Expedição Centenária Roosevelt-Rondon 3ª Parte – VII
22.10.2014 (quarta-feira) – AC01– AC02
Partimos da Fazenda Baliza (AC01) depois das 08h00, as árvores caídas dificultavam a navegação e tive de socorrer o Dr. Marc que, apesar de sofrer dois naufrágios, manteve, uma notável serenidade para um neófito canoeiro. O Cel Angonese e o Jeffrey (a quem chamaremos, doravante, de “Camaradas”) enfrentaram com galhardia as barreiras formadas pelos troncos, manejando com certa dificuldade a frágil e carregada canoa. As buritiranas ([1]), que Roosevelt observara na sua saga há cem anos, ali estavam representadas por suas descendentes, com os troncos cobertos de espinhos, graciosamente curvados sobre as águas, as quais ele erroneamente chamara de “boritana palms”.
A navegabilidade melhorou sensivelmente depois da confluência com o Rio Festa da Bandeira, as águas estavam mais serenas e a largura do Rio não permitia que as árvores tombadas bloqueassem-no em toda amplitude. A progressão tornou-se mais fácil, mas não mais veloz já que a vazão permanecia praticamente a mesma. O acréscimo do fluxo das águas do afluente era neutralizado pela maior largura do Rio. Diferente da Expedição Original observamos, desde a partida, urubus planando sobre o verde dossel que nos circundava.
Cherrie avistou-os somente no dia 28.03.1914, o 30° dia deles no Rio da Dúvida nas proximidades da Foz do Rio Cherrie ([2]) A mudança geográfica destes catartídeos ocorreu, logicamente, em função das áreas desmatadas a cavaleiro do Rio Roosevelt, destinadas à criação de gado ou ao desmatamento desenfreado que grassa, também, na Terra Indígena (TI) dos Cinta-Larga. A partir da Latitude Sul 11°55’20”, encontramos alguns “furos” ([3]), “arrombados” ([4]) e “sacados” ([5]).
Aportamos em uma praia nas proximidades de um arrombado para analisá-lo onde colhi excrementos de capivara para serem lançados ao fogo com o intuito de espantar mosquitos. Comprovei, à noite, que, diferente dos dejetos bovinos, as fezes de capivara não repeliam absolutamente os insetos. Reporto o comentário de Alfred Russel Wallace por ocasião de sua passagem por Monte Alegre, PA, nos idos de 1849, a respeito do uso do esterco de gado para afugentar os mosquitos:
Depois de alguns dias de permanência, os mosquitos foram-se tornando tão intoleráveis que já não nos permitiam sequer pensar em ficarmos sentados à tardinha lendo ou escrevendo.
Aí ficamos sabendo que os moradores costumam queimar esterco de vaca junto às portas, a fim de afugentar aquela praga, que é como aqui os denominam com muita propriedade. Esse é o único recurso que produz algum efeito contra eles. Havíamos arranjado um índio para os serviços de cozinha, e todas as tardes o mandávamos fazer uma boa provisão de tão útil quão necessário artigo. Pouco antes de escurecer, acendíamos fogo, junto à porta dos nossos quartos, na varanda, num pote de barro, que enchíamos de estrume, a fim de fazer tanta fumaça, quanto fosse possível, e ali ficávamos conversando tranquilamente, sem sermos incomodados pelos mosquitos.
De noite, em todas as casas e cabanas, veem-se essas panelinhas de barro com bosta de vaca, ficam ardendo o tempo todo. O curioso é que o cheiro não é ruim exalando delas um aroma que pode ser considerado até agradável. Como há nas proximidades das cidades muitas reses, tal preciosidade é sempre muito procurada, especialmente para o dito propósito. (WALLACE)
Avistamos, à tarde, depois de haver percorrido 24,5 km ([6]), uma praia de areias muito alvas (AC02 – 11°54’44,45” S / 60°22’27,95” O), à margem esquerda, onde acampamos. As diversas pegadas e dejetos revelavam que o local era frequentado por capivaras. Enquanto o Angonese providenciava o fogo e o Dr. Marc e Jeffrey lenha fui cortar uns esteios para fixar a lona sobre o fogo. O Angonese convenceu nossos parceiros que o item mais importante em um acampamento era o fogo e que era preciso providenciar, de imediato, uma proteção para ele em caso de chuva.
Além dos esteios encontrei, por acaso, uma quantidade considerável de uma espécie muito valorizada na Amazônia chamada Breu-branco (Protium heptaphyllum) e de uma delas colhi abundante resina que seria usada pelo Angonese, durante toda a nossa jornada como mais um elemento inicializador do fogo. Imediatamente veio-me à mente uma passagem do livro “Voyage au Cuminá” da Madame Marie Octavie Coudreau:
Vou com Guilhermo e dois marinheiros procurar breu e tivemos a sorte de encontrar imediatamente muito mais do que precisávamos. As árvores da cera ([7]) vivem aqui em família, conto 10 pés no meu entorno e Guilhermo me disse que se fôssemos mais para dentro da mata, iríamos encontrar mais. Enchi dois baldes, o suficiente para calafetar ([8]) nossa brava canoa. A “Joaninha” fica perfumada com o cheiro doce e agradável desta cera vegetal. (COUDREAU)
As populações ribeirinhas, que conheci no Pará, afirmam que a resina do breu é um potente analgésico, que sua casca é utilizada no tratamento de úlceras gangrenosas e em banhos para acalmar a dor de cabeça. Do caule prepara-se um xarope para o tratamento de tosses, bronquites e coqueluches. As folhas são, também, empregadas contra as úlceras gangrenosas e inflamações em geral.
23.10.2014 (quinta-feira) – AC02 – AC03
A alvorada, novamente, foi por volta das 05h00 e, enquanto o Dr. Marc encarregava-se de avivar o fogo para o café da manhã, os outros membros da Expedição desmontavam o acampamento e carregavam as embarcações. Nas minhas amazônicas jornadas, eu seguia uma rígida e espartana rotina, deixando para trás as comodidades da civilização e partindo sempre antes do alvorecer e em jejum. Tive, porém, muito a contragosto, de me adaptar à ritualística rotina americana de tomar o desjejum, conversar preguiçosamente em volta do fogo e partir somente por volta das 08h00. Minha conduta prussiana sucumbia à maneira americana. Este conforto cobrava, porém, um alto tributo aos expedicionários que forçosamente teriam de enfrentar os ventos que aumentam de intensidade com o passar das horas, o Sol causticante e as chuvas que predominantemente caem no período da tarde. O resultado desse imbróglio todo é que nossa média horária não ultrapassava os risíveis 05 km/h.
O dia transcorria sem alterações significativas, até que avistamos, depois de navegar uns 06 km, o tabuleiro de uma rústica ponte de madeira (11°52’59,3” S / 60°22’50,3” O) que atravessava o Rio, de margem a margem, em direção à Terra Indígena dos Cinta-Larga.
No acampamento dos madeireiros encontramos apenas a cozinheira, a gaúcha Dona Fátima, moradora de Espigão do Oeste, e natural de Tenente Portela, RS, que deu de presente ao Coronel Angonese algumas minhocas para serem usadas como isca e latas de sardinha como reforço ao nosso rancho.
À medida que avançávamos, o curso do Rio alternava-se de trechos extremamente sinuosos para amplos estirões e curvas mais alongadas aqui e acolá e, no final da jornada, alguns rápidos que transpúnhamos sem maiores problemas.
À tarde, depois de uma série de rápidos, que aumentaram sensivelmente a velocidade de deslocamento, começamos a ouvir o som tonitruante do Salto Navaité. Tínhamos percorrido 37 km, resolvi picar a voga, deixando o Dr. Marc para trás, e ultrapassei a canoa pilotada pelos nossos Camaradas antes que eles se aproximassem demais da perigosa série de corredeiras, cachoeiras e saltos. Passei por eles, solicitei que aportassem e aguardassem. Desembarquei logo à frente e fui verificar se era ou não aconselhável continuar a navegação. Voltei e informei aos Camaradas e ao Dr. Marc que precisávamos desembarcar e reconhecer até aonde teríamos de transportar, por terra, as embarcações e a carga. Verificamos que teríamos de realizar a portagem do material por mais de 800 m, e o Coronel Angonese foi tentar conseguir algum tipo de apoio na vizinhança, realizando uma extenuante marcha enquanto retirávamos as embarcações d’água e montávamos o AC03 – 11°47’05,45” S / 60°27’31,29” O ([9]) na margem direita, a montante do Salto Navaité.
Ao retornar, bastante cansado, o Cel Angonese relatou-nos que a única fazenda na redondeza estava localizada na margem oposta. Decidimos, então, realizar o transporte na manhã seguinte acampando a jusante do Salto Navaité.
Relatos Pretéritos: Ponte da Comissão ‒ Navaité
27.02.1914
– Relata Rondon –
27.02.1914 – A Expedição para o reconhecimento do Rio da Dúvida dispunha de uma flotilha de 07 canoas, recentemente construídas, das quais as maiores podiam carregar até 80 arrobas. Uma delas foi destinada ao serviço pessoal do Sr. Roosevelt; 02 foram designadas para os trabalhos de levantamento topográfico de que eu, o Ten Lyra e o Sr. Kermit, como porta mira, nos encarregávamos; e as 04 restantes, ligadas duas a duas, foram transformadas em balsas.
Além das pessoas mencionadas, cujos nomes acabo de citar, a Expedição contava mais com o naturalista americano Cherrie, o capitão médico Dr. Cajazeira ([10]), duas Praças do exército, 08 voluntários regionais e 06 trabalhadores civis: os expedicionários eram, portanto, em número de 22.
Terminados os últimos preparativos de embarque, começamos a descer o Rio da Dúvida pouco depois do meio dia de 27.02.1914. O Rio, engrossado com as águas das chuvas próprias da estação em que estávamos, apresentava-se, no lugar de onde partíamos, com a largura de 20 metros.
A enchente era tão grande, que a correnteza passava molhando a parte inferior do tabuleiro da ponte ali construída pela Comissão das Linhas Telegráficas; mas isso era para a Expedição, uma grande vantagem, porque assim nos seria possível deslizar por cima de obstáculos que estariam submergidos; muitas árvores caídas e atravessadas de uma para outra margem, muitos secos, talvez pedregosos, que certamente impediriam a cada passo a nossa navegação, se a tivéssemos de realizar nos meses de estiagem, agora nem seriam percebidos e nenhum trabalho nos dariam.
Nesse dia, percorremos 9.314 metros, ora por entre matas, onde já apareciam alguns exemplares da Hevea brasiliensis, ora através de terras baixas e alagadiças. O terreno era constituído do arenito dos Paresí.
O curso do Rio tomou o rumo geral do Norte e o levantamento fez-se com 114 estações. Passamos a noite no nosso primeiro pouso, à margem direita […] (RONDON)
– Relata Viveiros –
27.02.1914 – O Capitão Amílcar com seu grupo, dizia adeus, da margem, quando as canoas partiram Rio abaixo – corrente escura, volumosa, porque era estação das águas. Era tão grande a enchente que a correnteza molhava a parte inferior do tabuleiro da ponte ([11]) aí existente. Isso tinha a vantagem de imergir os obstáculos, inclusive árvores caídas. Na estiagem, estariam, certamente, à tona.
Partíamos de 12°01’ S ([12]) e 17°34’ O do Observatório do Rio de Janeiro. A direção a seguir era Norte, para o Equador. Eram exímios os remadores – ágeis como panteras, nadavam como peixes e manejavam igualmente bem o machado e o facão de mato ou o remo e a vara. (VIVEIROS)
– Relata Roosevelt –
27.02.1914 – Pouco depois das 12h00, iniciamos a descida do Rio da Dúvida para o desconhecido. Era para nós uma absoluta incerteza, se ao fim de uma semana nos encontraríamos no Ji-Paraná, ou ao fim de seis no Madeira, ou depois de três meses só Deus sabia onde.
Fora essa a razão de o Rio ser chamado, muito adequadamente, da Dúvida. Estivéramos acampados junto ao Rio, no lugar da picada da linha telegráfica, onde há sobre ele uma ponte rústica. Na ocasião em que nossas canoas carregadas deslizaram pela corrente, Amílcar e Miller, assim como os outros da comitiva do Ji-Paraná, se achavam no barranco e na ponte, para nos trazerem suas despedidas, com os votos de boa e feliz viagem. A época das cheias chegara a seu máximo e a correnteza engrossada era veloz e barrenta.
Nosso acampamento ficava a cerca de 12°01’ S ([13]) e 60°15’ O de Greenwich. A direção geral de nossa rota deveria ser para o Norte, em demanda do Equador, navegando através da vasta floresta.
Dispúnhamos de 7 canoas, todas feitas de troncos escavados. Uma era pequena, outra pouco estável, e duas eram velhas, remendadas, fazendo água. As três outras eram boas. As duas canoas mais velhas, a de fendas e uma terceira foram ligadas entre si, formando pares. Kermit com dois remadores embarcaram na menor das canoas que estavam em bom estado.
O Coronel Rondon, Lyra e três remadores ocupavam a outra, e eu com o Médico e Cherrie íamos na maior, com três remadores. Os oito Camaradas restantes ‒ eram 16 ao todo ‒ foram distribuídos igualmente pela parelha de canoas geminadas. Embora nossa bagagem pessoal estivesse limitada ao essencial ‒ à saúde e ao desempenho de nosso trabalho, em uma exploração como a nossa, de fins científicos, e com a necessidade de levar provisões para 22 pessoas durante um tempo desconhecido ‒ era impossível evitar uma carga volumosa, por isso as canoas estavam excessivamente abarrotadas.
Os remadores formavam um excelente conjunto. Eram peritos em serviços n’água e homens do mato, destros veteranos nos trabalhos do Sertão. Juntavam à agilidade da pantera a força do urso. Nadavam como cães d’água, manejando tão à vontade o varejão como o remo, o machado ou o facão. Um deles era um bom cozinheiro e os outros prestavam-se para todos os serviços do acampamento.
Assemelhavam-se aos piratas dos quadros de Howard Pile ou Maxfield Parrish e um ou dois eram realmente piratas, e um terceiro pior do que isso, mas a maioria deles trabalhava esforçadamente, com boa vontade e alegria. Eram brancos [ou antes, do azeitonado dos europeus do Sul], pretos, cor de cobre e de todos os matizes intermediários. Na minha canoa, Luiz, o capataz e encarregado do leme, era um negro de Mato Grosso; Júlio, o proeiro, baiano, e de puro sangue português, e o terceiro, Antônio, um índio Pareci.
O levantamento topográfico do Rio era feito pelo Coronel Rondon e Lyra, tendo Kermit como auxiliar. Kermit seguia à frente com a mira graduada, sobre a qual dois discos, um vermelho e outro preto, estavam fixados a 01 m de distância. Ele escolhia pontos que permitissem as maiores visadas possíveis para cima e para baixo do Rio e que por isso deviam ser no vértice de cada curva do Rio; desembarcava aí e cortava os galhos que interceptavam a visada, aprumando a mira – às vezes topando com os marimbondos e multidões de formigas de mordidas pungentes.
Lyra, de sua colocação Rio acima, lia com o telêmetro a distância, enquanto o Coronel registrava com a bússola o ângulo. Adiantavam-se então para o ponto que Kermit deixara e este seguia a escolher outra colocação visível para eles.
O primeiro meio dia de serviço pouco rendeu. O curso geral do Rio caía um pouco para Nordeste, mas a intervalos curtos se encurvava virando para todos os quadrantes. Kermit desembarcou um cento de vezes e só percorremos 09,33 km. Minha canoa seguia à frente dos que faziam o levantamento. A elevação das águas tornava a navegação fácil, pois a maioria das tranqueiras de paus secos e árvores caídas ficavam muito abaixo da superfície.
De vez em quando, entretanto, a correnteza nos impelia para redemoinhos que assinalavam pontos traiçoeiros de troncos imersos, ou para árvores desarraigadas que se estendiam de través, quase atravessando a corrente. Os remadores, com os músculos das costas e braços retesados, com remada sobre remada nos libertavam deles e faziam as canoas desviarem-se dos obstáculos. O debrum ([14]) de árvores curvadas ou caídas era constituído das espinhosas palmeiras “boritana” ([15]), de hastes delgadas e que gostam da água, muitas vezes ainda viçosas e em pleno vigor, embora mergulhadas no Rio com estípites encurvados para cima e as frondes agitadas pela rápida correnteza.
O nosso trabalho era interessante, porque nunca homem algum civilizado havia subido ou descido aquele Rio, nem visto a região que estávamos percorrendo. A floresta altaneira e compacta se levantava como uma muralha verde para cada lado. As árvores eram majestosas e belas. As trepadeiras entrosadas e tortuosas pendiam delas como grandes cordas. Montes de parasitas cresciam tanto sobre as árvores mortas, como sobre as vivas; algumas delas tinham folhas grandes como orelhas de elefante. Aqui e acolá ondas de perfume nos chegavam das flores marginais. Não havia muitas aves e a mata era na maior parte do tempo silenciosa; raramente ouvíamos estranhos pios na profundeza da floresta ou víamos algum biguá ou socó. Minha canoa desceu por espaço de duas horas e paramos então para esperar os outros. Como os topógrafos não apareciam após mais de duas horas, desembarcamos e acampamos num lugar em que a margem subia empinada por uns 100 m, até uma área plana.
Amarramos as canoas e os foiceiros roçaram um espaço para as barracas, que foram armadas; as bagagens foram trazidas e acendeu-se fogo. A mata estava em silêncio quase completo e viam-se antigos carreiros de antas mas não havia rastos frescos. Antes do cair da noite, chegaram os topógrafos. Apareceram alguns piuns e mosquitos-pólvora, assim como alguns pernilongos, depois que anoiteceu, mas não em quantidade para nos incomodar. As pequenas abelhas sem ferrão, de ligeiro odor aromático, enxameavam enquanto havia luz do dia e nos subiam pelo rosto e pelas mãos; as coitadinhas eram tão mansas e inofensivas que, quando faziam muita coceira, eu procurava sempre afastá-las sem as molestar. Mas se tornaram uma praga pouco depois. Bátegas de chuva tinham caído espaçadas e o céu estava coberto, mas, depois do pôr do Sol, o tempo clareou, as estrelas brilharam no alto e a Lua nova mostrou-se no Ocidente. Foi uma noite fresca e agradável; dormimos em sono profundo. (ROOSEVELT)
– Relata Magalhães –
Nota 38 – O Ribeirão “Festa da Bandeira” foi descoberto pelo General Rondon (em 1912), que assim o denominou, identificando-o ao curso d’água que promanava ([16]) da cabeceira a que os índios Nambiquara chamavam “Carumixaru”. A “Expedição de 1909” cortou-o bem próximo da sua cabeceira principal e executou “caminhamentos” que atravessaram os seus formadores da margem esquerda; a linha telegráfica descreveu aí um grande polígono envolvente que interceptou uma série de cabeceiras secundárias de sua margem direita, para depois atravessar-lhe também o curso, o que obrigou a construção de uma grande ponte de madeira.
Estes trabalhos permitiram à Comissão Rondon a construção de uma planta topográfica que assinala o grande leque constituído pelos formadores do “Festa da Bandeira”.
Para não descer a minuciosidade maior, direi apenas que nesse trecho, entre a sua principal cabeceira e o ponto em que a linha o cortou, a Comissão estudou e traçou 38 cabeceiras secundárias. (MAGALHÃES, 1941)
27.02.1914 – No dia 27, às 07h30, levantei acampamento da cabeceira do Sete de Setembro e fiz um grande alto, no Rio da Dúvida, onde assistimos a vossa partida com a turma de exploração desse Rio, sob a chefia de honra do Sr. Coronel Roosevelt, partida realizada às 12h00. Ao passar pelo vosso acampamento do Rio da Dúvida, recebi as bagagens e correspondências que me confiastes, para que as levasse a Manaus, entreguei relacionada a carga que deveria voltar para a estação José Bonifácio e, finalmente, agreguei definitivamente ao meu Estado-Maior o naturalista americano Leo Miller e o geólogo Brasileiro Dr. Euzébio Paulo de Oliveira, os quais comigo desceriam o Rio Ji-Paraná, assim como a meu contingente os praças e tropeiros constantes dos suplementos n° 23 e 24, ficando assim a turma composta de 06 oficiais e 02 adidos, 76 praças e tropeiros, ao todo, pois, 84 homens.
Em seguida à vossa partida, levantou acampamento o Tenente Joaquim Manoel Vieira de Mello com o seu pessoal, já novamente incorporado à minha turma, e marchamos todos para a cabeceira Dr. Stiglmayer, onde acampei às 20h00. (MAGALHÃES, 1942)
– Relata Cherrie –
27.02.1914 – Ao meio-dia, iniciamos a nossa viagem de canoa pelo “desconhecido”, ou melhor, “Rio da Dúvida”. Enquanto o Coronel Rondon, o Tenente Lyra e Kermit Roosevelt iam em duas canoas traçando o rumo e medindo o comprimento do Rio, Kermit e a tripulação seguiam à frente em uma canoa com a baliza, o Tenente Lyra fazia a leitura da distância enquanto o Coronel Rondon, usando a bússola, fazia os registros da rota.
O Tenente Lyra, à noite, no final de cada jornada, atualizava o traçado do Rio. Poucos animais foram vistos ao longo das margens. Um grande número de árvores tinha caído no leito do Rio e em muitos lugares bloqueavam a passagem das canoas. O curso é extremamente tortuoso e seu sinuoso curso volve em todas as direções. Os remadores precisam, às vezes, realizar manobras extenuantes para conseguir que as canoas vencessem algumas das curvas. (CHERRIE)
Por Hiram Reis e Silva (*), Bagé, 10.09.2021 – um Canoeiro eternamente em busca da Terceira Margem.
Bibliografia
CHERRIE, George Kruck. Dark trails: Adventures of a Naturalist ‒ USA ‒ New York ‒ G. P. Putnam’s Sons, 1930.
COUDREAU, Marie Octavie. Voyage au Cuminá – França – Paris – A. Lahure, Imprimeur‒Éditeur, 1901.
MAGALHÃES, Amílcar Armando Botelho de. Pelos Sertões do Brasil (1928) – Brasil – Rio de Janeiro, RJ – Companhia Editora Nacional, 1941.
MAGALHÃES, Amílcar Armando Botelho de. Impressões da Comissão Rondon (1942) – Brasil – Rio de Janeiro, RJ – Companhia Editora Nacional, 1942.ROOSEVELT.
RONDON, Cândido Mariano da Silva. Conferências Realizadas nos dias 5, 7 e 9 de Outubro de 1915 pelo Sr. Coronel Cândido Mariano da Silva Rondon no Teatro Phenix do Rio de Janeiro Sobre os Trabalhos da Expedição Roosevelt‒Rondon e da Comissão Telegráfica ‒ Brasil ‒ Rio de Janeiro, RJ – Tipografia do Jornal do Comércio, de Rodrigues & C., 1916.
ROOSEVELT, Theodore. Nas Selvas do Brasil ‒ Brasil ‒ São Paulo, SP ‒ Livraria Itatiaia Editora Ltda ‒ Editora da Universidade de São Paulo, 1976.
VIVEIROS, Esther de. Rondon Conta Sua Vida ‒ Brasil ‒ Rio de Janeiro, RJ ‒ Livraria São José, 1958.
WALLACE, Alfred Russel. Viagens Pelo Amazonas e Rio Negro ‒ Brasil ‒ São Paulo, SP ‒ Editora Companhia Editora Nacional, 1939.
Filmete
https://www.youtube.com/watch?v=tYkH5YO38IQ&list=UU49F5L3_hKG3sQKok5SYEeA&index=40
(*) Hiram Reis e Silva é Canoeiro, Coronel de Engenharia, Analista de Sistemas, Professor, Palestrante, Historiador, Escritor e Colunista;
- Campeão do II Circuito de Canoagem do Mato Grosso do Sul (1989)
- Ex-Professor do Colégio Militar de Porto Alegre (CMPA) (2000 a 2012);
- Ex-Pesquisador do Departamento de Educação e Cultura do Exército (DECEx);
- Ex-Presidente do Instituto dos Docentes do Magistério Militar – RS (IDMM – RS);
- Ex-Membro do 4° Grupamento de Engenharia do Comando Militar do Sul (CMS)
- Presidente da Sociedade de Amigos da Amazônia Brasileira (SAMBRAS);
- Membro da Academia de História Militar Terrestre do Brasil – RS (AHIMTB – RS);
- Membro do Instituto de História e Tradições do Rio Grande do Sul (IHTRGS – RS);
- Membro da Academia de Letras do Estado de Rondônia (ACLER – RO)
- Membro da Academia Vilhenense de Letras (AVL – RO);
- Comendador da Academia Maçônica de Letras do Rio Grande do Sul (AMLERS)
- Colaborador Emérito da Associação dos Diplomados da Escola Superior de Guerra (ADESG).
- Colaborador Emérito da Liga de Defesa Nacional (LDN).
- E-mail: [email protected].
[1] Buritiranas: Mauritiella aculeata.
[2] Avistei dois ou três urubus voando alto sobre floresta. Como eles não são aves de ambiente florestal, acho que podemos estar nos aproximando de uma região mais aberta, possivelmente um Chapadão. Atualmente estamos cortando nosso caminho através de uma Cadeia de montanhas. (CHERRIE)
[3] Furos: são canais que unem trechos sinuosos do mesmo Rio encurtando distâncias.
[4] Arrombados: são uma evolução dos furos que, com o passar dos anos, acabam se transformando no novo leito do Rio.
[5] Sacados: são lagos, geralmente em forma de ferradura, formados depois do “furo” se transformar em “arrombado” e consequente assoreamento das bocas de montante e jusante do antigo leito do Rio.
[6] Expedição Científica: 25,84 km.
[7] Breu-branco (Protium heptaphyllum): o breu-branco produz uma resina depois de ser estimulado pela larva de um inseto da família Curculionidae, que deposita suas larvas sob a casca da árvore e ali permanecem até a idade adulta. No início, a resina tem cor branca e brilhante e, com o passar do tempo, solidifica-se, assumindo uma cor esbranquiçada e cinzenta, ou cinza-esverdeada, quebradiça e inflamável. A cor da resina, consistência e aroma variam muito de acordo com a espécie: Cosméticos: empregados na fabricação de produtos de higiene, cosméticos e perfumes.
Essência: as folhas são empregadas na fabricação de pós aromáticos e saches.
Insetífugo: usa-se a resina como repelente de insetos.
Medicinal: estudos recentes com o óleo da resina comprovaram sua eficácia terapêutica, demonstrando propriedades anti-inflamatórias, anticonceptivas e antineoplásicas.
Antineoplásica: utilizado para destruir células malignas, evitando ou inibindo o crescimento e a disseminação de tumores.
[8] Calafetagem: fazem-se pequenos cortes (sangria) na casca da árvore de onde brota um líquido que, depois de seco, transforma-se numa massa flexível de cor branco-amarelada. Essa massa é empregada na calafetagem de embarcações depois de aquecida e misturada com azeite ou sebo.
[9] Expedição Científica: 66,23 km, desde a Ponte Telegráfica; Expedição Centenária 61,5 km, desde o AC01 – Fazenda Baliza.
[10] Dr. Cajazeira: José Antônio Cajazeira.
[11] Ponte de madeira com vão de 20 m, construída em 1909, pela Comissão Construtora de Linhas Telegráficas do Mato Grosso ao Amazonas comandada por Rondon.
[12] Viveiros copia, do texto de Roosevelt, a longitude errada da Ponte Telegráfica, felizmente, depois de muita pesquisa, verifiquei nas “Conferências Realizadas nos dias 5, 7 e 9 de outubro de 1915”, por Rondon, no Teatro Fênix do Rio de Janeiro, que:
2ª CONFERÊNCIA
I Reconhecimento e exploração do Rio da Dúvida: […]
II Exploração e levantamento do Rio da Dúvida, desde o Passo da Linha, na latitude 12°03’56,8” S e longitude 60°21’55,8” O de Greenwich, até o encontro com a turma auxiliar do Tenente Pyrineus no Aripuanã. (RONDON)
[13] Roosevelt arredondando, como de costume, os dados obtidos pelo levantamento topográfico (12°03’56,8” S) lançou, nas suas anotações, 12°4’ e o editor, não entendendo sua caligrafia, trocou para 12°1’.
[14] Debrum: a orla.
[15] Boritana: buritirana, buriti-mirim (Mauritiella aculeata).
[16] Promanava: brotava.
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