A deputada federal Joênia Wapichana (Rede-RR), junto das lideranças indígenas Nara Barê, Alessandra Munduruku e Maurício Ye’kwana, e também com a presença do advogado Luiz Eloy Terena, debateram nesta sexta-feira (5), na Conferência Mundial do Clima (COP-26), os impactos do garimpo ilegal nos territórios indígenas.
No espaço do WWF do evento, Panda Hub, a abertura da mesa redonda abordou as questões do garimpo ilegal e os impactos dessa prática nas terras indígenas. Foram mostrados dados do Mapbiomas que indicam que cerca de 206 mil hectares são explorados pela grilagem no Brasil e 90% estão em território amazonense. O crescimento entre 2010 e 2020 de áreas ocupadas pelo garimpo dentro de terras indígenas, cresceu 495%, dentro das unidades de conservação, 301%.
É fato que o garimpo ilegal na Amazônia avança em um ritmo constante e sem precedentes e os territórios indígenas são o alvo principal dessa atividade criminosa que custa vidas indígenas e destruição ambiental. Nara Baré, iniciou sua fala falando do contexto geral do garimpo ilegal na Amazônia. Baré chamou atenção aos impactos da destruição do garimpo para o mundo. “Uma realidade (…) que não é nada romântico, que é uma tragédia que está acontecendo na Amazônia brasileira”, comentou. A líder indígena ainda ressaltou que a questão do garimpo leva muito conflito interno entre os indígenas e o governo brasileiro tenta legalizar medidas ilegais de exploração. “O garimpo acaba destruindo todo o ambiente, as águas, o nosso território, a nossa vida. A nossa água corre risco, assim como as nossas vidas”, afirmou Nara.
Posteriormente, Maurício Ye’kwana relatou os problemas dos povos Yanomami, que enfrentam o desafio de defender seu território. “A terra Yanomami foi demarcada em 1993 e tem mais ou menos 9.664 mil hectares abrangendo o estado de Roraima e Amazonas. A terra Yanomami, desde a década de 70, vem sofrendo com a grande invasão garimpeira”, comentou Maurício. “Depois que a terra Yanomami foi demarcada, houve uma operação chamada de Seiva Livre, onde os garimpeiros foram expulsos”, explicou. Maurício lembrou do genocídio que matou 19 Yanomami logo depois da demarcação das terras indígenas e diz que atualmente há uma corrida pelo ouro que impacta diretamente os povos indígenas. “O garimpo, os garimpeiros, trouxeram muita violência, mudança comportamental de nossos jovens, porque nossos jovens foram aliciados pelos próprios invasores”, denunciou. “Esse é o nosso grande desafio hoje. Durante essa pandemia, houve aumento de invasores, com estruturas melhores, logísticas melhores, contratos de voos, embarcações, houve muito aumento nessa pandemia”, completou. “Necessita-se de um trabalho estratégico de trazer os nossos jovens de volta para a comunidade. Nós não temos culpa desse envolvimento de nossos jovens, se não tivéssemos invasores, estaríamos bem”. Maurício pediu apoio para conscientizar os jovens a respeito do uso do aliciamento que os garimpeiros fazem dos jovens indígenas, com bebidas alcóolicas, drogas e uma casa de prostituição.
Alessandra Munduruku ressaltou o impacto do mercúrio na saúde dos indígenas, a poluição que o garimpo causa nas águas dos rios, a morte de crianças com mercúrio no corpo e outros casos de riscos de contaminação para as comunidades indígenas. Alessandra ainda denunciou as tentativas do governador do estado do Pará de tentar lucrar em cima do sofrimento dos povos indígenas, incentivando garimpos e garimpeiros. “O governador do estado do Pará, vai fazer um acordo com a Alemanha, pegar um financiamento que vai nos matar cada vez mais. Ele não respeita os direitos dos povos indígenas. Eles não querem demarcar as terras indígenas”, denunciou a líder indígena.
Posteriormente, o advogado Luiz Eloy Terena explicou sobre o sistema de justiça e as ameaças relacionadas à questão do garimpo nos territórios indígenas. Terena destacou a importância das lideranças estarem ali presentes e explicarem as violações dos direitos indígenas. “Existe uma inércia por parte do Estado brasileiro em combater o garimpo ilegal em terras indígenas”, afirmou o advogado. “O Estado sabe que lá tem garimpeiros e não quer combater. A maior prova disso está documentada numa ação chamada DPF 709, que foi proposta pela APIB no Supremo Tribunal Federal no ano passado”, completou. Terena contou que a Apib pediu a retirada dos garimpeiros de sete territórios indígenas e passado um ano da decisão que determinava a exclusão desses garimpeiros, o governo afirmou que não tem dinheiro para colocar em prática a remoção dessas pessoas. “Ou seja, como o Poder Executivo Federal não tem orçamento para cumprir algo que é sua função, que é fiscalização?”, questionou o advogado. Terena ainda chamou atenção para um segundo ponto importante, que é o marco temporal. Ele explicou a tese jurídica que restringe o direito dos povos indígenas aos seus territórios. “Essa tese jurídica é usada tanto para impedir a demarcação de terras indígenas no Brasil, quanto para reabrir o questionamento de terras já demarcadas”, completou. “A mensagem que nós queremos trazer é que: não há como pensar em enfrentar a crise climática sem necessariamente reconhecer o direito do território dos povos indígenas”, declarou.
A deputada Joenia falou logo após Terena e abordou a questão do PL da Grilagem, que afeta territórios indígenas e quilombolas. “Essa oportunidade que estou tendo de ser parlamentar no Brasil, e poder fazer propostas legislativas, para combater as propostas que estão aí. A gente sabe que nós não temos bancada maioria (…) que podem apoiar e aprovar um projeto. Mas a gente pode atuar como parlamentar e fazer nossos requerimentos, por exemplo, convocar ministros e pessoas responsáveis para responder sobre sua omissão ou responsabilidade”, comentou a deputada. “Uma das proposições foi agora para a questão Yanomami. Nós podemos encaminhar as denúncias que recebemos do povo Yanomami e podemos fazer com que haja visibilidade na denúncia através de audiências públicas, através da presença dos ministros, do presidente da Funai, da Polícia Federal, para que respondam a respeito das denúncias que estão havendo”, completou. “Recentemente, com a exposição dessa violência que aumentou na área Yanomami, com ataques constantes através dos garimpeiros, nós aprovamos uma diligência da área Yanomami junto com algumas autoridades”, continuou. A deputada contou que também protocolou um projeto lei que pode proibir todas as autorizações de pesquisa e concessão de lavra de empresas que mesmo não tendo regularização de mineração no Brasil, elas solicitam a pesquisa de minérios em território brasileiro.
“Isso podia ser uma estratégia para barrar qualquer exploração no futuro”, indicou Joenia. “Outra proposta é a gente proibir a utilização de mercúrio em terras públicas, acho que isso pode inibir essa situação do uso do mercúrio. Nós estamos trabalhando agora para tornar mais severa o crime de garimpo ilegal nas terras indígenas, para que a gente possa ter uma justiça em relação aos garimpos”, Joenia incentivou a comunidade internacional de pressionar os governos a respeito do garimpo irregular, enaltecendo que este é um crime organizado.
Os impactos do garimpo são devastadores, espalham doenças causadas pelo mercúrio, atingindo principalmente crianças. Outros danos como poluição dos rios, desmatamento, ruptura dos tecidos sociais e dos modos de vida tradicionais que são invadidos pelo álcool, drogas, prostituição e violência.
É comprovado que os territórios indígenas representam o principal escudo contra o desmatamento da Amazônia e preserva as florestas das destruições causadas pela ação humana. A principal fonte de emissões de gases de efeito estufa no Brasil é a destruição das matas e, atualmente, o território brasileiro ocupa o 4º lugar no ranking dessas emissões. A conservação das terras dos povos originários e a manutenção dos modos de vida, tradições, respeito às origens, é algo essencial para conter o avanço das mudanças climáticas. O debate da COP26 de hoje mostrou ao mundo os desafios que os povos indígenas enfrentam cotidianamente no combate ao crime do garimpo ilegal.
PUBLICADO POR: FRENTE PARLAMENTAR MISTA EM DEFESA DOS DIREITOS DOS POVOS INDÍGENAS
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