Epopeia Acreana 1ª Parte – XXV
A Canhoneira U.S.S. Wilmington – V
Cidade do Rio, n° 151
Rio de Janeiro, RJ – Segunda-feira, 26.06.1899
Telegramas ‒
Serviço Especial da Cidade do Rio ‒ New York, 26
O “World”, comentando a destituição (?) do Comandante da “Wilmington”, diz não pararem ali as medidas do governo pois deverão ser igualmente destituídos um ou mais cônsules que tem se imiscuído nos negócios amazônicos. […] (CDR, n° 151)
República, n° 118
Belém, PA – Segunda-feira, 26.06.1899
O Acre e a “Wilmington”
Rio, 26. – Despachos de New York, aqui recebidos hoje, dizem que o Governo dos Estados Unidos demitiu ([1]) do cargo de Comandante da “Wilmington” o Capitão-de-Fragata Todd.
O Presidente MacKinley reprovou a excursão deste navio pelo Amazonas e as relações que Todd entreteve com os peruanos que fizeram a Revolução em Iquitos. O motivo principal da demissão do Comandante Todd foi o ter este oficial pedido ao seu Governo a intervenção da América do Norte com o fim de, tornar independentes os territórios do Acre. (JR, n° 118)
Jornal do Brasil, n° 186
Belém, PA – Quarta-feira, 05.07.1899
Pela Diplomacia – No Consulado Americano ‒ O Comandante da Wilmington
O Sr. Dawson, Secretário da legação americana, teve a gentileza de nos informar a respeito da notícia publicada há dias pelos jornais da capital sobre a demissão dada pelo governo americano ao Cmt da “Wilmington”, Capitão Sr. C. C. Todd, e a qual S. Exª declara não ser verdadeira. […] (JDB, n° 186)
Mensagem, n° 001
Manaus, AM ‒ Segunda-feira, 10.07.1899
Relatório dos Presidentes dos Estados Brasileiros
Obedecendo ao preceito do pacto fundamental deste Estado, cabe-me hoje trazer ao vosso conhecimento o ocorrido na administração, durante o intervalo contado desde a legislatura encerrada em 1898 até a que agora se abre, apresentando-vos resumidamente os fatos e acontecimentos mais importantes dos negócios públicos e as medidas por mim tomadas no Governo e que submeto à vossa apreciação e aprovação. […]
O Amazonas é o Extremo Norte do Brasil e torna-se preciso que o nosso grande Estado, talvez o de mais futuro da União, concorra para a grandeza do Brasil, se esforce por apertar esses laços da Federação, essenciais para opor barreiras à avidez daqueles que, nos julgando fracos, devido a lutas intestinas, pensam ser chegado o momento da invasão, da conquista, apossando-se do território ou sobre ele lançando vistas desonestamente cobiçosas. A coesão dos diferentes Estados da União Brasileira é uma necessidade indeclinável da hora presente, único meio de pôr um paradeiro às ambições que em torno das nossas fronteiras se agitam. Temos a obrigação de ser fortes, se queremos viver como nação, e o único meio de consegui-lo é cada vez mais estreitar os laços da federação, guardando a maior solidariedade com os interesses e a vida da União.
Falei-vos de ambições que se nos agitam em torno das fronteiras e de uma dessas ambições deveis ter inteiro conhecimento, porque explodiu ela aqui, na zona limítrofe do Amazonas com a Bolívia. Os fatos da ocupação Paravicini no Rio Acre não são ignorados de vós, trouxeram eles tais perturbações à vida do nosso Estado, que a nenhum habitante do Amazonas são indiferentes. O Tratado de 1867 entre o Brasil e a Bolívia estabelecera um “modus vivendi” entre as duas nações, tomando por base o “uti possidetis”. O Protocolo Carvalho-Medina, de 19.02.1895, pretendera resolver o tradicional litígio, que vem dos tempos coloniais, como se vê do Tratado de 1777 entre Portugal e a Bolívia, entregando a uma Comissão Mista a demarcação da fronteira Brasil-boliviana.
Iniciados os trabalhos da Comissão, sob a chefia dos Coronéis Thaumaturgo de Azevedo, por parte do Brasil, e Pando, pela da Bolívia, motivos de ordem superior levaram aquele a pedir demissão do cargo, continuando as operações sob a direção do Capitão-Tenente Cunha Gomes. Uma linha divisória foi traçada e deram-se por findos os trabalhos. Todavia, não havendo sido, pelo Congresso Nacional, aprovado o Protocolo Carvalho-Medina que dera origem à Comissão Mista, claro que nenhum valor podia ter os trabalhos desta. Assim não o pensou o Governo Boliviano. Em Agosto de 1898 apareceu-me aqui, no Amazonas, o Ministro boliviano D. Juan Francisco Velarde, comunicando desejar estabelecer uma alfândega na zona territorial do Acre: declarei-lhe imediatamente que a isto me opunha, enquanto o Governo Federal não decidisse a respeito, e imediatamente nesse sentido oficiei ao Sr. Ministro do Exterior, Gen Dionysio de Cerqueira. Retirou-se D. Juan Velarde sem haver conseguido o seu intento.
Não haviam, porém, esfriado as pretensões da Bolívia. Forte o Governo Boliviano do Tratado Carvalho-Medina de 31.07.1896, Tratado não aprovado pelo Congresso Nacional que nem a respeito emitiu parecer, não abandonou o intento de fundação de alfândega na zona do Acre. Estabelecera o referido Tratado a fundação de alfândegas mistas, mas o Governo Boliviano foi mais longe, querendo apossar-se de uma larga facha do território no Acre e aí fundando, uma alfândega inteiramente boliviana.
O Ministro Boliviano Dr. José Paravicini, a 19.12.1898, aportava aqui em Manaus, com o intento de ocupar o Território brasileiro do Acre e, efetivamente, a 03.01.1899, dele tomava posse em nome do Governo da Bolívia, três milhas acima da linha divisória traçado por Cunha Gomes.
Arvorada nesse local a bandeira boliviana, foi logo fundada a povoação de Puerto Alonso onde ia ser instalada a alfândega, instalação que se deu logo, baixando, em 1° de fevereiro, um singular Decreto o Dr. Paravicini, Decreto atentatório ao direito internacional!
A indignação provocada pela ocupação Paravicini foi logo geral em toda a nação brasileira; aqui entre nós houve movimento condenando-a, mas, persuadido eu de que assunto de tamanha importância, entendia com atribuições dos poderes da União, esforcei-me em sentido a que a paz não fosse perturbada nas regiões da fronteira ocupada, apesar das vexações que a referida ocupação trazia a cidadãos brasileiros ali residentes e das exações do fisco das autoridades aduaneiras de Puerto Alonso. Convindo, porém, cientificar de tudo o que se passara ao Governo Federal, incumbi o Dr. Pedro Regalado Epiphânio Baptista de ser órgão dos interesses do Amazonas perante a União, enviando-o em missão especial, assim foi feito e pelo dito enviado foi entregue ao Governo o meu “memorandum”, historiando os fatos da ocupação do Acre e narrando as vexações, os abusos de que eram vítimas cidadãos brasileiros na zona ocupada.
Outro procedimento não me podia ser aconselhado pela prudência, não querendo suscitar embaraços à União, não obstante espíritos exaltados, difíceis de conter, quererem à viva força expulsar os bolivianos do Acre, expulsão a que sempre me opus, e que, se realizou, depois da retirada do Ministro Paravicini, não teve da minha parte senão a mais severa condenação, enviando eu, logo que dela tive conhecimento, força e instruções de maneira a restabelecer a ordem pública, afim de evitar complicações internacionais em uma questão pendente dos poderes da União.
A ocupação boliviana no Acre trouxe a este Estado e ao do Pará não pequena perturbação nas relações econômicas desfalcando ao Amazonas em não menos de três mil contos da sua receita. Essa ocupação não tinha a favor nem o “uti possidetis” do Tratado de 1867, que a zona era habitada por brasileiros, como o prova o ato de tomar posse, a 3 de janeiro do corrente ano, em nome da Bolívia, o Dr. José Paravicini, nem tampouco o Tratado Carvalho-Medina que só estabelecera as alfândegas mistas na zona contestada. Era uma ocupação violenta, pelas armas, prejudicando ao Amazonas, não há dúvida, mas nem por isso devia o meu Governo praticar atos de hostilidade que pusessem a União na contingência de declarar guerra a uma nação limítrofe guerra que, por mais vantajosa que parecesse, ainda assim acarretaria dificuldades ao Governo da República, empenhado em restabelecer o crédito do país no estrangeiro.
Não quis essa responsabilidade, a de levar o país a um conflito internacional em que o sangue brasileiro corresse, certo de que cumpria o meu dever, guardando uma atitude prudente e esperando de quem de direito a solução do litígio com a Bolívia.
Vós, senhores membros do Congresso do Amazonas, direis se soube cumprir o meu dever de chefe da administração e de cidadão, se nesta emergência soube corresponder à vossa confiança, não querendo por este Amazonas opulento à mercê, da desordem, perturbada violentamente a paz na sua fronteira, ameaçada a tranquilidade pública por movimentos de espíritos irrequietos e exaltados. Em todo este fato da ocupação do Acre, limitou-se o meu papel, como chefe do Governo do Estado, a levar ao conhecimento do Governo Federal todo o ocorrido, esperando dos poderes da União uma solução que me não cumpria dar.
Até as últimas cartas abertas, escritas pelo Dr. Paravicini, no momento da sua retirada, quando de passagem aqui e no Pará, seguiram em original para o Ministério do Exterior, acompanhadas apenas de leves considerações e contestações a tópicos que encerravam fatos despidos de verdade. Zelando a causa do Amazonas, convicto como estou de que o território ocupado nos cabe de direito, embora o meu sentimento de brasileiro se revoltasse com o que considerava e considero uma abusiva tomada de posse da Bolívia, não me deixei por ele levar, refletindo seriamente nos resultados que um outro proceder meu traria à União.
Estamos numa época em que o patriotismo não mais decide as questões internacionais a golpes de sentimento, mas de habilidade, de tino, de sagacidade diplomática; é a razão quem vence e não o sentimento que muitas vezes, longe de conseguir o que o patriotismo deseja, compromete a causa da Pátria, fazendo perder com suas manifestações o que, com circunspecção e prudência, se alcançaria, criando embaraços e dificuldades à diplomacia. Sobre a questão da ocupação boliviana do Acre, é quanto me incumbe dizer, declarando-vos, contudo, que fio do ([2]) Governo da União que breve teremos uma solução em que triunfe o nosso direito, em que os interesses dos brasileiros residentes no Território ocupado tenham sua legítima satisfação, de forma a compensá-los do que sofreram com as exigências, vexações e exações dos delegados bolivianos.
Como se não bastasse a questão boliviana para trazer obstáculos à boa administração deste Estado, um outro incidente de ordem diplomática veio pôr em dificuldades o meu Governo. Um vaso de guerra norte–americano.
A canhoneira “Wilmington”, destinada pelo governo da grande República a cruzar nas costas da América Meridional, aportou no Pará aonde teve fidalgo acolhimento. Aí o seu Comandante, o Sr. Todd, talvez ignorando as condições do Decreto, que abriu a navegação do Amazonas à marinha mercante estrangeira, revelou desejos de subir o Rio até Iquitos, numa viagem de exploração. Solícito a atender à vontade dos seus ilustres hóspedes, segundo se vê de jornais publicados nessa data em Belém, S. Exª o Governador do Pará ofereceu os seus bons serviços ao Cônsul dos Estados Unidos nesta região da Amazônia, a fim de obter do Governo Federal a necessária licença para o empreendimento do vaso norte-americano, telegrafando nesse sentido ao Ministro do Exterior.
Aconteceu, porém, que, impacientes, pouco amigos de perder tempo como soem ser os indivíduos da raça anglo–saxônica, o Comandante e oficiais da “Wilmington” não esperaram pela licença e vieram Rio acima até ancorar no porto de Manaus, trazendo de conserva ([3]) o Cônsul da sua nação. Aqui chegados, depois da visita de estilo, revelaram-me o intuito de subir até Iquitos, ao que lhes ponderei que, sem licença que obtivessem do Governo da União, não me era dado consentir que o fizessem.
Nada objetaram na ocasião, corresponderam ao acolhimento que se lhes fazia, foram recebidos com a maior efusão na melhor sociedade da terra e um dia, como lhes tardasse a licença pedida, vieram despedir-se, declarando voltar ao Pará. Não o fizeram, porém, subiram o Rio até Iquitos, depois de aliciarem práticos, gastaram bastante tempo na viagem, salvaram em Tabatinga o Forte do Governo, e de volta a Manaus apresentou–se–me o Comandante da “Wilmington” a fim de ser recebido em audiência, o que recusei imediatamente, visto considerar de atentatório da dignidade nacional o proceder do vaso de guerra–americano.
Já então havia, eu comunicado a S. Exª o Ministro do Exterior a singular ocorrência, como também o havia feito o ilustre Capitão do porto Baptista Franco, informando miudamente sobre o fato, especialmente sobre a conduta havida quanto aos práticos a quem se considerou de cidadãos norte–americanos, por uma rápida naturalização feita a bordo, a fim de os subtrair à penalidade que o seu procedimento lhes acarretaria.
Em resposta a quanto disse sobre o fato ao Ministro do Exterior, recebi comunicação em que se me dizia que a “Wilmington” subira o Rio sem autorização do Governo Federal, não porque este estivesse disposto a negá-la, mas porque o Cônsul norte-americano não fizera o pedido por escrito, como de praxe em questões destas. Pelos jornais tive conhecimento de que S. Exª o Ministro do Exterior conferenciara a respeito com o Sr. Page Bryan, Ministro plenipotenciário norte-americano, que na emergência não guardou quanta correção deverá guardar, negando-se a outra explicação ou satisfação, além da verbal que dera.
É para lamentar que assim fosse, a dignidade nacional sofreu com esse proceder, mas o meu governo, embora o deplore, alimenta a consolação de haver protestado, dentro das normas corretas das nações civilizadas, contra essa violação do seu direito, a de vir um navio de guerra de nação estrangeira, sem licença da União, navegar nas águas do maior Rio da Pátria, o Decreto que abriu a navegação do Amazonas às nações estrangeiras só o fez à Marinha Mercante. Foi um protesto moral em nome do direito, que outra não podia ser a norma de proceder do meu governo em tão melindroso incidente. (RPE, n° 001)
Por Hiram Reis e Silva (*), Bagé, 17.12.2021 – um Canoeiro eternamente em busca da Terceira Margem.
Bibliografia
CDR, n° 151. Telegramas – Serviço Especial da Cidade do Rio – Brasil – Rio de Janeiro, RJ – Cidade do Rio, n° 151, 26.06.1899.
JDB, n° 186. Pela Diplomacia – No Consulado Americano – O Comandante da Wilmington – Brasil – Belém, PA – Jornal do Brasil, n° 186, 05.07.1899.
JR, n° 118. O Acre e a “Wilmington” – Brasil – Belém, PA – República, n° 118, 26.06.1899.
RPE, n° 001. Mensagem Lida Perante o Congresso dos Srs. Representantes em Sessão Ordinária, em 10.07.1899, pelo Exm° Sr. José Cardoso Ramalho Júnior – Governador do Estado – Brasil ‒ Manaus, AM ‒ Relatórios dos Presidentes dos Estados Brasileiros – Mensagem, n° 001 ‒ Imprensa Oficial, 10.07.1899.
(*) Hiram Reis e Silva é Canoeiro, Coronel de Engenharia, Analista de Sistemas, Professor, Palestrante, Historiador, Escritor e Colunista;
- Campeão do II Circuito de Canoagem do Mato Grosso do Sul (1989)
- Ex-Professor do Colégio Militar de Porto Alegre (CMPA) (2000 a 2012);
- Ex-Pesquisador do Departamento de Educação e Cultura do Exército (DECEx);
- Ex-Presidente do Instituto dos Docentes do Magistério Militar – RS (IDMM – RS);
- Ex-Membro do 4° Grupamento de Engenharia do Comando Militar do Sul (CMS)
- Presidente da Sociedade de Amigos da Amazônia Brasileira (SAMBRAS);
- Membro da Academia de História Militar Terrestre do Brasil – RS (AHIMTB – RS);
- Membro do Instituto de História e Tradições do Rio Grande do Sul (IHTRGS – RS);
- Membro da Academia de Letras do Estado de Rondônia (ACLER – RO)
- Membro da Academia Vilhenense de Letras (AVL – RO);
- Comendador da Academia Maçônica de Letras do Rio Grande do Sul (AMLERS)
- Colaborador Emérito da Associação dos Diplomados da Escola Superior de Guerra (ADESG).
- Colaborador Emérito da Liga de Defesa Nacional (LDN).
- E-mail: [email protected].
[1] Todd encerrou sua carreira, apenas em 1902, como Contra-Almirante.
[2] Fio do: confio no.
[3] Conserva: companhia.
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