Medida governamental reduziu ainda mais o preço para privatização de terras públicas, que já era muito abaixo do mercado
Responsável por 40% do desmatamento na Amazônia no ano passado, de janeiro a novembro, o Pará criou um decreto que permite dar um desconto de R$ 6,7 bilhões na privatização de terras estaduais. Na prática, essa medida governamental beneficiará ainda mais quem cometeu os crimes de invasão e desmatamento de florestas públicas — que já podia obter a posse das áreas por um preço muito abaixo do mercado. Com isso, o estado que mais desmata na Amazônia incentiva oficialmente a continuidade da destruição da floresta, ao invés de combatê-la.
O cálculo desse subsídio foi publicado nesta quinta-feira (06) em uma nota técnica do Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon). Válida para áreas acima de 100 hectares e até 2.500 hectares, a decisão governamental foi tornada pública em junho do ano passado, por meio do Decreto Estadual n.º 1.684/2021.
Conforme a análise do Imazon, o preço médio final das terras públicas estaduais era de R$ 137 por hectare antes do decreto. Com a mudança, passou para R$ 44, uma redução de 68%. Esse novo valor representa apenas 1,2% do custo médio cobrado por hectare no mercado de terras no Pará, de R$ 3.684.
Com base nesse preço, os pesquisadores calcularam o subsídio ao selecionar 5.450 imóveis rurais de 100 a 2.500 hectares cujo Cadastro Ambiental Rural (CAR) está sobreposto a áreas públicas estaduais ainda sem uso definido. Ou seja: que ainda não foram oficializadas como terras indígenas, territórios quilombolas, unidades de conservação ou até mesmo privatizadas. Segundo os autores da nota, essas terras sem destinação são as preferidas dos grileiros, pessoas que invadem e desmatam ilegalmente florestas públicas para obter a posse das áreas e, posteriormente, lucrar com a venda delas.
Apesar do CAR não representar um documento válido para definição da regularização fundiária, os pesquisadores utilizaram esse dado como uma estimativa. Isso porque o Instituto de Terras do Pará (Iterpa) não disponibiliza, mesmo quando solicitado, a informação pública da delimitação das áreas com solicitação de posse em terras estaduais.
Além disso, como as regras do estado só impedem a privatização de terras com 100% de cobertura florestal, os especialistas incluíram áreas com até 99% de floresta entre as selecionadas para a análise. Isso significa que áreas predominantemente florestais podem ser privatizadas por preços irrisórios de acordo com as normas vigentes.
Conforme a publicação, o cálculo do subsídio corresponde à diferença entre o preço médio de mercado e o que deve ser cobrado pelo governo estadual após o decreto para venda desses 5.450 imóveis, que somam 1,8 milhão de hectares. No mercado, eles seriam vendidos em média por R$ 6,797 bilhões. Já pelo governo, o valor cobrado pelo novo decreto é estimado em R$ 95 milhões.
Isso significa que, com a nova regra, o subsídio em relação ao preço de mercado chega a R$ 6,702 bilhões. Apenas comparando o preço cobrado pelo estado antes e depois do decreto, o valor que deixaria de ser arrecadado com a privatização dessas áreas é de R$ 247 milhões.
“Não se combate o desmatamento aplicando os mesmos incentivos que historicamente contribuíram com a ocupação ilegal e a destruição da floresta para comprovar a posse das terras públicas. Enquanto houver a expectativa de legalização dessas áreas invadidas e devastadas, seguida de altos lucros dos invasores com a venda delas quando privatizadas, continuaremos assistindo esse ciclo de grilagem. O caso paraense é, infelizmente, mais um exemplo dessa prática de desvalorização de terras públicas que observamos na Amazônia” explica a pesquisadora do Imazon Brenda Brito, coordenadora da nota técnica.
Pesquisadores recomendam cobrança do valor de mercado
Para contribuir com o combate efetivo do desmatamento no Pará, os autores da nota técnica recomendam que o estado passe a cobrar o valor de mercado para a privatização de terras públicas. Caso contrário, novas invasões e desmatamentos ilegais devem seguir acontecendo, incentivados pela especulação imobiliária: a manutenção do chamado “ciclo de grilagem” citado pela pesquisadora.
“Não há evidências de que vender terra pública a preços baixos resulte em práticas sustentáveis e geração de emprego no campo. Se essa é a intenção do governo, os subsídios e incentivos devem ser direcionados apenas aos produtores rurais que seguem regras ambientais e demonstram uso sustentável da terra. Afinal, estamos tratando de patrimônios e recursos públicos, que pertencem à sociedade, e que devem ser usados para beneficiar a coletividade”, completa a especialista.
Outra recomendação da nota é que o Pará passe a exigir de todos que solicitam a posse de terras estaduais que foram desmatadas ilegalmente a oficialização, antes da venda, de um compromisso para a regularização ambiental das áreas. Tal medida, conforme os pesquisadores, facilitará a fiscalização e agilizará a cobrança e a punição em caso de descumprimento do acordo.
Pará desmatou quase 4 mil km² de janeiro a novembro
Dos nove estados que integram a Amazônia Legal, apenas o Pará foi responsável por 40% dos alertas de desmatamento de janeiro a novembro de 2021. Segundo o monitoramento do Imazon por imagens de satélite, dos 10.222 km² de mata nativa destruídos na região, 3.992 km² ficam no Pará.
Leia aqui a nota técnica completa
ÍNTEGRA DISPONÍVEL EM: IMAZON
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