorra prioritariamente no seio de sua comunidade ou junto a membros da mesma etnia; a intervenção e oitiva de representantes do órgão federal responsável pela política indigenista, no caso de crianças e adolescentes indígenas, e de antropólogos, perante a equipe interprofissional ou multidisciplinar que irá acompanhar o caso.

“Desta feita, a legislação especial estabeleceu a intervenção obrigatória da Funai como representante oficial da política indigenista em todos os processos de destituição de poder familiar, como também naqueles referentes à colocação em família substituta, seja por meio de guarda, tutela ou adoção que envolva crianças indígenas”, enfatiza a decisão da Justiça Federal. A decisão é do dia 14 de fevereiro de 2022.

Clique aqui e veja a íntegra da decisão.

Assessoria de Comunicação
Ministério Público Federal – MPF