Expedição Centenária Roosevelt-Rondon 3ª Parte – LIII
George Miller Dyott – V
Jornal do Brasil n° 141
Rio de janeiro, RJ – Terça-feira, 14.06.1927
A Chegada ao Rio do Nosso Colaborador Dr. Ramon da Paz – Seus Estudos Acerca do Problema dos Índios – Os Resultados da Missão
Anunciamos, anteontem, numa entrevista que nos concedeu o Sr. José Tozzi Calvão, que o nosso prezado colaborador Dr. Roman Poznanski [Ramon da Paz] se achava atualmente na Europa para organizar uma nova Expedição aos sertões brasileiros. […] Falando das expedições, respondeu-nos Dr. Ramon da Paz:
Dr. Ramon da Paz: Muitos conservam ainda na sua memória o legendário explorador, que avançava e contramarchava com sua intrépida bandeira através de obstáculos sem conta em busca de ouro e outras riquezas naturais escondidas nas terras desconhecidas do Novo Mundo; esquecem geralmente os grandes patriotas prontos a fazer sacrifícios para içar a bandeira do seu país nas terras remotas, dando à sua pátria novos recursos de riqueza e prosperidade nacional, não se recordam mais dos servidores da igreja, que, trazendo a cruz penetraram nos sertões para ensinar os selvagens a distinguirem o bem do mal, divulgando os altos princípios da religião, não dão o justo valor aos trabalhos dos cientistas e ao papel desempenhado pelos homens, como o eminente General Rondon e seus colaboradores que arriscaram a vida para contribuir ao progresso da ciência e servir aos interesses da sua Pátria e da humanidade inteira. Um explorador, na opinião de muitos, é ainda um homem que se lança à aventura para satisfazer os seus desejos egoístas de lucro pessoal. Nesta atmosfera pouco favorável, o explorador-cientista tem por costume iniciar a realização do seu empreendimento, sabendo que os esforços não são devidamente apreciados, se não mesmo censurados.
Repórter: A Missão Dyott não teve, porém essa atmosfera desfavorável.
É verdade, a Missão Dyott-Roosevelt […] Pelo contrário, ficando sob o patrocínio de importantes instituições americanas […] se beneficiava do auxílio eficaz do governo brasileiro que em muito facilitou a realização do empreendimento iniciado. O apoio do grande brasileiro e sertanista General Rondon, o interesse concedido aos nossos esforços pela imprensa, representantes da opinião pública do país, contribuíram para o êxito feliz da longa e penosa viagem através dos sertões do “hinterland” brasileiro.
Repórter: Qual é a sua opinião sobre o valor da Expedição?
Dr. Ramon da Paz: Quanto ao valor da Expedição Dyott-Roosevelt é prematuro ainda formar uma opinião. Depende tudo da qualidade dos trabalhos que devem ser publicados. O comandante Dyott, que é um escritor de grande talento e conferente ([1]) por excelência, divulgando os resultados obtidos, julgo, corresponderá à confiança que lhe demonstraram com a entrega da direção de uma Expedição Científica. Porém pode-se dizer desde já que o ilustre chefe da Expedição realizou o seu objetivo principal conseguindo reunir uma documentação cinematográfica e fotográfica importante, permitindo-lhe a reconstituição completa da obra realizada pela Comissão Roosevelt-Rondo em 1914. O comandante Dyott consagrava-se igualmente aos estudos zoológicos e nada da vida dos animais e insetos escapa à sua visão fina e observadora.
Repórter: Quais eram os outros membros da Missão?
Dr. Ramon da Paz: Quanto aos outros membros da Missão, o Sr. Eugene Bussey, perito nas questões de radiotelegrafia, assegurado o serviço radiotelegráfico da Missão, realizava durante toda a viagem numerosas experiências de transmissão e recepção com ondas curtas. As experiências mencionadas demonstraram na prática o futuro e superioridade das ondas curtas na radiotelegrafia. Os resultados obtidos pelo Sr. Bussey na transmissão regular dos radiogramas para o Rio e Estados Unidos confirmam uma vez mais a praticabilidade de um serviço radiotelegráfico mesmo durante uma viagem realizada em condições anormais e difíceis. O Sr. Calvão era nosso oficial de transportes e nesta qualidade demonstrou o conhecimento das condições especiais de consumições nos sertões brasileiros. Quanto a minha modesta pessoa devo mencionar que pela primeira vez na minha vida fiz parte de uma Expedição. Sou um homem de gabinete e se decidi participar de um empreendimento como a “Expedição Dyott-Roosevelt” era para em primeiro lugar reunir diretamente uma documentação autentica para os meus trabalhos científicos. A Expedição era para mim um meio de obter o que precisava, mas por si não representava a atração que procuram infelizmente e exclusivamente muitos exploradores de profissão. Estes que muitas vezes não tem o preparo cientifico necessário, consideram a coisa principal percorrer regiões desconhecidas, vencendo as dificuldades de ordem material encontradas no caminho. Estas dificuldades, geralmente grandes, requerem um esforço as vezes sobre-humano, porém o fato de ter vencido os obstáculos não é o mérito único de um explorador. Não é o fato de ter atravessado regiões desconhecidas que dá valor a uma Expedição, mas os resultados obtidos e divulgados meio de publicações, relatórios e conferências.
Repórter: Quanto aos resultados de seus trabalhos?
Dr. Ramon da Paz: Posso dizer que tive a oportunidade de reunir uma documentação interessante, porém, um pouco incompleta. As dificuldades encontradas em São Luiz de Cáceres [MT], na organização definitiva da Expedição de ordem material e a perda de parte dos mantimentos durante a viagem obrigaram-nos a realizar a nossa marcha de uma maneira bastante precipitada. Por conseguinte não tive a possibilidade de demorar o tempo necessário nos vários pontos da nossa travessia. Não obstante, os materiais reunidos me permitem hoje iniciar a publicação de informações sobre as possibilidades econômicas das regiões percorridas. Além das questões econômicas dedicava durante a minha viagem uma atenção especial ao problema dos índios. A convivência, emboca curta, com os últimos primitivos deu-me a possibilidade de fazer observações interessantes no domínio dos estudos etnológicos dos chamados selvícolas.
Repórter: Quanto durou a Expedição?
Dr. Ramon da Paz: […] A viagem era muito difícil, penosa e perigosa, especialmente a descida do Rio da Dúvida, que representa uma cachoeira quase contínua. Sofremos muito com insetos, especialmente perseguiam-nos continuadamente as formigas de todas as espécies. Porém vencemos todos os obstáculos, graças à moral excelente de todos os membros da Expedição.
Repórter: Há pouco referia-se ao problema dos índios. Pensa publicar algum estudo à respeito?
Dr. Ramon da Paz: Formado em direito, continuo sempre a ter interesse especial para as questões da minha competência. O problema dos índios representava, para mim, uma atração sob o ponto de vista do regime legal existente entre estes últimos primitivos. Procurei no encontro com os índios receber uma documentação autêntica sobre as normas aceitas pelos primitivos na vida que corre longe da atmosfera do mundo civilizado, julguei possível entre os índios encontrar os princípios de um direito natural contendo normas mais puras do que as que estão infelizmente, deformadas na nossa vida civilizada em consequência da Grande Guerra e dos fenômenos sociais subsequentes. Estes, com efeito, modificaram todas as nossas concepções sobre a moral e equidade, fazendo esquecer as bases essenciais do direito. Procurei esta documentação para o livro que escrevo sobre “Direito Natural dos Primitivos”. (JORNAL DO BRASIL N° 141)
The New York Times
USA – Nova York – Domingo, 10.07.1927
The Last Miles of the River of Doubt
Nossos botes de lona fizeram coroaram com mais sucesso nossos esforços do que qualquer outra coisa. É difícil imaginar como o Coronel Roosevelt sobreviveu à provação de sua exaustiva jornada no rio. […] Antes de deixar Nova York, eu me dei conta de que 50% dos problemas enfrentados pela expedição de Roosevelt se deveram às pesadas canoas de tronco escavado que empregaram. Esses botes primitivos são tão pesados que é quase impossível transportá-los por terra; arrastá-los pela selva em troncos rolantes é quase tão impossível quanto; e não se pode ter neles qualquer grau de segurança para transpor corredeiras. Foi por isso que eu comprei canoas portáteis e as transportei por quilômetros através do Brasil Central. (DYOTT, 1927)
O Dia n° 3.506
Curitiba, PR – Domingo, 19.06.1935
Esses “Exploradores”
[Frederico Faria de Oliveira]
Não faltaram opositores vermelhíssimos à ideia feliz quando o Sr. Juarez Távora, então Ministro da Agricultura sugeriu providências enérgicas contra os estrangeiros que disfarçados em excursionistas, demandam ao interior do Brasil, para de regresso aos seus pagos criarem lendas sobre os nossos usos e costumes. Justificando o seu pensamento, o ex-titular do Governo Provisório citou uma porção de casos concretos, ocorridos com viajantes alienígenas, entre os quais, um na época da iniciativa do Sr. Juarez Távora andava pela imprensa de Paris a inventar feias histórias a nosso respeito. Que o Sr. Távora tinha razão os fatos o demonstram de longa data. Com efeito, esses excursionistas e exploradores, em chegando ao Brasil, são de uma amabilidade extremada para com o nosso País e a nossa gente. Elogiam-nos a hospitalidade, exaltam a nossa natureza inigualável, elevam ao sétimo céu a nossa civilização.
Ficamos todos anchos ([2]) ante a torrente de palavras elogiativas e, para retribuir tais galanteios, cercamos os hospedes fingidos de toda a sorte de considerações e mimos abrimos-lhes o coração e tratamos de lhes adivinhar os pensamentos, na certeza de que de retorno à pátria, só possam dizer bem deste povo tão injustiçado. As lições não nos tem servido do escarmento ([3]). Raros, raríssimos, os excursionistas que têm sabido corresponder a nossa tradicional hospitalidade. Haja vista o que acaba de acontecer com um deles. Trata-se do Sr. G. M. Dyott aquele mesmo “inglês” fanfarrão que, há meses, em entrevistas a jornais londrinos – como tive a oportunidade de comentar – despejara um caldeirão de inverdades sobre o Brasil.
Sem realizar outra excursão pelos territórios do nosso País o viajante com fumaças de explorador volta às colunas da imprensa britânica e “yankee” para repetir as mesmas barbaridades contra a terra e os homens desta Pátria. Telegramas procedentes de Londres e dos Estados Unidos nos dão conta das invencionices saídas do cérebro escaldante do aventureiro ingrato. Muito bem recebido pela sociedade e governo brasileiros, o homem como que jurou aos seus guias espirituais maldizer a Nação brasileira. Inventou coisas tétricas sobre o interior brasileiro contando uma série de mentiras prejudiciais à nossa dignidade de povo que possui, é certo, os Lampiões talando ([4]) os sertões inóspitos, mas quem afinal de contas, sorri das ultra civilizações em que os fuzis e as metralhadoras dos “yankees” reduzem cidades maravilhosas à condição de centros fora da lei e dos bons sentimentos humanos. Mr. G. M. Dyott viu coisas de arrepiar no Brasil. O sensacionalismo do excursionista atinge às raias do absurdo. Foi pena que o explorador precisasse caminhar tanto para “ver” as coisas horríveis que afirma ter visto em nossos sertões. Coisas piores ele poderia ter visto si quisesse, muito mais próximo de sua pátria. Era só dar um pulo a Chicago, ou a Nova Iorque cuja imprensa, sentindo também a volúpia da publicação de histórias que tais – transcrevendo-se – terá lá mesmo motivos bastantes para o sensacionalismo de um noticiário em que avultam os bandidos infinitamente piores que os Lampiões. (O DIA N° 3.506)
Nova Expedição com antigos membros da deletéria Missão Dyott-Roosevelt mostram o “Lado Negro” do Sr. José Tozzi Calvão…
Correio da Manhã n° 10.400
Rio de janeiro, RJ – Sexta-feira, 30.11.1928
O Vale do Amazonas Será a Terra de Ophir?
O que nos disse o Sr. Ramon Poznanski,
Vice-diretor da Expedição Calvão
[…] Resolvemos, por isso, manter alguns minutos de palestra com o convidado, que assim, se externou:
[…] Desse modo, o Dr. Norman Taylor, curador do jardim botânico de Brooklyn, membro da Academia de Ciências de Nova Iorque, realizará os estudos da flora amazônica. Este cientista americano fará coleções destinadas ao Museu Nacional e ao Jardim Botânico do Rio de Janeiro e ao do Brooklyn. Os engenheiros competentes procederão ao levantamento topográfico do Rio Aripuanã, nas suas seções ainda não exploradas, assistidos pelo Sr. W. Carr, oficial da marinha mercante inglesa, que realizará as observações astronômicas necessárias. Eu, pessoalmente, tomei a meu cargo os estudos etnológicos dos índios e econômicos sobre as possibilidades das regiões a serem percorridas.
A primeira parte dos meus trabalhos será prosseguida conforme as preciosas indicações do grande vulto da ciência brasileira, o professor Roquette Pinto. O ilustre diretor do Museu Nacional, com simpatia, acolheu a Expedição, declarando-se pronto a prestar o seu auxilio e cooperação. Conforme as sugestões feitas pelo Dr. Roquette Pinto, serão, realizados estudos que tratarão da questão do “aculturamento” das tribos já conhecidas. Os estudos econômicos serão semelhantes aos que realizei durante a “Expedição Dyott-Roosevelt”, e que resultaram em um relatório apresentado por mim, após a viagem, ao Sr. Ministro da Agricultura.
Os resultados dos trabalhos de todas as, seções serão postos ao dispor do Brasil e divulgados em publicações feitas pelos expedicionários. Eu, pessoalmente, sou encarregado de reunir os trabalhos em um relatório geral em benefício da Comissão.
De tal maneira, a Expedição não tem o objetivo de conservar uma documentação, para si, mas entrega-la ao domínio público. Do mesmo modo como as coleções botânicas, as etnográficas serão remetidas aos respectivos institutos científicos.
Julgo que as informações por mim dadas ao “Correio da Manhã” são suficientes para indicar o verdadeiro caráter do empreendimento, que representa uma obra patriótica de um jovem brasileiro, para a qual eu, polonês, sincero amigo do Brasil, estou feliz de poder contribuir.
Durante a Expedição vamos irradiar notícias, porque levamos aparelhamento completo confiado ao radioamador americano Sr. Erick Palmer. A parte material pertence ao nosso oficial de transporte, que é o Sr. Alfredo Mayer.
Agradecendo ao Sr. Roman Poznanski a gentileza com que atendera ao nosso, pedido, retiramo-nos. (CORREIO DA MANHÃ N° 10.400)
Por Hiram Reis e Silva (*), Bagé, 17.11.2021 – um Canoeiro eternamente em busca da Terceira Margem.
Bibliografia
CORREIO DA MANHÃ N° 10.400. O Vale do Amazonas Será a Terra de Ophir? – Brasil – Rio de Janeiro, RJ – Correio da Manhã n° 10.400, 30.11.1928.
DYOTT, George Miller. The Last Miles of the River of Doubt – USA – New York – The New York Times, 10.07.1927
JORNAL DO BRASIL N° 141. Os Resultados da Missão – Brasil – Rio de Janeiro, RJ – Jornal do Brasil n° 141, 14.06.1927.
O DIA N° 3.506. Esses “Exploradores” (Frederico Faria de Oliveira) – Brasil – Curitiba, PR – O Dia n° 3.506, 19.06.1935.
(*) Hiram Reis e Silva é Canoeiro, Coronel de Engenharia, Analista de Sistemas, Professor, Palestrante, Historiador, Escritor e Colunista;
- Campeão do II Circuito de Canoagem do Mato Grosso do Sul (1989)
- Ex-Professor do Colégio Militar de Porto Alegre (CMPA) (2000 a 2012);
- Ex-Pesquisador do Departamento de Educação e Cultura do Exército (DECEx);
- Ex-Presidente do Instituto dos Docentes do Magistério Militar – RS (IDMM – RS);
- Ex-Membro do 4° Grupamento de Engenharia do Comando Militar do Sul (CMS)
- Presidente da Sociedade de Amigos da Amazônia Brasileira (SAMBRAS);
- Membro da Academia de História Militar Terrestre do Brasil – RS (AHIMTB – RS);
- Membro do Instituto de História e Tradições do Rio Grande do Sul (IHTRGS – RS);
- Membro da Academia de Letras do Estado de Rondônia (ACLER – RO)
- Membro da Academia Vilhenense de Letras (AVL – RO);
- Comendador da Academia Maçônica de Letras do Rio Grande do Sul (AMLERS)
- Colaborador Emérito da Associação dos Diplomados da Escola Superior de Guerra (ADESG).
- Colaborador Emérito da Liga de Defesa Nacional (LDN).
- E-mail: [email protected].
[1] Conferente: conferencista.
[2] Anchos: orgulhosos.
[3] Escarmento: lição.
[4] Talando: Devastando.
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