Expedição Centenária Roosevelt-Rondon 3ª Parte – XXIV 

Camaradas (Cherrie)

P. Ten Marques (KM 100) – KM 252 – VIII 

08.04.1914 

– Relata Rondon – 

08.04.1914 – No dia imediato, lutando corajosa­mente contra as dificuldades opostas por esta cacho­eira, que recebeu a designação de “Sete de Abril”, e mais com as que se lhe seguiram, não conseguimos avançar mais do que 3.655 m, apesar de termos trabalhado desde as 08h00 até próximo das 16h00. Paramos à beira de outra cachoeira, e ao acampa­mento aí instalado demos o nome de “Piranhas”, em lembrança de alguns desses peixes pescados pelo Ten Lyra. (RONDON)

– Relata Roosevelt – 

08.04.1914 – Hoje, só descemos 5 km, pois encon­tramos muitas corredeiras. Tivemos de baldear as cargas de duas canoas, mas as vazias passaram sem dificuldade, pois, na margem Ocidental, havia longos Canais e de correnteza rápida dentro da mata. O Rio estivera mais cheio, mas ainda se conservava muito alto, e a corrente tumultuava em volta das muitas ilhas que naquele ponto dividiam o Canal. Às 16h00, acampamos ao alto de outra série de encachoeirados, nos quais as canoas canadenses teriam passado oscilando e sem embarcar uma gota d’água, mas que nossas canoas só podiam vencer descarregadas.

Cherrie matou três macacos e Lyra pescou duas grandes piranhas, de modo que mais uma vez tivemos um jantar e um almoço muito bons. Quando um grupo de homens, em trabalho puxado, fica a meia ração a maior parte do tempo, passa a tomar vivo interesse em qualquer refeição razoavelmente satisfatória que possam conseguir. (ROOSEVELT)

– Relata Cherrie – 

08.04.1914 – De nosso Acampamento, como tem sido rotina já há algum tempo, ouvimos o barulho dos Rápidos tanto a montante como a jusante! Ainda não atravessamos os Rápidos a jusante da Foz do Rio Cardoso. Nossa marcha é curta. Por duas vezes, os barcos passaram carregados, mas somente com os remadores a bordo. Por duas vezes, transportamos a carga por terra, por uns 400 e 100 metros, respectivamente, e os barcos conduzidos à sirga vazios. A primeira travessia de 400 metros mostrou-nos como estava fraco o Coronel Roosevelt.

Ele estava completamente exausto, no limite de suas forças, mas, mesmo assim, mantinha sua postura. Kermit está cada vez mais preocupado com o seu pai, embora ele próprio ainda esteja com febre. A falta de alimentos em quantidade suficiente é um dos motivos de estarmos todos fisicamente debilitados, e a falta de força e energia é extremamente evidente nos Camaradas. Parece, finalmente, que estou recuperan­do-me completamente da doença que tem me atormentado, embora, é claro, ainda esteja enfraque­cido. Logo que chegamos ao novo Acampamento, ouvi um alarido de macacos na floresta. Peguei minha arma, entrei na mata, achei um bando de mais de doze símios alimentando-se e consegui abater três. Um deles, no entanto, permaneceu preso, pela cauda preênsil, em um galho.

Nós não teríamos conseguido alcançá-lo, mas Antônio Pareci subiu por uma pequena árvore, ascendendo pelos seus galhos até as proximidades de onde o macaco estava pendurado e, agitando os ramos, conseguiu derrubá-lo. Todos acharam a carne fresca muito agradável. Usando pedaços de carne de macaco como isca, Lyra pegou bons pacus para o nosso jantar.

Minha ceia consistia de refrigerante, um biscoito e uma pequena porção de peixe com uma xícara de café. Não é uma refeição muito saudável para homens adultos! Os macacos ficaram para o café da manhã.

O Cel Rondon relatou ter visto um urubu. Estamos novamente cercados por colinas baixas e rochosas, mas acho que provavelmente as deixemos para trás depois de amanhã. Quando atravessávamos o Rio, acima dos Rápidos, Antônio Pareci quebrou o remo!

Se eu não tivesse alertado e Cel Roosevelt insistido, não teríamos um remo reserva! Ficaríamos à mercê das águas considerando que o tamanho e o peso da canoa não poderiam ser controlados pela pequena pá do timoneiro. Podemos afirmar que o Cel Rondon demonstrou, em diversas ocasiões, despreocupação com detalhes importantes, dando provas de ser um chefe de uma Expedição incompetente! (CHERRIE)

09.04.1914 

– Relata Rondon – 

09.04.1914 – Desse acampamento descemos, no dia imediato, 9 de abril, mais 4.575 m, transpondo duas cachoeiras, que obrigaram os nossos valentes trabalhadores a transportar as cargas por caminhos martirizantes, o primeiro com a extensão de 700 m e o segundo com a de 400.

Estes homens já apresentavam o aspecto de organismos esgotados pelo excesso dos esforços que vinham desenvolvendo havia 42 dias seguidos, numa luta sem tréguas contra as formidáveis resistências da natureza selvagem do Sertão e do Rio, que se apresenta eriçado de todos os obstáculos próprios a levarem até o infinito as dificuldades da navegação; no entanto, nenhum sinal de abatimento moral se manifestava neles, e nada pressagiava a possibilidade de virem a perder o ânimo necessário para enfrentar e vencer novos obstáculos e resistir aos embates de maiores desventuras e de mais pesados sofrimentos. (RONDON)

– Relata Cherrie – 

09.04.1914 – Nós ainda estamos cercados por montanhas e o rugido dos Rápidos ecoa em nossos ouvidos! Fizemos apenas uma marcha relativamente curta. A primeira coisa que fizemos, na parte da manhã, foi um transporte por mais de 600 m, contornando os Rápidos, partindo as canoas vazias. Passamos quase toda a manhã neste transportar e carregar as canoas.

Era quase meio-dia quando finalmente embarcamos por apenas quinze ou vinte minutos até desembarcarmos novamente para explorar a região à frente e avaliar as características e extensão de outra longa série de Rápidos. Felizmente foi encontrado, numa das margens, um Canal que permitiu que as canoas passassem carregadas, com êxito. Em seguida, depois de mais quinze minutos, alcançamos a cabeça de outros Rápidos onde realizamos um transporte de 200 m para a carga e de onde as canoas passaram vazias com êxito.

Carregamos e embarcamos novamente, tivemos de picar a voga durante uns 15 minutos para impedir a alagação das canoas e, finalmente, conseguimos trazê-las até a margem direita a montante de outra longa série de Rápidos. Chegamos cedo o bastante para realizar um reconhecimento e descobrir que amanhã há a necessidade de executar um transporte de 700 m à nossa frente e onde será possível executar a travessia das canoas vazias. Esta longa série de Rápidos a jusante da Foz do Rio Cardoso ia de encontro ao que afirmara Rondon que, durante o desnecessário atraso no Rio Cardoso, insistiu que não existiam Rápidos à frente! ([1]) Ele [Rondon] está desanimado e triste, mas é do tipo que nunca aprende. Kermit continua muito doente com febre e mal consegue ficar de pé.

O Médico aplicou-lhe quinino. No final da noite, a temperatura que tinha chegado até 39,8° C, caiu. No caminho ao longo do primeiro transporte da manhã, atirei em um grande e belo tucano, mas de uma espécie que já tenho; ele vai para a panela. Lyra pescou uma piranha de bom tamanho. Falei das colinas baixas que nos cercam na última noite. Hoje à noite, avistamos uma crista à nossa frente na margem oposta que se eleva a uma altura considerável.

Esta cadeia de montanhas, através da qual o Rio Roosevelt cortou o seu caminho, é, sem dúvida, a continuação da faixa que forma o curso do Rio Cardoso a Oeste do Roosevelt. Senti-me muito bem hoje ‒ mas estou com fome! Desde a confluência do Rio Roosevelt ([2]), navegamos em um Rio muito grande, e nossas canoas parecem demasiadamente pequenas perante ele. (CHERRIE)

10.04.1914 

– Relata Roosevelt – 

10.04.1914 – Neste dia, repetimos essas tarefas: uma curta e rápida descida; baldeação por algumas centenas de metros, e que nos tomou, apesar disso, umas duas horas; outra descida de alguns minutos e novas corredeiras. Viajamos outra vez menos de 05 km; nesses 2 dias, vínhamos descendo à razão de um metro de altitude por quilômetro de avanço e parecia quase impossível que tal estado de coisas pudesse durar, pois o aneroide indicava que estávamos ficando em nível muito baixo. Como suspirava eu por uma grande canoa de casca de bétula, lá do Maine, como aquela em que uma vez desci o Mattawankeag em plena enchente! Teria ela deslizado por aquelas corredeiras, como uma jovem desliza numa contradança. As nossas sobrecarregadas canoas de troncos teriam mergulhado a proa embaixo de cada onda. A região era bela. O Rio, alargado, serpeava entre colinas, ora num só Canal, ora em vários. A mata orvalhada da chuva cintilava ao sol. As várias espécies de frondes, as folhas de palmeira e as folhas enormes das pacoveiras imprimiam sua feição peculiar e tropical em toda a paisagem – era como se alguém, por água, atravessasse um gigantesco jardim botânico. À tarde, apanhamos um velho tucano, uma piranha e uma tartaruga fluvial, de pescoço torto, razoavelmente comível, e assim tivemos outra vez carne fresca. Dormimos como de costume ao rumor das corredeiras. Estávamos havia seis semanas a caminho, e durante quase todo esse tempo estivéramos no fatigante esforço de transpor corredeiras após corredeiras. Estas são os mais perigosos inimigas dos exploradores e viajantes que percorrem aqueles Rios. (ROOSEVELT)

– Relata Cherrie – 

10.04.1914 – As colinas que tínhamos avistado na tarde de ontem causaram todo o transtorno que poderia se esperar delas. Não ficavam longe da trilha, acima da qual acampamos até às 12h00. Fizemos uma pequena parada na margem esquerda, depois de contornar os Rápidos, enquanto as canoas eram transpostas carregadas. Aguardamos enquanto Rondon, Lyra e Antônio Correia faziam um reconhecimento mais a jusante para investigar outra série de Rápidos, cujos primórdios avistávamos e cujo rugido era muito sinistro. Não foi encontrado um local através do qual as canoas vazias pudessem passar, tendo em vista ser uma série muito longa [cerca de 1.500 m] de Rápidos furiosos. O reconhecimento não identificou nenhuma passagem, a partir da margem esquerda; a direita, porém, parecia apresentar mais possibilidades.

Assim que cruzamos para a margem direita, para melhor ainda reconhecer a região, verificamos que foi uma opção feliz. Pareceu-nos possível passar as canoas vazias para baixo. Mais adiante, elas vão ser descidas por uma curta distância à sirga, e depois, passar vazias novamente. Uma trilha foi aberta e nossa bagagem e carga transportada até o Acampamento. Kermit ainda está bastante doente e com febre, o Cel Roosevelt melhorou e eu estou me sentindo melhor do que nas duas últimas semanas. O cão de Kermit ‒ “Trigueiro” ‒ foi inadvertidamente deixado para trás, esta manhã. Ele tinha subido a bordo da balsa com Kermit, mas deve ter saído de novo, Kermit estava doente demais para se dar conta do que sucedeu. Gastei meu último cartucho de calibre pesado com o tiro desta manhã, minha arma tem agora pouco valor para a obtenção de carne para a nossa Expedição. Atirei em um grande macaco-aranha, ferindo-o, mas não conseguimos pegá-lo.

Alguns dos camaradas, talvez achando que minhas latas contivessem carne, extraviaram minhas coleções mais importantes. Foi, sem dúvida, para mim, uma perda muito grave. […] (CHERRIE)

11 a 12.04.1914 

– Relata Roosevelt – 

11 a 12.04.1914 – Repetiram-se os mesmos trabalhos. Passamos a manhã toda a baldear as cargas para baixo das corredeiras em cujo início havíamos pernoitado, descendo as canoas vazias. Em seguida, por 30 ou 40 minutos, corremos pelas águas céleres do Rio serpenteante, quase acontecendo um desastre às canoas geminadas, que foram atiradas por um redemoinho contra as árvores de uma ilhota meio submersa. E chegamos a outra série de encachoeirados, onde baldeamos as bagagens e abarracamos muito depois de anoitecer, debaixo de chuva – um bom exercício de paciência para aqueles de entre nós que ainda sofriam um tanto de febre. Ninguém gozava saúde perfeita. Havia algumas semanas que distribuíramos parte do conteúdo de nossas latas com os Camaradas, porém os nossos alimentos não eram para eles muito satisfatórios.

Precisavam de mais volume, e o prato de resistência em suas refeições eram os palmitos; mas, naquele dia, não tiveram tempo para tirá-los. Afinal resolvemos passar aquelas corredeiras com as canoas vazias, o que foi feito sem que sofressem acidentes. Em tais viagens é altamente indesejável correr outros riscos além dos inevitáveis, porque as consequências de um desastre são muitíssimo sérias; mas também, caso não se arrisque nada, o avanço será tão lento que constituirá por si um desastre; é necessário variar constantemente os métodos do trabalho, indo-se desde o excesso de cautela até à temeridade.

À noite, tivemos um magnífico peixe ao jantar, grande e prateado, chamado pescada, espécie que ainda não apanháramos antes. Certo dia, o cão Trigueiro deixou de embarcar conosco e tivemos de passar esse dia no mesmo acampamento a fim de o encontrarmos.

No Domingo de Páscoa, tudo correu do modo para nós já por demais familiar. Só deslizamos em águas livres durante dez minutos ao todo, levando oito horas a baldear cargas, desviando-nos de outra corredeira a que as canoas vazias transpunham; a balsa quase ficou inundada. Nesse dia, pescamos 28 peixes grandes, na maior parte piranhas, e todos comeram à farta ao jantar e ao almoço da manhã seguinte. (ROOSEVELT)

– Relata Cherrie – 

11.04.1914 – Esta manhã, dois homens foram mandados de volta, por terra, ao Acampamento 28, na tentativa de trazer o “Trigueiro”. Pessoalmente, acho que foi um grande erro da parte do Cel Roosevelt e Kermit, quando estamos tão ansiosos para chegar ao nosso destino. De manhã, verificamos que os Rápidos poderiam ser transpostos com as canoas vazias. A consequência [“Trigueiro”] foi de que a partida da Expedição, que poderia ter acontecido às 09h00, foi adiada. Um precedente foi criado e nossos companheiros, sem dúvida, poderão valerse dele, no futuro, para parar por um dia ou parte dele! Um dia inteiro foi gasto neste Acampamento, as canoas estavam carregadas e prontas para partir antes do meio-dia, mas Antônio Pareci e Henrique só retornaram lá pelas 17h00, no entanto, tinham encontrado “Trigueiro”. As tralhas da cozinha e a bagagem pessoal foram retiradas das canoas, pouco depois das 16h00, e ultimaram-se os preparativos para o pernoite.

Preparei duas pequenas peles de aves, elas são as primeiras depois de vários dias. Um grande pássaro “Anni” ([3]) foi visto. […] A balsa transportava a maior parte de nossos víveres, ficamos naturalmente alarmados. Antônio e Henrique, além de trazerem o cão “Trigueiro”, trouxeram um courasow ([4]). (CHERRIE)

– Relata Cherrie – 

12.04.1914 – Estávamos todos muito animados com a notícia que Luiz Corrêa trouxe ontem à noite. Ele tinha ido até a outra margem para pescar e, navegando ao longo dela, encontrou um lugar onde alguns galhos haviam sido cortados com uma faca ou um machado! Neste lugar, o corte só poderia ter sido feito embarcado em uma canoa e os índios desta região não são “índios canoeiros”. Consequente­mente, alguns seringueiros devem ter se aventurado por estas plagas do Roosevelt! Nossas chances de encontrá-los podem vir a acontecer brevemente.

Fizemos um pobre progresso hoje, apenas cerca de 2,5 km. Partimos do Acampamento cedo; alguns minutos, depois das 07h00 e, no final, de uma descida de 5 min, estávamos a montante de mais uma longa série de Rápidos. A carga teve primeiro de ser transportada por cerca de meio quilômetro até um local onde os barcos poderiam atravessar vazios e, em seguida, descer por uma queda de cerca de um metro à sirga. Ao aproximarem-se das quedas, os canoeiros perderam o controle de nossa canoa mais antiga, que foi arremessada contra as rochas.

Felizmente, aonde ela foi jogada, a água não era profunda, embora fosse muito rápida e, após quase três horas de intensa labuta, orientada por Rondon e Lyra, ela foi finalmente resgatada. […] Abaixo das Quedas, embarcamos para uma descida de cerca de 500 m. Depois tivemos de transportar as cargas entre 200 e 300 m até o Acampamento. As canoas passaram vazias. Nosso Acampamento está novamente na margem direita em um emaranhado quase inextricável de bambus, pequenas árvores e arbustos, o pior emaranhado que encontramos até agora! Hoje avistamos um urubu-de-cabeça-vermelha ([5]), uma grande Garça Azul ([6]), a primeiro do Rio. O Cel Rondon relatou que na Boca do Rio Cardoso um Black Skimmer ([7]). Os Paroarias e os Kingfisher ([8]) são muito comuns. Este foi um dia ruim para os peixes! Entre 25 e 30 peixes grandes foram pescados! Hoje à noite todo mundo poderá comer a quantidade de peixe que desejar. Mas o nosso jantar foi só peixe com direito a um biscoito. Amanhã esperamos pescar mais peixes e assim não precisaremos abrir mais uma lata de ração. […] (CHERRIE)

13.04.1914 

– Relata Roosevelt – 

13.04.1914 – A primeira parte da manhã foi uma repetição daquela cansativa rotina; porém, ao fim da tarde, o Rio começou a correr em longos estirões remansosos. Percorremos 15 km e, pela primeira vez em tantas semanas, acampamos sem o escachôo ([9]) das águas nos ouvidos. […] (ROOSEVELT)

– Relata Rondon – 

13.04.1914 – Na jornada seguinte, 13 de abril, depois de atravessarmos um rápido perigoso, onde perdemos dois remos da balsa, entramos num trecho favorável à navegação, por ter o Rio começado a manifestar a tendência de encaixar em leito regular as águas que, desde a cachoeira “Sete de Abril”, vinham, dispersadas por inúmeros canais, rasos e pedregosos. Assim conseguimos avançar 13.400 m, vendo a vegetação marginal recobrar o aspecto da floresta amazônica, interrompida no terreno rochoso e alagadiço da cachoeira das Piranhas. (RONDON)

– Relata Cherrie – 

13.04.1914 – […] depois de enfrentar Rápidos por mais de um mês, acampamos onde seu rugido não é ouvido. Anteriormente, quando saíamos dos acampamentos, tínhamos uma única perspectiva que era de mais um dia lutando contra os Rápidos à frente de nós. Tivemos um bom início, mas depois de uma descida de 5 min, tivemos de parar a montante de uns Rápidos, onde todos, exceto os remadores, tiveram que marchar por terra, mas onde se achava que as canoas carregadas passariam de forma segura.

Era necessário parar por aqui e fabricar remos, uma tarefa demorada quando é necessário fazê-los a partir de toras. Ao final de 3 horas, tínhamos 5 pás novas, regularmente lavradas. Pouco depois do meio-dia, partimos pela segunda vez. Apenas alguns minutos se passaram e estávamos, novamente, à frente de outros Rápidos. A carga teve de ser transportado por uma distância de cerca de 400 m, e as canoas vazias desceram sem acidente. Carregamos as bagagens pela trilha por 02h30, sem muita esperança de poder embarcar novamente nas canoas.

A cada curva do Rio, uma nova expectativa ‒ o que ele nos reservava logo adiante ‒ até que, finalmente, verificamos que o nosso caminho estava desimpedido. Apenas uns pequenos Rápidos que foram facilmente ultrapassados! Progredimos bem durante 2 horas! Ocasionalmente, um morro ou uma colina baixa apareciam diante de nós provocando-nos apreensão, mas tudo correu bem. Esta noite, no Acampamento, consegui uma nova espécie ‒ um Heteropelna ([10]). O Cel Roosevelt quase não consegue andar, ele está com erisipela em uma perna e um pouco de febre. […] (CHERRIE)

14.04.1914 

– Relata Rondon – 

14.04.1914 – Partimos cio nosso 31° acampamento na manhã de 14 de abril, data que nos serviu para designar um novo tributário da margem esquerda do Roosevelt, distante 252.475 m do Passo da Linha, e prosseguimos a marcha até completarmos nesse dia o percurso de 31.350 metros, ao fim do qual acampamos. (RONDON)

– Relata Roosevelt – 

14.04.1914 – Fizemos um bom percurso de 32 km, aproximadamente. Passamos pela Foz de um pequeno Rio que entrava pela direita. Passamos por três corredeiras de pouca importância, e noutra, mais forte, baldeamos as canoas. O Rio se estendia agora em compridos estirões geralmente tranquilos. Pela manhã, quando largamos, a vista era linda.

O Rio, largo e sereno, por uns 800 m, era recoberto por leve nevoeiro, emoldurado em altas paredes de floresta tropical, em que a copa das árvores gigantescas apenas se distinguia através de seu branco véu. Vários membros da comitiva pescaram muito, mataram um macaco e um casal de jacutingas ([11]) – aves aparentadas com o peru, mas do porte de um galo – de modo que tivemos um acampamento bem abastecido outra vez.

A época da seca estava começando, mas ainda caíam chuvas pesadas. Naquele dia, o pessoal conseguiu cocos de uma nova espécie, cujo sabor muito lhes agradou, porém esses cocos eram prejudiciais à saúde, e a metade dos homens foi intoxicada e incapacitada para o trabalho do dia seguinte. Na balsa, só dois podiam fazer alguma coisa, e Kermit labutou no remo durante o dia todo. (ROOSEVELT)

– Relata Cherrie – 

14.04.1914 – Tivemos um excelente dia, embora não tenhamos podido manter-nos embarcados durante todo o tempo. Fizemos duas paradas – a primeira, somente os remadores desceram com as canoas pelos Rápidos por uma distância de cerca de 500 m, levando mais de uma hora.

Na segunda, houve um transporte da carga por uma distância similar, que consumiu mais de três horas. Em seguida, surgiram vários Rápidos pelos quais passamos sem transtornos, embora isso não tenha servido para melhorar nossa opinião sobre a habilidade dos nossos canoeiros. O dia correu bem, percorremos 32 km. Cerca de 20 km no rumo Norte, e 05 no rumo Oeste. Uma nova andorinha apareceu hoje, com a cauda preta e uma faixa branca no peito.

Outras duas espécies ainda voam sobre nós, mas, aquela com o peitoral branco ([12]) é mais rara. Nesta noite, no Acampamento, ouvimos um formicarius. Pouco antes de chegarmos ao Acampamento, um pequeno jacaré ‒ o primeiro neste Rio. (CHERRIE)

Por Hiram Reis e Silva (*), Bagé, 05.10.2021 – um Canoeiro eternamente em busca da Terceira Margem.

Bibliografia 

CHERRIE, George Kruck. Dark trails: Adventures of a Naturalist ‒ USA ‒ New York ‒ G. P. Putnam’s Sons, 1930.

RONDON, Cândido Mariano da Silva. Conferências Realizadas nos dias 5, 7 e 9 de Outubro de 1915 pelo Sr. Coronel Cândido Mariano da Silva Rondon no Teatro Phenix do Rio de Janeiro Sobre os Trabalhos da Expedição Roosevelt‒Rondon e da Comissão Telegráfica ‒ Brasil ‒ Rio de Janeiro, RJ – Tipografia do Jornal do Comércio, de Rodrigues & C., 1916.

ROOSEVELT, Theodore. Nas Selvas do Brasil ‒ Brasil ‒ São Paulo, SP ‒ Livraria Itatiaia Editora Ltda ‒ Editora da Universidade de São Paulo, 1976.

Filmete 

https://www.youtube.com/watch?v=tYkH5YO38IQ&list=UU49F5L3_hKG3sQKok5SYEeA&index=40 

(*) Hiram Reis e Silva é Canoeiro, Coronel de Engenharia, Analista de Sistemas, Professor, Palestrante, Historiador, Escritor e Colunista;  

  • Campeão do II Circuito de Canoagem do Mato Grosso do Sul (1989)
  • Ex-Professor do Colégio Militar de Porto Alegre (CMPA) (2000 a 2012);
  • Ex-Pesquisador do Departamento de Educação e Cultura do Exército (DECEx);
  • Ex-Presidente do Instituto dos Docentes do Magistério Militar – RS (IDMM – RS);
  • Ex-Membro do 4° Grupamento de Engenharia do Comando Militar do Sul (CMS)
  • Presidente da Sociedade de Amigos da Amazônia Brasileira (SAMBRAS);
  • Membro da Academia de História Militar Terrestre do Brasil – RS (AHIMTB – RS);
  • Membro do Instituto de História e Tradições do Rio Grande do Sul (IHTRGS – RS);
  • Membro da Academia de Letras do Estado de Rondônia (ACLER – RO)
  • Membro da Academia Vilhenense de Letras (AVL – RO);
  • Comendador da Academia Maçônica de Letras do Rio Grande do Sul (AMLERS)
  • Colaborador Emérito da Associação dos Diplomados da Escola Superior de Guerra (ADESG).
  • Colaborador Emérito da Liga de Defesa Nacional (LDN).
  • E-mail: [email protected].

[1]    Mais uma vez o cansaço, a fome e a dificuldade de entender o idioma nacional confundem a razão do naturalista Cherrie. O tratamento até então respeitoso de Coronel, a partir de agora, foi suprimido intencio­nalmente pelo arrogante naturalista.

[2]    Rio Roosevelt: Rio Cardoso.

[3]    Anni: provavelmente, trata-se da Anhinga anhinga, conhecida como carará, biguatinga, anhinga, arará, meuá, miuá e muiá. Ave ciconiforme anhingídea que habita os Rios e lagoas desde o Sul dos EUA até ao Norte do Chile e da Argentina.

[4]    Courasow: mutum.

[5]    Urubu-de-cabeça-vermelha: Cathartes aura.

[6]    Garça Azul: Garça-moura ‒ Ardea cocoi.

[7]    Black Skimmer: Talha-mar ‒ Rynchops niger.

[8]    Kingfisher: aves da família Alcedinidae ‒ martim-pescadores, ariramba.

[9]    Escachôo: rebentar a água nas quedas.

[10]  Heteropelna (nome desconhecido, provavelmente trata-se do Heterocercus linteatus): o tangará também conhecido como coroa-de-fogo e dançarino-coroa-de-fogo e, nos países de língua inglesa, Flame-crowned Manakin.

[11]  Jacutingas: Pipile jacutinga.

[12]  Peitoril (Atticora fasciata): ave da família Hirundinidae, também conhecida como Andorinha-de-faixa-branca.