Expedição Centenária Roosevelt-Rondon 3ª Parte – XXIX
Luiz Carlos Bordignon
Os Rios são caminhos que andam e que nos levam aonde queremos chegar. (Blaise Pascal)
Na água que avançava devagarzinho, via seu rosto como num espelho e nessa imagem havia algo que lhe despertava recordações, algo de que se esquecera e que lhe voltava à memória, quando refletia um pouco: esse rosto parecia-se com o de outra pessoa que ele, Sidarta, em tempos remotos, conhecera, adorara e temera. (Hermann Hesse ‒ Sidarta)
Nestas infindas jornadas, pelos caminhos que andam, tenho conhecido amigos de “outras eras” que nos cativam imediatamente com seu carinho, fidalguia e hospitalidade. Ouvimos encantados as histórias de vida – exemplos de determinação, disciplina e força – destes formidáveis bandeirantes hodiernos que abandonando sua terra natal partiram em busca de novos desafios e construíram com seu suor e energia invulgar um futuro promissor em outras plagas. Homenageando neste capítulo o amigo Luiz Carlos prestamos um tributo a todos aqueles que participaram desta verdadeira “Marcha para o Oeste” brasileiro.
Olá! Coronel
Venho nessas breves linhas encaminhar para vós, um breve relato buscado em minhas memórias, sobre minha chegada a esta rica terra de Rondônia, e, por conseguinte de algumas pessoas, que estiveram e se fizeram presentes nessa jornada vivida até aqui, pessoas estas que como eu, vieram da região sul do nosso país. Em meados de 1978, na cidade de Francisco Beltrão, um pequeno grupo de amigos conterrâneos, se reuniram e resolveram, sair do Paraná e conhecer o Norte do Brasil. Esses quatro amigos moradores da cidade de Francisco Beltrão, PR, tomaram rumo em uma viagem de camionete para ver de perto a região Centro Oeste e Norte do pais, com o intuito de localizar nessa jornada uma cidade, um município onde pudessem trabalhar e investir na exploração de madeira.
Um dos componentes desse grupo de amigos era meu valente pai, um gaúcho nascido em Serafina Correia, RS, cidade natal também deste narrador. Vagaram viajando e conhecendo boa parte do Norte mato-grossense e grande parte do estado de Rondônia, e nessas andanças acabaram achando melhor se estabelecerem na cidade de Pimenta Bueno-RO, isso no ano de 1979. Em 1980, mais precisamente em 10 de janeiro deste ano, desembarquei em Pimenta Bueno, RO, em um voo da TABA [Transporte Aéreo da Bacia Amazônica], empresa de aviação da época, nesta época, estava eu com tenros 17 anos.
A partir de então, dei uma guinada na minha vida, tudo mudou completamente, os costumes, as pessoas, era tudo muito diferente do que eu tinha vivenciado até aquele momento, digo o conhecimento da minha infância e vivência com os parentes todos esses, do Sul do pais, ficaram para trás, deparei-me com pessoas e hábitos bastante diferentes daqueles que eu já estava acostumado. Mas foi uma experiência gloriosa, e, apesar de sofrer cedo demais, com a doença que acometeu meu pai, ele sofreu um AVC, no ano de 1981, com apenas 49 anos, e com isso a minha vida teve tomar uma nova direção, retornando ao Paraná.
Os projetos o que planejávamos tudo ficou em segundo plano, era esquecer todo o planejado, e a prioridade passou ser tentar salvar a vida dele, e a partir daí, “recomeçou tudo sem projeto algum”. Fiquei cinco anos ao lado dele, e somente então, no ano de 1987, retornei para Rondônia. A partir daí sim, a vida teve um enorme crescimento, comecei a trabalhar com madeira, tal qual meu pai fizera e assim eu também dei prosseguimento à sua profissão e com isso, obtive os contatos, e muitos desses tenho até o dia de hoje, pessoas oriundas de todas as regiões do país.
A exploração de madeira aquela época era intensa e imensa, cito como exemplo, Pimenta Bueno, que chegou a ter 35 madeireiras, Rolim de Moura aproximadamente 40 e assim, em quase todos os municípios de Rondônia, a economia predominante era exploração e venda de madeiras. A exportação de madeira era o que gerava toda a movimentação econômica, no mercado interno, restava a madeira de segunda qualidade, isso se dava pelo preço que o mercado interno não podia competir. A intensidade desse comércio era tão forte que, a madeira de mogno, uma essência muito valorizada, começou a rarear, e então se buscou por este tipo de madeira em outras regiões e começou-se a negociar esse produto, oriundo das regiões de terras indígenas e de proteção ambiental.
Eu, meu irmão e uns tios, que na mesma época estávamos trabalhando com esse tipo de madeira, tivemos notícia de uma área no município de Aripuanã, MT, que podia ser acessada pelo município de Espigão do Oeste, onde poderíamos trabalhar, sem nos envolver com áreas indígenas ou de preservação. Na época, as prisões e multas, eram de pouca expressão, porém já causavam estrago e traziam medo aos madeireiros.
Começamos a trabalhar em 1989 nesta área decidi e assim ficamos durante dois anos. Quando passávamos por uma estrada aberta pelos proprietários daquelas terras que, esses chamavam de “Gleba Lunardelli”, e passava por uma área de conflito entre posseiros e índios onde hoje é atualmente uma reserva indígena demarcada, víamos com muita frequência a exploração das reservas indígenas.
Conhecemos alguns caciques e muitos madeireiros, colegas que trabalharam nesse sistema ilícito de exploração. Os acordos entre os caciques e madeireiros se tornavam frequentes, e com isso surgiam também os atritos e alguns com desfechos acalorados e em muitos com riscos e perdas de vidas.
Riscos como: perda de maquinários e apetrechos para indígenas, que os queimavam e, de outro lado os madeireiros prometendo revidar assim que pudessem. Mesmo assim, as explorações continuavam em todas as áreas indígenas sem exceção.
Nós, eu e meus familiares tínhamos receio e nunca nos arriscamos em terras indígenas.
Neste período conheci alguns valentes que trabalhavam comigo, numa área distante cerca de 270 km de Pimenta Bueno, mata adentro, passando então dentro das reservas indígenas dos Zoró e ao lado da reserva indígena Cinta-Larga.
Lembro com saudades de alguns desses valentes, que o tempo deu por conta, e com isso o destino nos separou. Eram homens de muita coragem, citarei alguns deles. O Tião Mineiro, um valente que me acompanhava e estava sempre por perto, já tinha passado por vários estados brasileiros inclusive tinha estado na África com a empreiteira “Mendes Júnior”, Antônio, conhecido como “Fiinho”, paulista de nascimento, mas sul mato-grossense de coração e com muito conhecimento na exploração de madeira, Osório, um excelente caminhoneiro e mecânico, José Telles, um gaúcho de André da Rocha, tratorista perfeito para aquelas dificuldades. E também outros que no momento não cito nomes, mas que foram também muito importantes nessa empreitada.
Empreitada, que fomos a cada dia tendo dificuldades e mais dificuldades, a madeira passava por um período de valores baixos, mercado retraído, e na exploração o custo era muito alto, não suportamos as dificuldades pois estávamos, distantes da cidade e a madeira que explorávamos era de valor mais baixo do que as outras madeireiras extraiam de áreas indígenas, que era o mogno, Ipê e outras de lei de 1° qualidade. Encerramos as atividades no ano de 1992, onde passei a me dedicar a criação de gado, uma atividades que já estava dando bons resultados.
Na nossa região, essa atividade na época era pouca fiscalizada e não se tinha dificuldades para fazer derrubadas para plantar pasto, café ou outra atividade que expandia. Hoje em dia, estou totalmente ligado à pecuária, e tentando melhorar a produtividade com novas técnicas de produção.
Atualmente as áreas de preservação e áreas indígenas continuam a ser exploradas, tanto na madeira quanto na exploração mineral, como ouro, diamantes, cassiterita, manganês e outros minérios.
As áreas de propriedades particulares estão em constante monitoramento, tanto é que, possuo uma área de terras que faz divisa com reservas indígenas, e como é documentada, tenho endereço, e-mail, telefone e outros dados meus, onde recebo informações, para não fazer qualquer tipo de exploração ou abertura florestal sem autorização dos órgãos competentes, mas a maioria das propriedades não tem documentos oficiais, informações e nem a possibilidade de serem intimadas, isso deve ter sérias consequências no futuro, penso eu.
Coronel, eu presenciei muitos conterrâneos perderem a vida, a maioria na exploração da madeira, origem da grande expansão desse Estado, correta ou incorreta, esta ocorreu!!!
Aqui em Pimenta Bueno, em 1980 meu pai e uns colegas gaúchos, e outros tradicionalistas, criaram o “CTG Porteira Aberta” que manteve suas atividades até os idos de 1993. Quem o manteve em funcionamento foi um dos seus fundadores e alguns funcionários da madeireira que vieram do Rio Grande do Sul, grande parte de André da Rocha e Nova Prata, RS. A partir daí, foi perdendo força e parou de entreter a cidade com bailes, jogo de bocha, churrascadas etc…
Coronel, eu e outros amigos madeireiros fomos testemunhas, na época que o município de Pimenta Bueno era o maior explorador de mogno da reserva indígena Cinta-Larga, uma madeireira voltada para a exportação que trabalhava com um cacique que coincidentemente, esteve aqui um dia após sua passagem pela reserva.
Era o cacique Roberto Carlos, na época, hoje não tenho ideia do que seja. O Roberto raramente se afastava da madeireira, pois eu ia lá frequentemente visitar meus amigos porque dependia deles para me ajudarem na reposição de peças de caminhão que eram de difícil aquisição. Como eles tinham vários veículos do mesmo modelo e compravam muitas peças de reposição para sua frota e para a própria serraria, dependíamos, então, muito deles.
Morávamos todos no mesmo condomínio, onde presenciei muitos fatos sobre essas negociações e que até hoje não são diferentes.
Coronel Hiram, espero que alguma parte deste breve relato, possa ser lhe útil em seu documentário, e que se houver necessidade de mais informação, e que possa colaborar, estarei à disposição.
Luiz Carlos Bordignon;
Nascimento: 01 de agosto de 1963;
Local: Serafina Corrêa/RS;
Filiação: Odílio Luiz Bordignon e Joyce Maria Moroni Bordignon.sp;
Por Hiram Reis e Silva (*), Bagé, 12.10.2021 – um Canoeiro eternamente em busca da Terceira Margem.
(*) Hiram Reis e Silva é Canoeiro, Coronel de Engenharia, Analista de Sistemas, Professor, Palestrante, Historiador, Escritor e Colunista;
- Campeão do II Circuito de Canoagem do Mato Grosso do Sul (1989)
- Ex-Professor do Colégio Militar de Porto Alegre (CMPA) (2000 a 2012);
- Ex-Pesquisador do Departamento de Educação e Cultura do Exército (DECEx);
- Ex-Presidente do Instituto dos Docentes do Magistério Militar – RS (IDMM – RS);
- Ex-Membro do 4° Grupamento de Engenharia do Comando Militar do Sul (CMS)
- Presidente da Sociedade de Amigos da Amazônia Brasileira (SAMBRAS);
- Membro da Academia de História Militar Terrestre do Brasil – RS (AHIMTB – RS);
- Membro do Instituto de História e Tradições do Rio Grande do Sul (IHTRGS – RS);
- Membro da Academia de Letras do Estado de Rondônia (ACLER – RO)
- Membro da Academia Vilhenense de Letras (AVL – RO);
- Comendador da Academia Maçônica de Letras do Rio Grande do Sul (AMLERS)
- Colaborador Emérito da Associação dos Diplomados da Escola Superior de Guerra (ADESG).
- Colaborador Emérito da Liga de Defesa Nacional (LDN).
- E-mail: [email protected].
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