Epopeia Acreana 1ª Parte – XVI
O Acre na Imprensa – IV
A Imprensa, n° 811
Rio, RJ – Sexta-feira, 21.12.1900
O Acre
Expedição Rodrigo de Carvalho
Prisão de D. Lucio Velasco
Enquanto reunimos e coordenamos os elementos de prova para a completa defesa do integérrimo Coronel Silvério A. Nery contra as injustas acusações formuladas pelo Sr. Ministro da Bolívia nesta capital, hão de permitir os leitores que chamemos a sua atenção para as últimas notícias do Acre, de que foi ontem portador o paquete “Alagoas”, do Lloyd Brasileiro.
Ocupa o primeiro lugar, entre as notícias mais importantes, a da prisão de D. Lucio Velasco, atual Vice-presidente da Bolívia e um dos chefes superiores do Expedição Militar que o seu país mandou ao Acre, para ali garantir o seu domínio. Na edição da “Imprensa” correspondente ao dia 13 deste mês referindo-nos às posições que ocupavam as Forças de D. Lucio Velasco, acampadas em Capatará e as de Gentil Norberto, o Chefe acreano incumbido da resistência à dominação boliviana, tivemos ocasião de escrever:
Gentil Norberto, a fim de cortar a retirada de Velasco, estendera uma linha de valentes soldados bem armados e municiados ao Sul de Capatará. Contra o próprio Vice-presidente da Bolívia expediu o Dr. Gentil Norberto uma ordem de prisão.
Sempre nos julgamos dispensados de provar a veracidade das notícias publicadas nestas colunas, ainda quando isso nos seja contestado por entidades superiores como o Sr. Salinas Vega. Por isso mesmo, não faremos maior número de comentários à notícia que ontem nos chegou do Amazonas, relatando minuciosamente a prisão de D. Lucio Velasco pelo Dr. Gentil Norberto, tal como este Chefe se propusera a realiza-la. É do “Commercio do Amazonas”, cuja fonte de informações é fidedigna, que transcrevemos a seguinte notícia, publicada em sua edição de 23 de novembro:
Por carta fidedigna vinda no “Antonio Olyntho” sabemos que o Dr. Gentil Norberto que é o chefe da Expedição Acreana, com dez companheiros, conseguiu aprisionar D. Lucio Velasco, Vice-presidente da república da Bolívia, quando, este descia o Rio Acre, com pequeno séquito em demanda de Puerto Alonso, julgando achar-se tudo pacificado.
O Dr. Gentil Norberto, obtendo, porém, a palavra do prisioneiro de que não voltaria a Puerto Alonso, deu-lhe liberdade e aos seus companheiros. Consta, porém, que D. Lucio Velasco, desesperado com a façanha dos heroicos moços acreanos, jurou vingar-se. Não juraria vingar-se, garantimo-lo nós, se no lugar do Dr. Gentil Norberto estivesse o Coronel Rodrigo de Carvalho… E dizemos isto porque lhe conhecemos as ideias. Se por ventura D. Lucio Velasco ou outro chefe da Expedição Boliviana lhe cair nas mãos, não voltará a Bolívia senão depois de preenchidas certas formalidades, muito em uso em casos de guerra.
Pelas últimas notícias de Manaus, sabemos que o vapor nacional “Labrea”, saído do Pará a 13 do mês findo com destino ao Alto Purus, foi detido ali por ordem da alfândega, para averiguações no seu carregamento, visto haver sido denunciado que o mesmo vapor conduzia víveres e armamento para os bolivianos que operam no Acre.
O comandante do “Labrea”, Sr. João Baena, lavrou um competente protesto.
Chegaram boas notícias do Coronel Rodrigo de Carvalho e de seus abnegados companheiros de Expedição.
A polícia de Manaus mandou abrir inquérito a respeito da saída clandestina da lancha blindada “Alonso”, ficando provado que esta lancha, tripulada por soldados bolivianos, depois de se ter posto à fala com o vapor “Labrea”, na boca do Rio Negro, e de ter recebido carregamentos, que lhe foram transportados daquele vapor, subiu o Solimões em demanda do Purus. A polícia do porto multou os seus consignatários em 100$000.
O inspetor da alfândega de Manaus multou em 500$ os proprietários do vapor “Solimões” por ter sido este encontrado rebocando a lancha “Alonso”. A esse respeito escreveu o “Amazonas Commercial”:
Fomos ontem já tarde, informados que o Sr. inspetor da alfândega desta capital multou na importância de 500$, os armadores do vapor “Solimões”, que deste porto saíra legalmente, na noite de 14 do corrente.
Baseou-se o chefe da repartição aduaneira para assim proceder, em ter, diz S. S., a citada embarcação, levado a reboque a lancha boliviana “Alonso”, que, segundo a Imprensa noticiou, desapareceu deste porto na mesma noite. Em que se baseia o Sr. inspetor da alfândega para assim proceder, quando S. S. já deve ter conhecimento de um inquérito procedido na polícia de que resultou saber-se que a lancha boliviana se evadira deste porto, isso provado pelos depoimentos conhecidos? S. S. agravou uma situação; deu direito a notas diplomáticas; menoscabou de um inquérito policial feito com severa imparcialidade e obriga-nos a perguntar por que não exerceu a sua atividade, quando a embarcação boliviana estava neste quadro, com armamentos, tendo, até, à proa, um canhão de tiro rápido. (A IMPRENSA, N° 811)
A Imprensa, n° 813
Rio, RJ – Domingo, 23.12.1900
O Acre
Queixas Infundadas
Cassação de Direitos Bolivianos no Acre
O procedimento do governador do Amazonas relativamente à agitação acreana tem sido pautado pelas normas da mais estrita neutralidade. O Coronel Silvério Nery, conhecedor da gravidade da questão, ao ser eleito para aquele supremo cargo, não quis embarcar para Manaus, a fim de tomar conta do governo, sem antes conferenciar com os Srs. Presidente da República e Ministro das Relações Exteriores e se informar positivamente da maneira de pensar de ambos os ilustres estadistas sobre o que se passava no Acre, entre os povoadores da região amazônica e os dominadores bolivianos.
Levando para o governo do Estado as inspirações do Governo Federal, com as quais concordava plenamente, o Sr. Cel Nery não tem agido de maneira a merecer reparos justos de quem quer que seja. E o ilustre Ministro da Bolívia há de concordar que as suas queixas e recriminações contra o governador do Amazonas não se fundamentam em fatos reais e que lhe não fica bem, perdoe-nos S. Exª, esquecer-se tão cedo do cavalheirismo do Cel Nery, a quem, antes de partir para Manaus, ofereceu em Petrópolis um lauto banquete, enaltecendo, por ocasião dos brindes, além de outras qualidades cívicas, o espírito de justiça e independência de caráter do seu comensal.
Por que o Cel Silvério Nery não há de continuar a merecer do Sr. Salinas Vega o mesmo conceito, quando, como administrador, tem sido o mais imparcial possível, a ponto de sacrificar sentimentos, amizades e até interesses do estado, em benefício do que unicamente lhe parece justo e equitativo? Não sabemos ao certo qual tenha sido o ato praticado pelo Cel Silvério Nery, que tanto possa ter irritado os nervos do Sr. Ministro da Bolívia; mas, para a plena defesa do integérrimo governador do Amazonas aí estão os fatos, que falam mais alto que todos os argumentos usados para pretender molestá-lo. Começaremos hoje por apontar um fato, cuja eloquência não se contesta.
Quando os revolucionários acreanos se achavam em Manaus a braços com sérias dificuldades, surgidas à última hora, o governador do Amazonas tinha em seu poder 300.000$ de direitos arrecadados da borracha procedente da região convulsionada, em navios cujos porões traziam o selo do “Estado Independente do Acre”. De acordo com instruções do Sr. Ministro da Fazenda, o Coronel Nery podia entregar essa forte soma ao agente financeiro do Acre, Dr. João do Alencar Araripe.
Entretanto, não o fez, mandou recolher essa importância aos cofres da delegacia fiscal do tesouro da União, onde se acha em depósito. De posse dessa quantia, não poderiam os acreanos aumentar os seus recursos de guerra, os seus armamentos e as suas munições? E ainda se queixa o Sr. Salinas Vega da parcialidade do Cel Silvério Nery! Desejaria S. Exª que esses 300 contos fossem entregues aos seus representantes em Manaus? Isso não poderia fazer o governador do Amazonas, porque seria infringir disposições do governo da União, e mesmo faltar às convenções previamente estabelecidas e ajustadas.
Já que o Sr. Salinas Vega nos fornece assunto para o artigo de hoje, não deixaremos, a pena sem nos referirmos outra vez a um fato de importância. É dele a negociação financeira que o governo da Bolívia iniciou no estrangeiro relativamente ao Acre, cuja veracidade contestou categoricamente o Sr. Salinas Vega pelas colunas editoriais desta Folha, gentilmente cedidas pelo seu eminente diretor.
Possuidores de documentos, que reputamos tão dignos de crédito como a palavra honrada do digno Ministro da Bolívia, podemos afirmar que os Srs. Fernando Guachalla e Felix Avelino Aramayo, plenipotenciários daquela república em Washington e Londres, respectivamente, foram dadas instruções pelo governo do D. Nicolau Alonso, para negociarem a cessão dos direitos que advenham à Bolívia depois do seu domínio no Acre. Não se tratou nunca da venda dessa região e ninguém poderia julgar isso uma coisa possível, porque contra essa venda protestariam e se levantariam em armas, não só os povoadores do Acre, senão todos os brasileiros, porque, se o domínio estrangeiro não é tolerado, muito menos a alienação do Território Nacional.
Em todo o caso, o nosso interesse é provar que não faltamos nunca à verdade. O Acre está sobre o tapete dos sindicatos londrinos e norte-americanos. Sempre desejaríamos saber o preço por que foram vendidos os direitos que a Bolívia não se julga bastante forte para defender e precaver contra insucessos e surpresas futuras… E quanto mais cômodo seria a Bolívia ter as costas resguardadas por nações poderosas, a Inglaterra e a América do Norte, por exemplo! (A IMPRENSA, N° 813)
A Imprensa, n° 814
Rio, RJ – Segunda-feira, 24.12.1900
A Questão do Acre
Sociedade de Geografia do Rio de Janeiro
Conferência Sobre a Questão do Acre,
em Sessão de 20 de Dezembro de 1900,
pelo Dr. Antonio de Paula Freitas.
[…] Ora, eu tenho tomado parte nesta questão, aqui e no Instituto Politécnico Brasileiro, e sou daqueles que contestam o direito da Bolívia aos terrenos do Acre; comigo se acham nesta campanha os compatriotas Thaumaturgo de Azevedo, que foi o primeiro a despertar a atenção do governo brasileiro para o que se passava no Acre; Serzedello Correia, que sobre o caso escreveu a importante memória “O Rio Acre”; Paulo de Frontin, que levantou a questão no “Club de Engenharia”; Senador Ruy Barbosa, que tão magistralmente tem defendido os direitos do Brasil na tribuna parlamentar e na imprensa; Senador Lauro Sodré e outros: e pois podemos todos estar compreendidos na ofensa.
De minha parte é o que menos me impressiona, porque este meio ignóbil de ofender, injuriar, descompor, é o recurso de quem não tem razão: esbraveja, esperneia, insulta e calunia. Continuaremos, pois, a tratar da “Questão do Acre” embora haja quem negue a existência de tal Questão. De fato ela existe e está de pé, visto como o Tratado de 1867 é sofismado em prejuízo do Brasil. Será, como diz o folheto, “uma questão velha”, mas nunca uma questão esquecida, como pretende. Já tive ocasião de mostrar que, dando aos termos do Tratado a sua verdadeira significação, ele se baseia em dois elementos essenciais: o Paralelo de 10°20’ e a nascente principal do Javari.
Com efeito, substituindo os termos do art. 2° do Tratado “uma paralela” pelo seu equivalente real “um Paralelo; linha Leste-Oeste” por “Paralelo desde a mesma Latitude” por “desde o mesmo Paralelo” ficará o art. 2° do tratado de 1867 assim redigido:
Deste Rio [o Madeira] para Oeste seguirá a fronteira por “um Paralelo”, tirado da sua margem esquerda na Latitude Sul do 10°20’, até encontrar o Rio Javari.
Se o Javari tiver as suas nascentes no Norte daquele Paralelo, seguirá a fronteira “desde o mesmo Paralelo” por uma reta a buscar a origem principal do dito Javari.
Isto é: a fronteira é expressamente determinada pelo Paralelo de 10°20’ até o Rio Javari, se o encontrar; e, se o não encontrar, será determinado pelo dito Paralelo e por uma reta tirada desse Paralelo até a nascente principal do Javari. Daí os casos, que têm causado confusão a muita gente, de uma só linha reta, ou de uma linha quebrada, quando de fato nenhuma confusão existe. A fronteira será uma reta ou uma linha quebrada, conforme o Paralelo de 10°20’ até encontrar ou não o Javari.
Eis aí a verdadeira compreensão do Tratado, constituindo o Paralelo sempre um elemento essencial da fronteira, e jamais a linha oblíqua geodésica do Beni ao Javari, com que se pretende substituí-lo, com prejuízo de área para o Brasil. Não é infelizmente a solução que se pretende manter para o Brasil, segundo se deduz das instruções que consta, por notícias da imprensa diária, terem sido providas à nova Comissão do Limites.
Alegam-se, como razões para manter a oblíqua, antigos avisos, instruções, notas diplomáticas e outras combinações; mas todos estes atos, tendo sido ideados sobre plantas improvisadas, evidentemente erradas, porque a região do Acre era desconhecida, são também atos errados, e não podem prevalecer em uma operação definitiva e terminante como a da demarcação final, nem alterar ou derrogar as prescrições do Tratado de 1867.
Também não procede a circunstância, a que alude o Senador Bocaíuva, de recear-se a aliança da Bolívia com o Paraguai, então em luta com o Brasil [folheto pg. 142], e a que parece aludir o General Dionysio Cerqueira, quando diz no seu discurso [pg. 189]:
Foi [o Tratado] em 1867… Grandes acontecimentos se passaram no nosso País naquela época memorável e por isso foi que… Perdão! Eu ia romper o véu das conveniências diplomáticas… Sou obrigado a calar-me. “Fizemos então à Bolívia todas as concessões que podíamos fazer”.
Se realmente este fato se deu, do que não há provas nem cogitarei neste momento, ele só servirá para mostrar que a oblíqua seria o produto de concessões graciosas, e nunca uma divisa legítima, de acordo com o Tratado de 1867.
Não procede igualmente a razão de que, em 1822, o Acre era deserto, conforme argumenta o General Dionysio Cerqueira [pag. 171]: pois que, se era deserto para o Brasil, também o era para a Bolívia; e, portanto, o princípio do “uti possidetis”, aplicado agora, quando o Acre se povoou de brasileiros acima do Paralelo de 10°20’, é evidentemente em favor do Brasil, de acordo com o Tratado de 1867. O Paralelo deve, pois, ser mantido, assim como a reta que se trace dele ao Javari, se este Rio tiver as suas nascentes ao Norte do mesmo Paralelo. A própria divisa da Bolívia com o Peru, quando chega ao Paralelo, tira do ponto de encontro a reta para o Javari. É esta a reta, que com a célebre oblíqua ou geodésica forma uma cunha, fechando-se nas faldas dos Andes com um ângulo de poucos graus. Singular fronteira! A Bolívia sempre considerou litigiosa esta questão, e ainda recentemente deu prova disso; porquanto nos seus documentos oficiais a tal respeito sempre se refere aos terrenos em litígio. Assim é que no ofício de D. L. Salinas Veja, Ministro da Bolívia, ao Ministro das Relações Exteriores do Brasil, de 3 de março do corrente ano, se lê o seguinte [pg. 58]:
Hay otra circunstancia muy digna de consideración. El dominio del territorio en que se producen los sucesos referidos aún no está definido… En estas circunstancias, “ese territorio debe considerar-se cosa litigiosa”, y como tal ser cuidado, vigilado y amparado por ambas partes interesadas, es decir tanto por Bolivia como por el Brasil.
Mais adiante [pg. 59]:
Dejar a Bolivia el cuidado de ese territorio, hoy en poder de “hombres y elementos solidos del Brasil, cuando no brasileros”; dejarle la tarea de defenderlo de agresiones sucesivas, que solo pueden partir del Brasil, seria sostener que no pertenece al Brasil el cuidado de sus fronteras; conclusión, por si sola, en extremo grave.
Entretanto, do Ministério das Relações Exteriores foi dada a seguinte resposta em ofício de 14 de março [pg. 58]:
Há equivoco nesse modo de considerar o Território do Acre. Litigioso é somente o compreendido entre as linhas Tefé e Cunha Gomes. O que se estende ao Sul da segunda, “é boliviano, e o Brasil não lhe disputa”, como consta de documentos publicados e bem conhecidos. Esse Território é ocupado quase exclusivamente por brasileiros, que se dedicam à exploração dos seringais. A nacionalidade desses indivíduos não os isenta de obediência ao governo boliviano e o Governo Federal “os não protege” [pag. 62].
Em outro ofício, de 31 de março último, se lê ainda:
O governo boliviano [pag. 69] entende que o Território ao Sul da linha Cunha Gomes pertence à Bolívia, e o governo brasileiro também assim pensa, mais de uma vez o tem declarado. Não há, portanto, litígio.
Eis como são sacrificadas as questões de limites no Brasil, usando-se de tal prodigalidade, de tal liberalidade, que pasma, entretanto, coisa notável!
Apesar dessa mania de ceder pedaços de nosso Território, os próprios árbitros, a quem têm sido confiadas as nossas “Questões de Limites”, não se prevalecem do triste expediente, colocam a questão no seu verdadeiro lugar, e resolvem como soem resolver os juízes retos e honrados.
Oxalá que sirvam tais precedentes de lição, não só quanto ao Acre, como a outros pontos de nossa fronteira, principalmente com a Guiana Inglesa, onde se diz que terrenos nossos estão sendo invadidos e apossados impunemente pelos ingleses!
Já ecoaram no Congresso frases que testemunham o pouco apreço a estes pedaços do Território Nacional. [pag. 200]
O Brasil é muito grande, muito rico, muito nobre… prefere ao interesse à sua honra e pensa que há uma coisa que vale mais que os seringais do Acre ‒ é a justiça.
Mas onde está a justiça? Em ceder pedaços de nosso Território, por ser o Brasil muito grande e muito rico! … Não é por aí que devemos guiar os nossos argumentos, ou defender os nossos direitos? Não percamos, porém, o fio da nossa exposição. Suponhamos que se aceita a solução da linha geodésica, tirada da foz do Beni ao Javari. [É uma simples hipótese] Perguntamos nas condições em que se acha a Questão do Acre, teremos os elementos precisos para proceder à demarcação definitiva? Poderão ser considerados completos os trabalhos feitos, e sê-los-ão os da nova comissão de limites? São só perguntas a que conscienciosamente nenhum brasileiro poderá responder de modo afirmativo. E vou mostrá-lo. Não há quem ignore que nenhuma das comissões de limites do Javari completou seu trabalho. […] (A IMPRENSA, N° 814)
José Plácido de Castro
José Plácido de Castro nasceu em São Gabriel, no Rio Grande do Sul, em 12 de dezembro de 1873. Plácido de Castro trazia nas veias o gene de três gerações de Militares. Filho do Capitão Prudente da Fonseca Castro, veterano das campanhas do Uruguai e Paraguai, recebeu o nome do avô José Plácido de Castro, Major paulista que, após combater na Campanha Cisplatina, radicou-se no Rio Grande do Sul.
Seu bisavô, Joaquim José Domingues, participou da conquista das Missões em 1801. Começou a trabalhar aos 12 anos, quando perdeu o pai, para sustentar a mãe e seus seis irmãos. Aos 16 anos, ingressou na vida militar chegando a 2° sargento do 1° Regimento de Artilharia de Campanha, mais conhecido como “Boi de Botas”, em São Gabriel, hoje quartel do 6° Batalhão de Engenharia de Combate. Quando foi deflagrada a Revolução Federalista, Plácido encontrava-se na Escola Militar do Rio Grande do Sul, o velho Casarão da Várzea, hoje Colégio Militar de Porto Alegre. Os oficiais e Cadetes pediram o fechamento da escola ao Presidente Floriano Peixoto para que pudessem participar, com as forças legais, no combate à Revolução Federalista.
Plácido de Castro discordava de seus camaradas e instrutores e lutou ao lado dos Maragatos, chegando ao posto de Major. Com a derrota para os “Pica-paus”, que defendiam o governo Floriano Peixoto, o herói acreano abandonou a carreira militar e recusou a anistia oferecida aos envolvidos na Revolução. Mudou-se para o Rio de Janeiro, onde foi inspetor de alunos do Colégio Militar. Algum tempo depois, foi fiscal nas docas do porto de Santos, em São Paulo e, voltando ao Rio, obteve o título de agrimensor. Inquieto e à procura de desafios, viajou para o Acre, em 1899, para tentar a sorte como agrimensor.
Seringais
No período de 1877 a 1900, os seringais foram se multiplicando e se estendendo rumo ao Sul atingindo as “tierras non descobiertas”, ou seja, terras ainda não exploradas pelos bolivianos.
A atenção do governo boliviano estava totalmente voltada, na ocasião, para a extração de ouro e prata e, além disso, a Bolívia na guerra contra o Chile (1879-1882), havia concentrado suas tropas em direção oposta ao Acre. O Purus, o Rio Acre, o Antimarí, o Iaco, o Juruá, o Abunã, no alto Madeira e outros cursos d’água de menores proporções foram sendo, progressivamente, ocupados pelos novos “donos” daquelas terras abandonadas e desconhecidas. No início do século XX, todo o Rio Acre estava povoado, explorado, principalmente por brasileiros.
Bolivian Syndicate
Em 14.07.1901, foi criado o Bolivian Syndicate (syndicate, em inglês, significa cartel), um conglomerado anglo-americano sediado em Nova York. O contrato arrendava, por 30 anos, a região acreana, ocupada por brasileiros, destinando 60% dos lucros para a Bolívia e os 40% restantes para o Bolivian Syndicate. O acordo autorizava o emprego de força militar como garantia de seus direitos na região, e a opção preferencial de compra do território arrendado, caso viesse a ser colocado à venda.
As bases do acordo foram articuladas em sigilo, tendo em vista que a Bolívia tinha pendências de fronteira com os países vizinhos (Brasil e Peru). O contrato foi enviado ao Congresso Nacional Boliviano para que aprovasse as cláusulas acordadas entre o ministro Félix Aramayo e os acionistas anglo-americanos. Muitos parlamentares bolivianos, adversários de Aramayo, eram contrários ao “Contrato Aramayo”.
Foi criada, então, a Comissão de Fazenda e Indústria com o objetivo de analisar o contrato. Uma das conclusões apresentadas pelos membros da Comissão foi que era impossível à Bolívia conservar o Território do Acre sem o aporte de capitais externos, pois não havia uma presença efetiva do Estado boliviano e uma base demográfica nacional na região, ocupada, principalmente, por brasileiros, fatores esses que eram agravados pela resistência dos bolivianos em descer do altiplano até o vale amazônico. A Comissão considerava que, dentre todas as hipóteses levantadas, o arrendamento era a única solução, afirmando “desgraciadamente en la actualidad no se ofrece ninguno otro medio, ni como probabilidad lejana”. O relatório foi aprovado no dia 17.12.de 1901. A efetivação do acordo tornava a “ocupação” do Acre pelos representantes do Bolivian Syndicate um fato, gerando um mal-estar, sem precedentes, dos brasileiros contra os vizinhos bolivianos. O governo brasileiro imediatamente iniciou uma campanha para desacreditar o Bolivian Syndicate junto a governos e grupos financeiros que poderiam vir a se aliar ao cartel.
Por Hiram Reis e Silva (*), Bagé, 10.12.2021 – um Canoeiro eternamente em busca da Terceira Margem.
Bibliografia
A IMPRENSA, N° 811. Expedição Rodrigo de Carvalho – Prisão de D. Lucio Velasco ‒ Brasil ‒ Rio de Janeiro, RJ ‒ A Imprensa, n° 811, 21.12.1900.
A IMPRENSA, N° 813. O Acre – Queixas Infundadas – Cassação de Direitos Bolivianos no Acre ‒ Brasil ‒ Rio de Janeiro, RJ ‒ A Imprensa, n° 813, 23.12.1900.
A IMPRENSA, N° 814. A Questão do Acre ‒ Sociedade de Geografia do Rio de Janeiro ‒ Brasil ‒ Rio de Janeiro, RJ ‒ A Imprensa, n° 814, 24.12.1900.
(*) Hiram Reis e Silva é Canoeiro, Coronel de Engenharia, Analista de Sistemas, Professor, Palestrante, Historiador, Escritor e Colunista;
- Campeão do II Circuito de Canoagem do Mato Grosso do Sul (1989)
- Ex-Professor do Colégio Militar de Porto Alegre (CMPA) (2000 a 2012);
- Ex-Pesquisador do Departamento de Educação e Cultura do Exército (DECEx);
- Ex-Presidente do Instituto dos Docentes do Magistério Militar – RS (IDMM – RS);
- Ex-Membro do 4° Grupamento de Engenharia do Comando Militar do Sul (CMS)
- Presidente da Sociedade de Amigos da Amazônia Brasileira (SAMBRAS);
- Membro da Academia de História Militar Terrestre do Brasil – RS (AHIMTB – RS);
- Membro do Instituto de História e Tradições do Rio Grande do Sul (IHTRGS – RS);
- Membro da Academia de Letras do Estado de Rondônia (ACLER – RO)
- Membro da Academia Vilhenense de Letras (AVL – RO);
- Comendador da Academia Maçônica de Letras do Rio Grande do Sul (AMLERS)
- Colaborador Emérito da Associação dos Diplomados da Escola Superior de Guerra (ADESG).
- Colaborador Emérito da Liga de Defesa Nacional (LDN).
- E-mail: [email protected].
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