O meio ambiente da Amazônia há décadas é objeto de discussões internacionais e de acusações externas ao Brasil e defesas apaixonadas. No entanto, mais recentemente o tema tornou-se obsessivo e as ameaças começam a tornar-se realidade.

A Amazônia é uma área de floresta tropical escassamente povoada, cobrindo 6.700.000 km². Para que se tenha uma ideia do seu tamanho, somando todo o restante do Brasil, mais o México e toda a América Central, teremos uma área de 4.316.000 km2.

Os cientistas afirmam que “se não existisse a floresta amazônica, o Sul teria menos umidade, então Paraguai, Uruguai, Argentina e o Sul devem parte de suas chuvas à Amazônia”. (i) Assim, a região amazônica, por suas imensas florestas, águas e rica biodiversidade, contribui decisivamente para o equilíbrio do meio ambiente não apenas sul-americano, mas sim global.

Mas, do outro lado da moeda, atrai a ganância de muitos e nem sempre dentro da legalidade. Rechaçar más condutas e manter o meio ambiente protegido é tarefa a que estamos todos obrigados, não apenas por um dever ético com as futuras gerações ou com os habitantes do nosso e de outros países, como também para evitarmos sanções econômicas que afetarão a nossa economia.

As dificuldades são muitas e começam pelas diferenças existentes dentro da própria Amazônia. Há populações de diferentes origens (v.g., seringueiros, caboclos, índios, militares e imigrantes), densidade populacional diversa (o Pará tem 8,074 milhões de habitantes enquanto o Amazonas, com um território maior, 3,874 milhões), tipo de fauna e até de vegetação (Roraima tem savanas).

Vejamos quais são as formas mais comuns de danos àquela importante região.

A primeira delas e que, inclusive, chama mais a atenção de todos, é o desmatamento. E neste ponto a situação anda longe do ideal. Para compreender tal situação, é preciso atentar para dois aspectos: a) na Amazônia há terras públicas e particulares; b) nas terras particulares o desmatamento é permitido em 20% das propriedades rurais (Cód. Florestal, art. 12, inciso I, “a”), sendo que os restantes 80% da área são de intocável reserva legal.

As terras públicas da Amazônia existem pelo esforço e inteligência de Paulo Nogueira Neto, o primeiro Secretário Especial do Meio Ambiente do Brasil. Nomeado no regime militar e tendo uma estrutura mínima, realizou um primoroso serviço na defesa do meio ambiente, (ii) criando 26 unidades de conservação, a maior parte delas na Amazônia. A estas se somaram outras tantas posteriormente, hoje havendo na Amazônia 145 federais e 191 estaduais.

Evidentemente, entre o reconhecimento legal e a realidade em locais distantes, inóspitos e com órgãos públicos sem qualquer estrutura há uma enorme distância. Por tal motivo dá-se a estas áreas o nome de APPs de papel.

Nas áreas de propriedade privada há a possibilidade de corte, desde que autorizado por licença ambiental. Como elas alcançam grande dimensão territorial, mesmo que o desmatamento seja de 20% da área total, o fato provoca surpresa e revolta, principalmente no exterior.

Mas o que é inegável é que o desmatamento vem aumentando continuamente. Segundo dados do Instituto Nacional de Pesquisas Especiais (INPI), ele aumentou 21,97% em 2021. (iii) E isto se deve, como se verá adiante, à fragilização dos órgãos de controle.

Mas os problemas não se resumem nisto, há outros tantos sérios e complexos.

A mineração ilegal é um deles e dos mais graves. É praticada em regiões mais remotas, muitas vezes em terras indígenas, causando danos ambientais gravíssimos, como desmatamento de áreas florestais que não se recuperam, contaminação de rios próximos, morte de espécimes de vida aquática e riscos à saúde das comunidades ribeirinhas. e populações indígenas.

Por exemplo, na exploração de ouro, os garimpeiros usam produtos químicos e metais pesados para extração, como mercúrio, e estes, sedimentados no fundo do rio, poluem as águas dos rios e os peixes e causam problemas de saúde nos que os comem.

Convencidos de seu poder, em novembro de 2021, centenas de balsas usadas para dragagem de rios, mas usadas para a prática do garimpo ilegal, formaram uma rede de exploração do garimpo ilegal do ouro no rio Madeira, município de Autazes, no Amazonas. Face à pronta reação da Marinha e da Polícia Federal, ameaçaram resistir às autoridades federais, mas não chegaram a tanto. Temerosos da apreensão e afundamento de suas barcas, dispersaram-se. (iv)

A exploração ilegal da rica biodiversidade da Amazônia, que conta com mais de 100 mil espécies de animais e 30 mil de vegetais é outro aspecto grave e pouco debatido. Estrangeiros entram na região sob os mais diversos argumentos e, associados a brasileiros, coletam plantas, ervas, animais para pesquisas farmacêuticas e facilitam a futura criação de medicamentos pelos mais importantes laboratórios.

Se, por um lado, é importante que se façam e todos se beneficiem de medicamentos para as doenças que afligem a humanidade, por outro, é ruim que esses medicamentos sejam patenteados e os brasileiros, inclusive os amazônidas, tenham que pagar para consumi-los. Raras são as iniciativas de empresas brasileiras no sentido de proteger a biodiversidade. Entre elas merece registro a ação da Natura através do programa “Repartição de benefícios”, no sentido de fortalecer as populações tradicionais e conservar a floresta. (v)

Outro mercado ilegal no exterior é o contrabando de pequenos peixes ornamentais em aquários. A captura de pequenos peixes contribui para a quebra do equilíbrio ecológico com repercussões na cadeia alimentar do ecossistema. Em 27 de dezembro de 2019, a Polícia Federal brasileira prendeu dois homens que transportavam 10.000 peixes ornamentais em um barco em um rio na Amazônia, (vi) com destino a Letícia, na Colômbia, de onde provavelmente seguiriam para a Europa ou o Oriente. Neste ano, no dia 28 de janeiro, a PF deflagrou a operação “Volta Grande do Xingu”, em Altamira e Rurópolis, no Pará, em investigações sobre o tráfico internacional de peixes ornamentais, determinando a Justiça Federal a prisão de dois envolvidos e expedindo 8 mandados de busca e apreensão. (vii)

Mas, como mudar a situação na Amazônia? Com certeza, protestos genéricos, sem noção da realidade local, são muito fáceis, mas não dão solução. É preciso muito mais do que isto, é necessário ação conjunta, madura e, acima de tudo, vontade dos que detém o poder e da sociedade civil.

A primeira solução que nos vem à mente é a do comando/controle. Infração igual a punição. Ela é essencial, sem dúvida. Mas passa por um sério problema de estrutura. O principal órgão ambiental federal, o IBAMA, no ano de 2001 tinha 6.000 servidores, mas em 2021, apesar do aumento da exploração dos recursos naturais, estava reduzido a 2.480. Isso aconteceu porque o governo federal não realizou concursos para preencher as vagas.

Os órgãos estaduais têm deficiências mais graves, porque todos os estados da região têm grandes dificuldades econômicas. O Pará, que detém o maior PIB da Amazônia (R$ 178.377) está na 11ª classificação do ranking nacional. O Amapá, Acre e Roraima são os três últimos. (viii) Como é óbvio, não se pode esperar que os seus órgãos ambientais sejam capazes de resolver os graves problemas ambientais.

Em certas ocasiões há operações conjuntas da Polícia, órgãos ambientais, Exército, Força Nacional e órgãos estaduais. Atuam por um determinado período de tempo nas regiões mais problemáticas e alcançam bons resultados. Por exemplo, segundo informações do Ministério da Defesa, na operação Verde Brasil, em 2020, em duas semanas de atuação “foram apreendidos 47 caminhões, 35 embarcações e 32 maquinas agrícolas, como tratores e escavadeiras. Também foram retidos 6.360 metros cúbicos de madeira ilegal; e realizados 29 autos de prisão em flagrante”. (ix) Mas, evidentemente, isto tem custos elevados.

Há, ainda, uma situação pouco comentada e de grande complexidade: a falta de apoio da população local ao combate à criminalidade ambiental. As pessoas das pequenas e pobres cidades da Amazônia beneficiam-se da ação ilegal, pois ela movimenta o comércio, os serviços, a economia da cidade. Do dentista à mulher que vende quitutes na praça, muitos ganham. Obviamente, a médio prazo a exploração ilegal é prejudicial, pois a extração se esgota e o dinheiro desaparece, deixando um rastro de terra devastada. Mas as pessoas, sabidamente, se preocupam com o presente e não com o amanhã. Por tal razão, grandes operações devem ser associadas a ação social, como têm feito muito Tribunais de Justiça da região, promovendo direitos previdenciários, assistência social e fornecimento de documentos aos muitos que não os têm.

Finalmente, mostra-se necessária uma participação mais efetiva da sociedade civil. Para tanto a transparência é necessária e as ONGs devem cobrá-la dos órgãos ambientais, administrativa ou judicialmente. É essencial que os cidadãos possam acompanhar as decisões e colaborar no processo decisório. Um exemplo. O Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon) e o Instituto Ethos, uniram forças com empresas que exploram legalmente o agronegócio no projeto “Seja legal com a Amazônia”, para combater aqueles que exploram ilegalmente terras públicas na Amazônia. (x)

Finalmente, merece expressa referência as sanções econômicas que o Brasil está sob ameaça por parte da União Europeia, Estados Unidos e OCDE. Sobre elas já escrevi nesta coluna, artigos aos quais remeto o leitor. (xixii) Basicamente o raciocínio é o seguinte: se as sanções ou ameaças ajudarem na defesa do meio ambiente, que sejam bem vindas.

Por Vladimir Passos de Freitas 

é ex-secretário Nacional de Justiça no Ministério da Justiça e Segurança Pública, professor de Direito Ambiental e de Políticas Públicas e Direito Constitucional à Segurança Pública na PUCPR e desembargador federal aposentado do TRF-4, onde foi corregedor e presidente. Pós-doutor pela Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo (USP) e mestre e doutor em Direito pela Universidade Federal do Paraná (UFPR). Foi presidente da International Association for Courts Administration (Iaca), da Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe) e do Instituto Brasileiro de Administração do Sistema Judiciário (Ibraju).   

PUBLICADO POR: O meio ambiente da Amazônia exige maior aprofundamento (conjur.com.br) 

Consultor Jurídico CONJUR

i Globo. com. Disponível em: https://g1.globo.com/mundo/noticia/2012/09/estudo-comprova-que-desmatamento-da-amazonia-afeta-chuvas-ate-na-argentina.html. Acesso em 18 fev. 2022.

ii Recanto das Letras: “A SEMA criou e estabeleceu 3 milhões e duzentos mil hectares em 26 Estações Ecológicas. Foi o idealizador do Conselho Nacional do Meio Ambiente (CONAMA) e da Política Nacional de Meio Ambiente (Lei nº 6.938/81), lançando as bases administrativas, legais e técnicas para o surgimento do Ministério do Meio Ambiente (MMA)”. Disponível em: https://www.recantodasletras.com.br/homenagens/5533309. Acesso em 18 fev. 2022.

iii Agência Brasil. Disponível em: https://agenciabrasil.ebc.com.br/geral/noticia/2021-11/desmatamento-na-amazonia-legal-tem-aumento-de-2197-em-2021#:~:text=Mapeamento%20%C3%A9%20feito%20com%20base%20em%20imagens%20do%20sat%C3%A9lite%20Landsat&text=O%20Instituto%20Nacional%20de%20Pesquisas,a%2031%20julho%20de%202021.. Acesso em 18 fev. 2022.

iv G1 Amazonas. Disponível em: https://g1.globo.com/am/amazonas/noticia/2021/11/26/dragas-e-barcos-de-garimpeiros-comecam-a-deixar-rio-madeira-no-am.ghtml. Acesso em 18 fev. 2022.

v Natura. Disponível em: https://www.natura.com.br/blog/sustentabilidade/natura-e-amazonia-nossas-iniciativas-pela-conservacao-da-floresta-e-pelas-pessoas?gclid=CjwKCAiAx8KQBhAGEiwAD3EiPwnzGxp5uIqkgVWnSSFvRfg1fqokhO_ZSn758MlZlRjKC8q-mmjyRBoCg1MQAvD_BwE&gclsrc=aw.ds. Acesso em 18 fev. 2022.

vi Gov.br Ministério da Justiça e Segurança Pública. Disponível em: https://www.gov.br/pf/pt-br/assuntos/noticias/2019/12/pf-prende-carga-ilegal-de-cerca-de-10-mil-peixes-no-amazonas. Acesso em 19 fev. 2022.

vii Pará Rede Liberal. Disponível em: https://g1.globo.com/pa/para/noticia/2022/01/28/policia-federal-realiza-acao-contra-o-trafico-internacional-de-peixes-ornamentais-no-para.ghtml. Acesso em 18 fev. 2022.

viii IBGE, PIB de 2019. Disponível em: https://www.ibge.gov.br/explica/pib.php. Acesso em 22 fev. 2022.

ix Gov.br. Disponível em: https://www.gov.br/pt-br/noticias/justica-e-seguranca/2020/05/operacao-verde-brasil-2-ja-aplicou-mais-de-r-16-milhoes-em-multas. Acesso em 18 fev. 2022.

x Anal Agro. Disponível em: https://summitagro.estadao.com.br/agro-no-brasil/agrocenarios/entenda-por-que-as-queimadas-prejudicam-o-agronegocio-brasileiro/. Acesso em 18 fev. 2022.

xi FREITAS, Vladimir Passos de. Os impactos ambientais do pacto ecológico europeu no Brasil. Revista eletrônica Consultor Jurídico, 26 set. 2021. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2021-set-26/segunda-leitura-impactos-ambientais-pacto-ecologico-europeu-brasil. Acesso em 18 fev. 2022.

xii FREITAS, Vladimir Passos de. A adesão do Brasil à OCDE e os reflexos sobre a proteção do meio ambiente. Revista eletrônica Consultor Jurídico, 6 fev. 2022. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2022-fev-06/segunda-leitura-adesao-brasil-ocde-reflexos-protecao-meio-ambiente. Acesso em 18 fev. 2022.