A exposição do fotógrafo brasileiro, resultado de seis anos de trabalho numa parte da maior floresta tropical do mundo, está ainda aberta até 13 de fevereiro no MAXXI, em Roma. Nesta viagem, o encontro com uma natureza impressionante e com comunidades de povos indígenas preocupados com o destino de um patrimônio único que não dever ser destruído por cobiças predatórias sem escrúpulos.
É a imersão de todos os sentidos numa parte do mundo que sempre nos deve preocupar. Resultado de seis anos de viagens à Amazônia brasileira, até mesmo onde nenhuma civilização ocidental jamais foi, a exposição fotográfica de Sebastião Salgado é encanto e solenidade, mistério e encontro. Acima de tudo, é um convite ao abandono de toda cobiça predatória e à escuta de homens e mulheres orgulhosos, guardiães de majestosa e frágil beleza. Abandonar-se aos sons autênticos da floresta, à plumagem dos animais que se torna um ornamento, à lama que se torna uma máscara.
O maior laboratório natural do mundo
Atravessar as trajetórias projetadas pelos painéis fotográficos pendurados no teto, e mover-se, descobrindo ambas as faces da superfície em preto e branco, e depois parar diante das imagens no perímetro da sala, e depois ainda entrar e sair das ‘ocas’, que reproduzem as habitações indígenas típicas no coração da selva, é verdadeiramente como acompanhar o autor da viagem, penetrando, com respeito e admiração, através de entradas difíceis e desconcertantes, onde se misturam a suspeita e a curiosidade, a permeabilidade e defesa. Tem-se a impressão de se poder tocar com as mãos os ‘rios voadores’, carregados de humidade, que influenciam os padrões climáticos de todo o planeta e sofrem os efeitos do aquecimento global.
Se desaparecessem à intercepção de olhares de cima, isso significaria que a floresta já não existiria mais. E o risco é constante, caminha inexoravelmente. Visitar Amazônia é também tocar os picos inesperados que se erguem das terras baixas, para se ligar às ilhas na corrente do Rio Negro, com os seus contornos sempre em mudança. É nadar entre vapores, chuvas tão intensas que assumem o aspecto de um cogumelo atômico. Névoas, árvores vertiginosas, barcos contra o sol, que riscam um mapa conhecido apenas pelos mais habilidosos.
Nas ‘ocas’ dos indígenas
E assim o que é uma terra inacessível e insondável já não é assim, aparentemente distante, mas extremamente próxima. Como em todos os trabalhos do mestre Salgado, que sempre esteve atento a fornecer-nos imagens de humanidade em movimento, ferida, silenciada, esta viagem também envolve esforços logísticos, técnicos e relacionais extraordinários. Por detrás das imagens de grupos familiares representados ou retratos individuais, há todo um tempo de espera a ser imaginado, toda a duração daqueles que entram sem invadir. Salgado visitou uma dúzia de tribos indígenas que existem em pequenas comunidades espalhadas pela maior floresta tropical do mundo, documentando a sua vida diária, os seus laços familiares calorosos, a sua caça e pesca, a forma como preparam e partilham as suas refeições, o seu maravilhoso talento para pintar os seus rostos e corpos, o significado dos seus pajés, as suas danças e rituais.
E assim aprendemos que durante as festas mais importantes, as comunidades do Xingu, que aguardam a visita de membros de outras aldeias, preparam bastante comida para oferecer aos seus convidados durante a sua estadia, certificando-se de que levem alguma durante o seu regresso a casa. Aprendemos que entre os Suruwaha, a conclusão do telhado de uma cabana, se feita por um só homem, pode demorar até três anos de trabalho. Depois encontramos os Marubo de Maronal, que vivem em casas comunitárias espaçosas, mas também têm pequenas cabanas localizadas ao redor da principal maloca onde armazenam ferramentas, máscaras rituais ou armas de fogo. Os Zo’é (que significa ‘Eu sou eu’) também estão presentes no Estado do Pará.
É provável que tenham usado esta expressão no momento do primeiro contato, como se dissessem “nós somos pessoas”. Desta comunidade indígena, reconhecível pelo costume de enfiar um pedaço de madeira debaixo do queixo como um piercing, é a fotografia – esta não a de Salgado, claro – de um jovem carregando o seu pai sobre os ombros, caminhando pela floresta durante horas a fio numa tentativa de chegar ao local de vacinação para a vacina Covid-19. Ficou viral num instante. Um sinal do fascínio que ela exerce sobre o “distante”. Uma espécie de Anchise e Enéas contemporâneos que falam de teimosia, obstinação, coragem, solidez das relações familiares. É um só com animais e plantas, os reflexos da vegetação sobre a água, os reflexos sobre pinturas corporais para as festas, ou para afastar a preguiça.
“A Amazônia deve continuar a viver”
Os sonhos expressos pelo Papa Francisco na Querida Amazonia para uma terra que luta pelos direitos dos mais pobres, dos povos originais, onde as suas vozes são ouvidas e a sua dignidade promovida, e que defende a riqueza cultural que a distingue, e guarda ciosamente a irresistível beleza natural que a adorna, podem ser todos vistos nesta exposição. “Queremos que esta terra não seja destruída”, testemunham os líderes das comunidades indígenas encontradas por Salgado em vídeos realizados ao longo do caminho. No prefácio do catálogo Salgado escreve: “Para mim, é a última fronteira, um universo misterioso próprio, onde o imenso poder da natureza pode ser sentido como em nenhum outro lugar na terra. Aqui há uma floresta que se estende até ao infinito, contendo um décimo de todas as espécies vivas de plantas e animais, o maior laboratório natural do mundo. O meu desejo, com todo o meu coração, com toda a minha energia, com toda a paixão que possuo”, espera Salgado, “é que daqui a 50 anos este livro não se assemelhe a um registro de um mundo perdido. A Amazônia deve continuar a viver”.
Antonella Palermo – Vatican News
PUBLICADO POR: VATICAN NEWS
Deixe um comentário